O impacto emocional provocado pela destruição do Museu Nacional do Rio de Janeiro pode ser medido pela quantidade e intensidade das notícias na imprensa nacional e internacional e das mensagens postadas nas redes sociais. A imagem trágica do prédio em chamas, e o que ela representa para a ciência e a cultura do País, espalha sentimentos de espanto, indignação, vergonha e tristeza. É impossível ignorá-la. E é inaceitável acreditar que parte de nossa história tenha desaparecido em algumas horas de incêndio.
Fundado por Dom João VI em junho de 1818, o Museu Nacional abrigava um acervo valioso com mais de 20 milhões de peças, desde documentos da memória brasileira, de pesquisa nas áreas das ciências naturais e antropológicas, além de peças antigas e raras provenientes de diversas regiões do planeta, símbolos de civilizações antigas. Mas quem acompanha as notícias sobre as condições deste património nos últimos anos, e o processo de destruição a que vinha sendo submetido, não pode se dizer surpreendido com a tragédia. Em outras palavras, foi preciso que esse processo se materializasse em chamas para que pudéssemos ver a realidade que se custa a crer.
Há inúmeros outros patrimônios do País que também estão em franco processo de deterioração neste momento. Museus, áreas de proteção ambiental, parques de preservação de sítios arqueológicos e de espécies ameaçadas de extinção. Iniciativas que merecem respeito e apoio internacional, como o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, para citar um exemplo marcante de sucesso, mas que já enfrenta dificuldades para manter tantas ações no meio da Amazônia, projetos em andamento e que dependem também de verbas governamentais. Será que precisamos vivenciar catástrofes desta natureza para que a União se sensibilize de que é vital cuidar não só da memoria nacional, mas dos acervos de pesquisa, arte e cultura, construídos com o acumulo de muitas pesquisas realizadas ao longo de nosso processo de evolução?
Faria um ótimo trabalho quem se dedicasse hoje a mapear as principais demandas que o país vai acumulando com relação a esses patrimônios, em nome da manutenção de uma saúde fiscal que deixa destroços pelo caminho. Caso essa relação existisse, ela poderia ficar exposta nas redes sociais, como um roteiro das perdas injustificáveis, que vamos deixar para as próximas gerações.
Sobre a autora:
Vanderlan Bolzani é vice-presidente da SBPC e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) e professora titular do Instituto de Química da Unesp/Araraquara