Sete em cada dez jovens brasileiros têm interesse em ciência e tecnologia e a maioria deles defende que, mesmo em situação de crise econômica, o governo deve aumentar os investimentos na área. Por outro lado, apenas um em cada dez jovens sabe o nome de algum cientista ou de instituição que faz pesquisa científica no País. A maioria se informa sobre ciência e tecnologia pela internet, mas poucos buscam ativamente informações sobre o assunto.
Os dados são da pesquisa de percepção pública realizada com jovens brasileiros pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), apresentados pela coordenadora do grupo, Luisa Medeiros Massarani, em mesa redonda realizada na quarta-feira, 24, na 71a Reunião Anual da SBPC. Além dela participaram também Maria Ataíde Malcher, docente da Universidade Federal do Pará (UFPA), Natalia Pasternak Taschner, pesquisadora colaboradora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), e Rafael Bento Soares, idealizador e co-fundador da rede Science Vlogs Brasil.
A pesquisa do INCT-CPTC, realizada no início do ano com mais de duas mil pessoas de 15 a 24 anos em todo o país, revela que o Google e o YouTube são as principais plataformas digitais usadas pelos jovens para acessar conteúdos de ciência e tecnologia. Essa busca, no entanto, acontece com frequência apenas para um em cada quatro entrevistados. Segundo Massarani, os jovens em sua maioria apenas “tropeçam” em conteúdos que abordam temas científicos e, ainda, acreditam que a internet “entende” o que eles procuram e que a informação “acaba chegando”. “Os jovens perderem o protagonismo no acesso e no consumo de informação científica”, analisa a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ela enfatiza que é preciso considerar essa mudança no ecossistema de informações dos nativos digitais quando se pensa e se faz comunicação em ciência e tecnologia.
Especificidades
Grupos de jovens mais específicos, se olhados de perto, no entanto, podem apresentar outro tipo de comportamento em relação ao consumo de informação científica. Uma pesquisa qualitativa realizada por Malcher, da UFPA, em dois municípios em pontos extremos do Brasil — Cametá (PA) e Tavares (RS) –, onde há acesso restrito à internet, revela que a busca por temas de ciência por esses jovens é mais direcionada. “Eles buscavam os vídeos em função de necessidades práticas naquele momento”, conta a pesquisadora. Durante 10 dias, 21 jovens anotaram os conteúdos consumidos por eles na forma de vídeo. Os resultados revelaram que 7% dos vídeos abordavam temas científicos, sendo que a maioria deles foram acessados por canais tradicionais, como televisão aberta ou a cabo, e em seguida, por mídias digitais, como sites e redes sociais.
De acordo com Malcher, os vídeos acessados geralmente não são apresentados por especialistas. Ao contrário, os conteúdos consumidos por esses jovens em sua maioria são produzidos por pessoas comuns, que têm perfis parecidos com os deles próprios, e que compartilham as suas experiências, muitas vezes fazendo uso do humor. “Essa geração, que aprende rindo, se conecta com pessoas que falam diretamente com eles”, diz a pesquisadora.
O poder do YouTube
Apontado como uma das principais fontes de informação de ciência e tecnologia pelos jovens entrevistados na pesquisa do INCT-CPCT, o YouTube é uma das plataformas digitais mais utilizadas no mundo, com cerca de um bilhão de usuários — sendo que 98 milhões são brasileiros. Um bilhão de horas de vídeos são assistidas diariamente, ou seja, é como se cada usuário visse uma hora de vídeo todos os dias. O conteúdo disponível, no entanto, é ainda maior do que aquilo que de fato é visto. Para ser ter uma ideia, a cada minuto são inseridas 400 horas de vídeo na plataforma.
O público do YouTube é majoritariamente jovem. “Metade das personalidades mais influentes para os jovens brasileiros são youtubers”, afirma Soares, que também criou o Numinalabs, uma agência para influenciadores digitais de ciência apoiada pelo Instituto Serrapilheira. “Queremos mostrar para as marcas que eles [os youtubers de ciência] já têm credibilidade e um público grande”, diz. Em alguns casos, esses influenciadores que tratam de temas científicos têm milhões de seguidores e dezenas de milhares de visualizações em cada vídeo postado. Muitos deles fazem parte da rede Science Vlogs Brasil, uma espécie de selo de qualidade para canais que apresentam conteúdo de ciência e tecnologia de qualidade.
De acordo com Soares, os youtubers geram tanta admiração por parte dos jovens em função da proximidade que criam com o seu público. “Eles estabelecem diálogo direto e constante com a audiência, o que inclui a rotina e bastidores da vida, o que gera envolvimento e identificação”, analisa.
Compreensão da ciência
Outra pesquisa de percepção pública realizada este ano pelo Instituto Questão de Ciência (IQC), fundado por Taschner, teve como um dos objetivos avaliar a compreensão geral de conceitos científicos pela população. Os resultados revelam que, entre os jovens entrevistados, “90% entendem que o aquecimento global é um problema real, causado pelo homem, e que pode trazer consequências graves para a sociedade”, conta. No entanto, de acordo com a bióloga, 40% não aceitam a teoria da evolução — contra metade da população brasileira, se consideradas todas as faixas etárias –, e 75% acreditam que alimentos transgênicos podem fazer mal à saúde.
De acordo com Taschner, é preciso ficar atento ao que a população entende por ciência, já que muitas vezes pessoas se apropriam do status da área para transmitir conteúdos pseudocientíficos. Para ela, é preciso “não confundir o que ‘o cara de jaleco’ diz com o que é ciência”. “Temos que ensinar aos nossos jovens o que é o método científico”, para que eles tenham condições de julgar se uma informação nesse sentido é verdadeira ou não, defende.
Ana Paula Morales, especial para o Jornal da Ciência