Recurso para universidade pública é investimento, não privilégio

“Não se trata de luxo nem capricho corporativo: é a defesa de instituições fundamentais ao avanço econômico, social e sustentável do País”, escrevem Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e professora emérita da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, e Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), professor da USP e ex-ministro da Educação (governo Dilma, 2015), em resposta a editorial da Folha de S. Paulo

No editorial “Não haverá dinheiro que baste para universidades públicas” (23/5), a Folha afirmou que a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) adotaram “tom catastrofista” ao alertar sobre decreto que restringia o orçamento das universidades federais.

É legítimo que o jornal sustente sua posição favorável à privatização do ensino superior público. Também é legítimo de nossa parte apresentar argumentos que contestam a proposta e reforçam a defesa dessas instituições.

As universidades públicas são responsáveis por mais de 90% da produção científica do Brasil e ampla formação de quadros profissionais. Ao classificá-las como parte de “modelo custoso, iníquo e de baixo incentivo à eficiência”, o editorial desconsidera sua contribuição inestimável para o desenvolvimento econômico e social do país.

Apesar do pouco investimento, o Brasil ocupa a 13ª posição no ranking global de publicações científicas, sendo a maioria vindas de universidades públicas. Índice da Nature sobre líderes na ciência mostra que, de 137 instituições acadêmicas brasileiras listadas, metade são federais, distribuídas por todas as regiões.

O retorno dado por elas supera em muito os recursos destinados. Quando orçamentos de custeio e investimento são comprimidos, salários não são afetados, mas sim o funcionamento diário das instituições: laboratórios são paralisados, bolsas são cortadas, prédios se deterioram, e a pesquisa sofre. Cai a qualidade dos profissionais formados.

Mais de 70% dos estudantes das federais vêm de famílias de baixa renda. A gratuidade na formação é instrumento de inclusão social e ascensão econômica —não um privilégio. A cobrança de mensalidades acabaria por elitizar o acesso e exigiria a criação de uma custosa estrutura burocrática para decidir quem deve pagar. Além de não solucionar o financiamento, traria o risco de endividamento de alunos, problema grave em países como os Estados Unidos.

Nos últimos 20 anos, as universidades federais protagonizaram um dos maiores processos de inclusão da história do Brasil na adoção de cotas para negros, pardos e indígenas e alunos de escolas públicas. O resultado foi um perfil ainda mais diverso.

Afirmar que a comunidade foge ao debate, que as universidades têm vícios de gestão e que não há dinheiro que baste não se sustenta. O relatório” Education at a Glance 2024″ mostra que o total das despesas por aluno nas universidades públicas brasileiras é 21% inferior à média dos países da OCDE. Estamos longe de um amplo financiamento.

Após críticas, o governo decidiu recompor R$ 400 milhões do orçamento das federais e deixá-las de fora de novos cortes. É um começo. Não dá para fazer educação e ciência com soluços.

Em meio à discussão sobre o funcionalismo, dados do SoU Ciência mostram que, enquanto são quase a metade dos civis vinculados ao governo federal, os salários dos servidores das universidades representam apenas 17% do total da folha de pagamentos.

A ABC e a SPBC continuam abertas ao debate, com diversas propostas ao ensino superior apresentadas nos últimos anos. Investir em universidades não é luxo nem capricho corporativo: é a defesa de instituições fundamentais ao avanço econômico, social e sustentável do país.

Folha de S. Paulo