A professora Francilene Procópio Garcia, da Universidade Federal de Campina Grande (PB), vai assumir a presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), neste dia 17. Atual vice-presidente da entidade, a cientista da área de Computação tomará posse no novo cargo durante a 77ª Reunião Anual da entidade, que acontece em Recife (PE), com mais de 10 mil inscritos.
Professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ e integrante do Conselho da SBPC, a professora Ligia Bahia elogia a colega, que será a primeira presidente nordestina da história da entidade. “Com uma vasta experiência na área de pesquisa e inovação, Francilene chega chegando”, brinca.
Nesta entrevista ao Jornal da AdUFRJ, Francilene aborda os planos para a gestão até 2027, avalia as ações do governo Lula na Ciência e os desafios do setor.
Jornal da AdUFRJ – Quais serão os principais desafios da gestão?
Francilene Procópio Garcia- Espero que a nossa gestão amplie as condições para que jovens cientistas possam ser mais ouvidos. Quando você coloca os jovens e os pesquisadores mais experientes em diálogo, alcançamos resultados mais qualificados nas discussões.
Precisamos valorizar a carreira científica. Formamos hoje em torno de 22 mil doutores por ano. Pela falta de alternativas na carreira pública — que depende do concurso e nem sempre há vagas disponíveis — ou mesmo no segmento privado, eles são muito fortemente contratados como bolsistas. Até tivemos uma atualização nos valores das bolsas de pesquisa em 2023, mas eles ainda estão aquém das nossas necessidades.
Também queremos aprimorar a governança e a gestão do sistema nacional de ciência e tecnologia de inovação. A ideia é que a gente ajude a fortalecer a fixação dos doutores e pós-doutores de uma maneira mais integrada regionalmente, e não concentrada em apenas duas regiões do país.
Outra tarefa é aperfeiçoar os indicadores da ciência. É bom publicar papers, é bom ter depósitos de patentes, mas a gente precisa avançar um pouquinho mais naquilo que é a presença da ciência na vida das pessoas. De que adianta você ter uma patente importante, por exemplo, na eficiência da agricultura, se ela não se ela não chega à agricultura familiar? Precisamos construir uma plataforma de métricas e indicadores que, para além das publicações, para além das patentes, vão ter a capacidade de ler melhor o impacto que a ciência traz para a sociedade brasileira em qualquer setor.
O papel da SBPC é esse: de seguir vigilante, propositiva, participando dos espaços. Vamos ajudar este e qualquer outro governo a construir um projeto de país baseado nas evidências da Ciência, com mais equidade e com soberania, naturalmente.
A pluralidade na Ciência será uma pauta?
A SBPC, em toda a sua trajetória histórica, tem buscado ampliar os espaços e as vozes dos grupos sub-representados que integram essa diversidade e essa pluralidade que a ciência requer. O nosso Prêmio Carolina Boeri, que vai para a sua sétima edição, é um excelente exemplo. A premiação não só olha para as cientistas que já têm uma carreira consolidada, mas também para as jovens que estão participando de um programa de iniciação científica no ensino médio ou na graduação.
Na minha turma de graduação, nos anos 80, éramos três mulheres em 20. De lá para cá, observamos uma evolução, mas a presença do gênero feminino nas exatas de uma maneira geral, nas engenharias, e incluindo aí a Ciência da Computação, ainda está bem aquém do que a gente gostaria de ver.
Como ampliar o número de sócios da SBPC?
Hoje, a SBPC conta com três mil sócios ativos. Agora, na Reunião Anual de Recife, que já tem mais de 10 mil inscritos até o momento, vamos lançar uma consulta para entender melhor o perfil e os interesses das pessoas e, a partir daí, qualificar melhor nossas ações e campanhas.
A gente ainda não está no TikTok, mas estamos pensando em elaborar uma agenda ali. Trazer a juventude para discussões e reflexões sobre a política científica desde cedo é algo para o qual a SBPC gostaria de contribuir.
Como a senhora avalia as ações do governo Lula em relação à Ciência?
Essa terceira gestão do Lula deu sinais importantes no sentido de reconhecer a centralidade da ciência. O primeiro foi quando o governo firmou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Na gestão anterior, houve momentos de enfraquecimento da pasta, tanto no orçamento como no peso político, a exemplo da falta de influência do MCTI no enfrentamento da COVID-19 que teve forte viés negacionista. O segundo, quando manteve a integralidade dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que tem sido fundamental para reposicionar investimentos em algumas áreas.
E, ainda em 2023, no primeiro ano do governo, foi lançado o plano da Nova Indústria Brasil com seis missões. Todas elas — uma delas é garantir a segurança alimentar do país — dependentes da Ciência, com diretrizes importantes para o sistema nacional de pesquisa e inovação.
Também voltamos a fazer parte de agendas globais estratégicas, onde a ciência é imensamente presente, como a articulação internacional voltada para a chegada das plataformas de inteligência artificial.
Mas o ponto fundamental, além de regularizar o FNDCT, foi convocar a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (em junho de 2024), após 14 anos. Desde a fase preparatória, mais de 100 mil pessoas participaram. A partir dali, temos um material preciosíssimo, que é a voz da sociedade, dos atores do sistema nacional, indicando caminhos para uma Estratégia Nacional de Tecnologia e Inovação e para um Plano Decenal.
O que são estas iniciativas?
Grande parte do material da 5ª Conferência traz diagnósticos e recomenda avanços em várias áreas. Cabe ao MCTI liderar o processo de transformação desse conjunto em uma política estruturada com dois eixos fundamentais. O primeiro eixo é a definição das diretrizes prioritárias para os próximos quatro a cinco anos, o que se materializa na Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI). Com essas diretrizes, busca-se alinhar os esforços do Sistema Nacional de CT&I, garantindo coerência entre as ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação em todo o país.
A Estratégia já está em fase de formulação e deve ser apresentada à sociedade em meados de setembro. No entanto, ela não é suficiente por si só. É preciso também definir como essas diretrizes serão implementadas, o que exige planejamento, metas claras e alocação de recursos.
Esse é o papel do Plano Decenal de CT&I, que deve detalhar os caminhos para alcançar os objetivos definidos na Estratégia, orientando investimentos, programas e instrumentos de fomento de forma coordenada e de longo prazo.
E como a SBPC tem reagido aos ataques do governo Trump aos cientistas?
Temos sido bastante presentes na rede de associações similares à SBPC em outros países, junto da própria Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciência. Estamos denunciando as supressões de investimentos e, sobretudo, o ataque à liberdade acadêmica, tanto no caso dos Estados Unidos, como em outros países, como é o caso da própria Argentina aqui na América do Sul.
Também alertamos sobre perdas que o governo Trump vai provocar, por exemplo, ao deixar de colocar recursos na Organização Mundial da Saúde ou em projetos de pesquisa importantes para o mundo dos quais brasileiros e brasileiras fazem parte através das nossas universidades.
Nessa direção, a SBPC também tem se inserido na discussão mais recente da agenda do BRICS. Enquanto essa situação de enfrentamento nos Estados Unidos estiver vigente, a possibilidade de arranjos no eixo Sul-Sul é estratégica para que estas ações não percam energia.