Especialistas defenderam nesta quarta-feira, 25 de outubro, que a Reforma do Ensino Médio desperdiça talentos e não prepara os jovens para a vida, mas, sim, visa apenas o ingresso em universidades. Esta foi a conclusão dos professores Antônio Ibañez Ruiz, Universidade de Brasília (UnB) e Adilson César de Araújo, do Instituto Federal de Brasília (IFB), na mesa redonda “Ensino Médio”, realizada ontem no campus Planaltina da UnB, como parte da programação da Reunião Regional da SBPC no Distrito Federal, que acontece esta semana integrada à Semana Universitária da UnB.
Para os dois professores, a flexibilização do percurso formativo e a redução da carga horária, de 2400 para 1800 horas ao ano, tornam a medida sancionada em fevereiro por Michel Temer uma “contra-Reforma”. “A ‘contra-Reforma’ do ensino médio traz a flexibilização dos percursos formativos. Ou seja, as 13 disciplinas, muitas das quais foram votadas pelos parlamentares, agora se tornam um problema. Isso vai na contramão do que a Royal Society começou a propor (no Reino Unido), por reconhecer que aquele modelo de reduzir o número de disciplinas, e escolher prematuramente uma área de estudo, é um grande erro”, argumenta Ibañez.
Recentemente, o presidente da Royal Society no Reino Unido criticou o modelo de avaliação para ingresso nas universidades, afirmando que é necessária uma avaliação mais abrangente, mais equilibrada para os diversos tipos de conhecimentos, com a inclusão de mais disciplinas, como artes e humanidades, “porque não sabemos que tipos de conhecimentos nossos jovens vão necessitar no futuro”, acrescenta o professor da UnB. O contrário do caminho da Reforma do Ensino Médio no Brasil, disse ele. “No lugar de promover a interdisciplinaridade, atrapalha”.
“A Reforma é uma contra-Reforma porque foi feita baseada em modelos anteriores que não deram certo”, corrobora Adilson César de Araújo. Segundo ele, a reforma do Ensino Médio é um grande equívoco porque corta a possibilidade de formação geral ao cortar carga horária. A flexibilização, afirma ele, é outro grande engano, especialmente porque muitas cidades pequenas do País possuem apenas uma escola. “Elas não serão capazes de oferecer diferentes percursos formativos; é a uberização do saber”, define.
No topo disso, Araújo acrescenta que a possibilidade aberta de formar parcerias com o setor privado, inclusive por meio de ensino a distância (EAD), reforça as desigualdades. “Esse modelo do Brasil é inspirado no modelo dos Estados Unidos e Reino Unido, que é um modelo que não deu certo e que está sendo revisto nesses países”.
Citando Lilian do Valle, no livro “A escola imaginária”, o professor do IFB afirma que a principal crise que abate a escola é a falta de sentido. “A discussão da Reforma do Ensino Médio focou muito na discussão da reforma curricular. O sentido da escola ficou em segundo plano. Ela é fruto de uma narrativa centrada na lógica da catástrofe: gestores públicos proclamando o caos educacional para justificar uma reforma vinda de cima para baixo”, observa. Segundo ele, a forma como foi sancionada, a partir de uma Medida Provisória, é a negação dos sujeitos que fazem a educação. “A narrativa da catástrofe, de que o Ensino Médio estava um caos, justificou tudo”, reitera.
Os dois concordam que o tipo de avaliação de qualidade do Ensino Médio é um elemento pernicioso neste processo. “A avaliação, que tem como objetivo conhecer a preparação dos jovens que concluem o ensino médio, fixa-se em resultados de testes massivos, que mostram apenas se o jovem está apto ou não para ingressar na universidade”, critica Ibañez. “Os testes não indicam se eles estão preparados para a vida e de que forma podem desenvolver seu potencial”, diz ele, ressaltando que uma grande parcela dos jovens nem sequer concluem o Ensino Médio no Brasil. “Com essa avaliação, estamos jogando fora muitos talentos”.
Ibañez, que já foi secretário de educação do Distrito Federal, defende que o Ensino Médio é a etapa final da educação básica, e, por isso, deveria ser um modelo que prepare o jovem para viver a vida aproveitando seu potencial. “Há muitas modalidades de ensino, mas quando o governo fala de Reforma do Ensino Médio, ele fala somente daquele que leva à universidade. O jovem tem que ter a oportunidade de conhecer todas as oportunidades que a vida lhe oferece e poder desenvolver todo o seu potencial. Se não for assim, estamos desperdiçando muitos talentos”, concluiu.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência