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A centralização dos programas de pós-graduação em determinadas regiões, a discrepância da diferença entre homens e mulheres que se formam em determinadas áreas do conhecimento e a forma de distribuição de bolsas em cada região são algumas assimetrias que o Sistema Nacional de Pós-Graduação precisa resolver. Pensando nisso, especialistas se debruçaram sobre problemas e soluções para o próximo Plano Nacional do setor, que deve direcionar as políticas públicas a serem desenhadas de 2025 a 2029.
O debate, intitulado “Pós-Graduação: O PNPG e avaliação aprofundam ou corrigem assimetrias regionais?” foi realizado na última quinta-feira (20/02), como parte da programação da Reunião Regional da SBPC no Espírito Santo, que segue com atividades até esta sexta-feira (21/02) na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Vitória.
A mesa-redonda foi coordenada pela vice-presidente da SBPC e professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Francilene Garcia, e contou com as participações de Charles Morphy Dias dos Santos, do Fórum Nacional de Pró-reitores de Pesquisa e Pós-graduação (FOPROP); Lucymara Fassarela Agnez Lima, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Luiz Antônio Pessan, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Wagner dos Santos, da Ufes.
Abrindo as falas, a vice-presidente da SBPC destacou que assimetrias são questões enraizadas em muitos aspectos da pós-graduação. “Assimetria é um problema estrutural que permanece, seja na distribuição de cursos pelas regiões do País, na destinação de recursos, na necessidade de se entender a mobilidade de estudantes e o acesso às universidades e, também, na relação internacional entre instituições.”
Professora da UFRN, Lucymara Fassarela Agnez Lima é também coordenadora da área de Biotecnologia na Capes, e aproveitou o espaço para trazer um panorama desta área do conhecimento. Segundo a especialista, a diferença entre a formação de homens e mulheres é enorme, com mais vagas preenchidas por homens. “Além das questões de formação, as empresas de biotecnologia no Brasil são centralizadas no Sudeste e Sul, o que mostra um desnível regional. Esta é uma área que cresceu com qualidade no País, se pensarmos no desenvolvimento de programas de pós-graduação ao longo dos anos, mas ainda restam assimetrias a serem superadas”
Considerando as questões estruturais existentes, o professor da Ufes, Wagner dos Santos, propôs algumas soluções. A primeira é a criação de uma política de interiorização da pós-graduação, olhando para o mapa do Brasil e priorizando a criação de programas de pós em regiões mais carentes de formação. “Isso já vem acontecendo, mas muito atrelado ao aumento de cursos em EAD [Educação a Distância], o que é um pouco preocupante”, pontuou
Outro ponto apresentado por Santos foi o estímulo à construção de mais programas em rede. “São programas de pós-graduação feitos em associação com instituições diferentes. Isso favorece a não-abertura de programas de pós similares e também estimula colaborações entre cientistas. A questão é que, em muitos casos, as instituições que têm programas coletivos enfrentam problemas burocráticos. Por exemplo, muitos editais de fomento consideram apenas a sede de um programa de pós-graduação na hora de destinar recursos e não todos os institutos envolvidos, o que faz com que algumas entidades não recebam repasses.”
O especialista também destacou o olhar a recursos que garantam a permanência do universitário na pós-graduação. “Só a bolsa não é o suficiente, são necessários mais debates no desenho das políticas de assistência estudantil, principalmente para a pós-graduação, como acesso à moradia, transporte. A gente precisa ter um aumento de orçamento para ampliarmos os recursos e também um entendimento em relação a isso ser uma necessidade também dos estudantes de pós-graduação, para eles terem acesso a esses benefícios. Hoje, acabamos priorizando a graduação.”
Para Charles Morphy Dias dos Santos, do FOPROP, outro caminho na redução de assimetrias é o estímulo da difusão da Ciência entre pessoas. “Não dá para a gente considerar que a Ciência é feita somente dentro de muros, porque senão nós corremos cada vez mais riscos, principalmente quando vêm ondas de negacionismo. Quanto mais encastelados ficamos, mais difícil a defesa da Ciência pela sociedade.”
O especialista também criticou uma visão que vem aparecendo nos debates sobre reestruturação da pós-graduação. Essa visão, espelhada em países como os Estados Unidos, defende que o Brasil deve reduzir os seus programas de mestrado e estimular a formação direta para o doutorado.
“Nós discutimos muito hoje sobre os mestrados não serem tão importantes, que os recursos precisam ser colocados mais nos doutorados. Eu ouço muito isso de colegas do Sudeste e do Sul. Isso mostra um desconhecimento generalizado do Sistema Nacional de Pós-Graduação, porque existem regiões em que o número de pessoas aptas a fazer o mestrado é alto, mas para o doutorado não, além de existirem instituições em que o mestrado faz uma diferença brutal, tanto na pesquisa quanto no ensino.”
Encerrando as falas, o diretor de programas e bolsas da Capes, Luiz Antônio Pessan, apresentou dados sobre o Sistema Nacional de Pós-Graduação, com base em relatório de 2023. Segundo o especialista, o Brasil possui 420 instituições, 4.659 programas de pós-graduação e somente a Capes disponibiliza mais de 104 mil bolsas. “Mas já sabemos que esses números precisam ser atualizados, há mais programas hoje.”
O especialista abordou o próximo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), que está em desenvolvimento pela Capes e que deve ancorar as políticas entre 2025-2029. “As assimetrias estão como focos do próximo PNPG. Sejam assimetrias regionais, as questões de equidade de gênero, o incentivo à diversidade e o fomento das relações entre a academia e a sociedade”, afirmou. O documento deve ser divulgado pela Capes nas próximas semanas.
A mesa-redonda “Pós-Graduação: O PNPG e avaliação aprofundam ou corrigem assimetrias regionais?” está disponível na íntegra no canal da SBPC no YouTube.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência