O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve anunciar até meados deste mês novos valores reajustados das bolsas de estudos concedidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), anunciou na última quarta-feira, 8 de fevereiro, o presidente do órgão, Ricardo Galvão. As bolsas estão há quase dez anos sem reajuste, o que vem causando evasão de pesquisadores que, ou desistem de suas pesquisas ou saem do país para o exterior em busca de melhores condições de trabalho.
Galvão apresentou estatísticas e planos para a ação do CNPq no futuro próximo durante o Fórum das Sociedades Afiliadas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O presidente do conselho fez um relato sobre os principais indicadores do orçamento e execução dos programas da agência, apontando a queda drástica registrada nos últimos seis anos. Segundo ele, para 2023 já estão garantidos R$ 400 milhões a mais no orçamento das bolsas de estudos de iniciação científica e pós-graduação, o que permitirá o reajuste. Mas ele não antecipou os novos valores.
Galvão afirmou que, na visão dele, as bolsas de produtividade, que são as de mais alto nível do CNPq, destinadas a pesquisadores de destaque em suas áreas, devem evoluir cada vez mais para “taxas de bancada” e menos para financiamentos individuais. “Isso é uma determinação do TCU (Tribunal de Contas da União), então a comunidade científica deve começar a se preparar para isso”, afirmou. As bolsas de produtividade alcançam hoje cerca de 15 mil bolsistas no país.
Questionado pelos participantes sobre a diversidade no fomento à pesquisa científica no país, Galvão afirmou que os esforços no sentido de atrair mulheres e meninas para ciência estão surtindo efeito já que elas têm conquistado bolsas e produzido e publicado tantos artigos científicos de qualidade e destaque quanto os homens.
“Embora em mestrado e doutorado haja um equilíbrio (de gênero) muito bom, em produtividade de pesquisa os homens ainda são quase o dobro das mulheres”, contou, acrescentando que, em 2021, essa divisão se manteve. “Mas em mestrado, as mulheres já suplantam os homens e em doutorado já estão quase suplantando”. De acordo com os dados apresentados, em iniciação científica elas já superam os homens em margem muito maior que na pós-graduação.
Por outro lado, o presidente do CNPq revelou que não existem estatísticas sobre a distribuição de bolsas de estudos por etnia, quando o tema foi mencionado pelo presidente da Associação Brasileira de Etnomusicologia (Abet), Pedro Fernando Acosta da Rosa, e o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia, Érico Andrade. “É importante o CNPq trazer um recorte para identificar os pesquisadores, estudantes e professores negros”, reiterou Acosta. “É fundamental ter um levantamento racial e como essas bolsas estão sendo distribuídas”, acrescentou Andrade, lembrando que o déficit histórico do Brasil em relação aos negros não será reduzido se o critério de distribuição de recursos for apenas por mérito.
Galvão respondeu que uma mudança implementada ainda na gestão anterior, a pedido da comunidade científica, de se privilegiar a distribuição por projetos induz ao critério de mérito. “Isso tem que ser estudado com muito cuidado porque sempre há compromissos legais”, afirmou.
Na questão de distribuição regional das bolsas, Galvão disse apostar em uma articulação com as fundações de amparo à pesquisa estaduais, as FAPs, o que já estaria sendo conduzido por uma diretoria específica dentro do órgão, criada ainda no governo anterior. O assunto foi levantado pelo presidente de honra da SBPC, Ennio Candotti, que sugeriu que se levasse em conta não apenas o custo das pesquisas em geral, mas os diferentes graus de maturidade das pesquisas, levando em conta os temas de interesse em cada região. Candotti citou o caso de projetos de pesquisa no interior do estado do Amazonas com apoio da Fapeam: “Os embriões de pesquisa no interior são muito importantes, principalmente para o Amazonas”.
“Ennio tem toda razão que algumas pesquisas iniciais em grupos que ainda não existem têm que ser estimuladas”, disse Galvão. “Tivemos várias propostas nesse sentido já na fase de transição (de governo após as eleições), mas isso tem que ser levado ao conselho (diretor) devido a questões legais” respondeu o presidente do CNPq.
Clima de alívio
A declaração do presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, na abertura do Fórum das Sociedades Científicas deu o tom do encontro. Janine Ribeiro disse: “O pesadelo acabou, agora podemos começar a sonhar. Um novo período se abre”, referindo-se à troca de comando do país e dos órgãos que gerenciam a educação e a ciência com as eleições de outubro.
O presidente da SBPC reiterou que a prioridade da comunidade científica é o reajuste das bolsas de estudos, tanto do CNPq quanto da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes). Além disso, frisou, a expectativa é de aumento do número de bolsas e, a mais longo prazo, de concessão de direitos previdenciários aos bolsistas. Outra prioridade, disse ele, é a recomposição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Emocionada, a cientista Vanderlan Bolzani, presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), disse que aquele era um “momento muito especial” pela perspectiva de retomada de uma política de Estado, principalmente para ela, que acompanhou o avanço da ciência brasileira nos últimos 40 anos.
Bolzani lembrou que as bolsas do CNPq são fundamentais para o País atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas. Ela lembrou que em cidades grandes e capitais, a evasão de estudantes é enorme. “As pessoas não conseguem mais viver com as bolsas, é importante que sejam reajustadas o mais rápido possível, porque pesquisa merece investimento.”
Eduardo Colombari, presidente da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FESBE), reiterou a necessidade de aumento do orçamento do CNPq. “Sem um aumento substancial do orçamento do CNPq não há como implementar pesquisa no Brasil”, afirmou. Animado, ele ressaltou a intenção da entidade (que reúne 24 sociedades de saúde e medicina) em participar mais do processo político, inclusive com a criação de uma Frente Parlamentar da Biomedicina.
Jornal da Ciência