Em audiência realizada pela Comissão Mista de Orçamento nessa quinta-feira (31/10), representantes de entidades e instituições científicas do País criticaram a proposta de orçamento do governo para concessão de bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Os valores propostos para todo o setor estão abaixo do que havia sido aprovado na Lei Orçamentária Anual de 2019, um dos anos mais difíceis para a CT&I brasileira nas últimas décadas.
Foram convidados para o debate o presidente da Capes, Anderson Ribeiro Correia; o presidente do CNPq, João Luiz Filgueiras de Azevedo; o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira; a presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Flávia Calé; e o diretor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, André Biancareli.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que solicitou a audiência, destacou que Capes e CNPq são as principais financiadoras de pesquisas do Brasil e as mudanças anunciadas nos critérios para a concessão das bolsas acarretarão a um conjunto de entidades, instituições e seus pesquisadores prejuízos no desenvolvimento da pesquisa, da ciência e tecnologia. “Espero que essa audiência pública sirva como informação para a sociedade brasileira e sirva como instrução para melhor encaminhamento por parte da CMO. Que nós possamos oferecer boas alternativas nesta fase final de tramitação da Lei Orçamentária de 2020. Essa audiência pode ser instrumental para o parlamento brasileiro ofereça melhores condições para a pesquisa no Brasil”, declarou.
O deputado Bohn Gass defendeu que a CMO está focada para ter a integralidade dos recursos desse ano para o CNPq e a Capes “Não queremos encerrar o ano de 2019 sem a confirmação completa do valor dos recursos para pesquisas”. Ele também alertou para medidas de desvinculação para educação e ciência que vêm sendo sugeridas pelo governo para o ano próximo.
Anderson Correia, presidente da Capes, fez uma apresentação bastante otimista sobre as perspectivas orçamentárias da agência que representa. Para 2020, a PLOA apresentada ao Congresso prevê R$ 2,48 bilhões para a Capes, bem abaixo do orçamento de 2019. Segundo Correia, o orçamento aprovado para 2019, de cerca de R$ 4,25 bi, teve R$ 819 mi contingenciados, mas R$ 270 mi foram liberados, deixando um saldo de R$ 559 milhões bloqueados. Com isto, o orçamento total empenhado este ano fica em torno R$ 3.7 bilhões. “Mas ainda há possibilidade de descontingenciamento e a Capes conta com isso”, disse.
Correia disse que após negociações com Ministério da Economia, Casa Civil e Congresso, houve uma proposta de mais R$600 milhões para o orçamento do próximo ano. Além disso, contou ele, emendas parlamentares aprovadas na Comissão de Educação somam outros R$ 600 milhões, levando o total geral do orçamento o órgão a R$ 3,68 bilhões, calcula. “Este é o orçamento ainda em negociação. A CMO precisa ficar atenta a essa informação, para que a gente consiga integralizar 100% da emenda parlamentar. Se essas emendas não forem completamente oficializadas para Capes, aí a gente vai ter um trabalho importante a ser feito. Enquanto a gente não fecha esses valores, a gente manteve a mesma linha de liberação de bolsas: programas 7, 6,5 e 4 com tendência a crescimento”, disse.
João Luiz Filgueiras de Azevedo, presidente do CNPq, confirmou que as verbas que foram liberadas por meio de portaria de 30 de outubro fecham “integralmente” o problema de bolsas do CNPq para este ano de 2019. “Mas isso tem uma consequência, que é que os R$ 82 milhões que estavam destinados a fomento foram transformados em bolsas e, portanto, esse fomento vai deixar de ser feito”, ressaltou.
A PLOA 2020 prevê um orçamento de cerca de R$ 1 bilhão para o órgão. “A parcela para bolsas está muito próxima do que a gente precisaria para o próximo ano, mas não está lá ainda. Se este valor previsto for mantido, não haverá espaço para o aumento das bolsas”, advertiu o presidente do CNPq.
Mas o grande problema da agência está na questão do fomento, cujos recursos estão muito abaixo do que o CNPq teria necessidade, conforme apontou Azevedo. O orçamento previsto para esta rubrica em 2020 é de apenas R$ 16,58 milhões, uma queda de 87% do valor aprovado para fomento na LOA 2019 (R$ 127 milhões).
Além do fomento, os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) também preocupam. “Esses recursos estão em grande parte na reserva de contingência. O que a Finep, que é a administradora do Fundo, consegue liberar é muito pouco. Neste ano, por exemplo, não recebemos nada da parcela de fomento que viria do FNDCT para o CNPq”, disse. Essa verba serviria para financiar o Edital Universal e os INCTs. Azevedo também mencionou que existem duas emendas parlamentares para complementarem o orçamento da agência, mas como elas ainda estão em tramitação na Casa, “não é nada garantido ainda”, afirmou.
