Que pós-graduação queremos para o Brasil?

Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC e ex-ministro da Educação, reflete sobre as linhas essenciais para uma pós-graduação de qualidade e que responda às necessidades do País - terceira prioridade destacada na “Carta de Curitiba”, documento lançado pela entidade em 27 de julho, durante sua 75ª Reunião Anual, realizada na capital paranaense

O melhor nível de ensino no Brasil, como todos sabem, é a pós-graduação – na qual nos equiparamos aos países desenvolvidos. É consenso nosso que isso se deve à avaliação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Tal qualidade só pode ser mantida pela mobilização constante da comunidade de pesquisa, que também é a que forma nossos melhores quadros, como mestres e doutores. Os pontos que aqui surgem, como foram expostos na 75ª Reunião Anual da SBPC, inclusive na conferência do professor Esper Cavalheiro, que dirige a elaboração do novo Plano Nacional de Pós-Graduação, são essencialmente:

  1. O desafio da interdisciplinaridade. Para superar os desafios da interdisciplinaridade será necessário conciliar a especialização do conhecimento com o diálogo entre as várias áreas da ciência. Houve um avanço extraordinário em cada área, mas isso se deu às custas do diálogo entre as ciências. A falta de diálogo traz dois problemas sérios. O primeiro é que ela ignora efeitos de um conhecimento sobre outros. Um exemplo claro na área de saúde é que se recomenda expor-se ao sol, para melhorar a fixação de vitaminas, ao mesmo tempo em que se alerta para os riscos de tal exposição para doenças da pele. O segundo é que se perde o uso de modelos de outras áreas. O grande caso é o da geometria, que começa na civilização helênica séculos antes de Cristo mas, apenas dois mil anos depois, já no século XVII, vai servir à geometrização do conhecimento, sendo utilizada para revolucionar a física e, além disso, para as propostas de cientificizar a ética (com Espinosa) e a ciência política (com Thomas Hobbes). Dois milênios separam, assim, o nascimento da geometria e sua fecundação das demais ciências.
  2. A adequação à realidade brasileira. Pesquisas devem levar em conta a realidade. Embora a ciência seja universal, o Brasil tem características que devem ser priorizadas. Assim, nas ciências agrárias, uma aplicação mecânica dos indicadores de periódicos, como o Fator de Impacto, pode levar a uma distorção, que consistiria em valorizar bem mais os papers sobre trigo do que aqueles que tratam da soja. Isso se explica porque, nos países ricos, a triticultura é amplamente praticada, mas em nosso país é a soja que prevalece. Correçoes são necessárias, neste caso em termos de avaliação, mas antes de mais nada no que diz respeito a foco e prioridade.
  3. A definição dos campos e temas em que podemos ter protagonismo mundial. O Brasil, por seu tamanho geográfico, diversidade de biomas e grande população, tem a capacidade (e por isso memso, o dever) de cobrir todas as áreas do conhecimento. Fôssemos um país pequeno, elegeríamos apenas algumas. Mas podemos tratar de tudo. Isso não quer dizer, porém, que possamos ser ótimos em tudo. A meta brasileira deve consistir, portanto, em (1) elegermos áreas e temas em que podemos ser líderes mundiais, como a biodiversidade amazônica e, talvez, a de outros biomas, a diversidade cultural e, ainda, as energias renováveis; (2) não nos confinarmos nos temas apenas “brasileiros” (aqueles que dizem respeito à nossa natureza e cultura), mas discutirmos temas universais; (3) em todas as demais áreas, garantirmos uma presença muito boa, mediante mecanismos como doutorado sanduíche, pós-doutorado, estágio sênior, convites a visitantes, em suma, o que nos permita acompanhar com qualidade tudo o que se faz em conhecimento científico no mundo. Tal definição deve constituir parte significativa da Estratégia Nacional de CT&I, a ser elaborada nos próximos meses, antes mesmo da Conferência Nacional de CT&I, prevista para junho de 2024, já na metade do atual mandato presidencial;
  4. A destinação dos quadros assim formados não apenas para a docência universitária, mas para o fortalecimento de nossa economia, especialmente num quadro em que se impõe a descarbonização da mesma, e a qualificação adequada de nosso setor público. Embora ainda tenhamos um porcentual de doutores e mestres por 100 mil habitantes inferior ao da OCDE, e seu aumento seja insumo decisivo para nosso desenvolvimento econômico e social, não basta expandir tal quantitativo: é necessário que tal crescimento repercuta positivamente para o País. Discute-se, já faz tempo, qual a contribuição que a pós-graduação pode e deve dar para nossos indicadores. É mais que hora de termos clara qual a orientação profissional que deverão ter nossos mestres e doutores, para além da docência no nível superior;
  5. Finalmente, o planejamento, que graças à Capes tem sido essencial para o avanço da pós-graduação no Brasil. Assim, a conclusão do PNPG, depois de vários anos sem um, é essencial.

 

Leia aqui a Carta de Curitiba. 

 

Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC

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