Flávia Calé, da ANPG, retomou a questão do valor das bolsas, que desde 2013 não têm reajuste e trouxe novamente a reivindicação dos pós-graduandos para que o governo, além de garantir o pagamento ao longo do próximo ano, também reveja o valor dado ao trabalho dos que desenvolvem a pesquisa no Brasil. “As bolsas são a remuneração por um trabalho; 90% da pesquisa brasileira é feita na pós-graduação. A bolsa de estudo deve ser valorizada. É um investimento público para o desenvolvimento, precisamos de infraestrutura e precisamos de mentes para retomar o crescimento”, ressaltou Calé.
A presidente da ANPG chamou a atenção para o quanto o discurso da escassez impacta no sistema de pós-graduação, especialmente na redução do número de bolsistas no País. “O professor Anderson falou sobre a manutenção de bolsas ativas. Mas muitos pós-graduandos que já estavam selecionados com direito a bolsas em seus programas não tiveram acesso a elas porque foram retiradas do sistema. São cerca de 7 mil bolsas do CNPq e 8 mil bolsas da Capes a menos. Essa diminuição do nosso sistema de pós-graduação é nociva para o desenvolvimento do País”, apontou.
Calé também criticou o estrangulamento do orçamento dos programas com notas 3 e 4. “Eles cumprem um papel de qualificação do sistema público, do sistema educacional, de ciência e tecnologia e do sistema de saúde, especialmente no interior do País”, defendeu.
O presidente da SBPC, Ildeu Moreira, argumentou que a questão das bolsas é importante, mas é uma entre outras questões importantes do Sistema Nacional de C&T que precisam de muita atenção nesse momento. E o orçamento previsto para 2020 impacta fortemente a pesquisa científica e tecnológica do País em muitos aspectos. “O orçamento para o ano que vem não pode ficar neste patamar muito baixo que ele já atingiu. O MCTIC teve uma queda muito acentuada nos últimos anos. O orçamento para investimento em 2020 está da ordem de R$ 3,5 bilhões, isso é 1/3 do que era nove anos atrás e bem menos do que era em 2017. Precisamos mudar esse quadro. Isso impacta nas bolsas, impacta na pesquisa, na inovação e no desenvolvimento C&T. A queda no investimento está muito abrupta, já passou da hora de reverter isso”, disse.
Moreira destacou o caso do FNDCT, que teve 90% dos recursos retidos na reserva de contingência na PLOA 2020, o que contraria o que determina a lei, que diz que os recursos provenientes dos fundos setoriais que saem de setores econômicos são para a Pesquisa & Desenvolvimento. “Para o ano que vem, cerca de R$ 4,2 bilhões foram colocados na reserva de contingência, restando apenas R$600 milhões. O FNDCT está sendo desviado de função quando poderia ser utilizado para cobrir todo esse déficit que estamos discutindo aqui”.
A reivindicação da comunidade científica é que para 2020 os orçamentos do MCTIC, do CNPq e de custeio e financiamento das universidades federais sejam pelo menos o mesmo do de 2017. E que o da Capes e da Embrapa – cujos orçamentos previstos estão reduzidos à metade em relação ao deste ano – mantenham o patamar de 2019, no mínimo. “Isso deve ser garantido na lei orçamentária. As emendas parlamentares são importantes, e estamos lutando para a aprovação delas, mas por si mesmas não resolvem o problema do orçamento. Emendas são remendos, embora relevantes, e não podemos contar antecipadamente com elas quando não são impositivas”, ressalta Moreira.
André Biancareli, da Unicamp, corroborou os alertas feitos na audiência atestando que no Brasil a ciência e tecnologia não é prioridade de financiamento, situação que se tornou crítica em 2019. “Temos uma tendência muito negativa de vinculação ao ciclo econômico. Mas a crise atual, embora seja prosseguimento de outros anos, atinge outro patamar. Somado ao contingenciamento nas universidades federais, vemos questionamentos de qualidade, hostilidade ao conhecimento e à universidade, a incerteza sobre o pagamento de bolsas e as liberações seletivas de recursos”, elenca.
Segundo ele, os anúncios de liberação de verbas devem ser vistos com ceticismo e é preciso também atenção ao que pode acontecer em 2020 com a ciência brasileira. “Do total noticiado em emendas, o que de fato se pode contar? E independente das emendas, existem problemas graves, como o bloqueio nos programas 3 e 4 e seus impactos, a sugestão de um teto de bolsas de acordo com notas, além da ideia de fusão da Capes com o CNPq”, advertiu.
Daniela Klebis– Jornal da Ciência