Líderes do governo no Congresso discutiam há menos de um mês uma proposta que chegaria a 6 milhões de famílias a mais do que aquelas atendidas pelo programa criado na era Lula (PT). Hoje, são pouco mais de 14 milhões.
O número havia sido anunciado pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento de 2021 e das propostas do Pacto Federativo e Emergencial (criadas pelo governo para cortar despesas).
“Estamos trabalhando para garantir renda para mais de 20 milhões de famílias”, ele escreveu em 23 de setembro em uma rede social.
Segundo relatos ouvidos pela reportagem nos últimos dias, o programa pode ter aproximadamente metade da expansão anunciada. Com isso, deverá atender 3 milhões de famílias a mais em relação a hoje.
Esse número considera uma média pouco superior a três pessoas por família. Isso levaria o público novo a quase 10 milhões de indivíduos.
O número está em linha com os citados pelo senador mais recentemente, que falou em atender de 8 milhões a 10 milhões de vulneráveis identificados durante a pandemia.
Mesmo assim, governo e Congresso veem pouco espaço para um programa social mais robusto em 2021. A trava é o teto de gastos, norma constitucional que impede o crescimento real de despesas.
As discussões têm como objetivo elevar o valor médio dos atuais R$ 190 do Bolsa Família para R$ 240. Considerando a expansão de 3 milhões de recebedores, seriam necessários R$ 49,5 bilhões ao ano, ou R$ 17,5 bilhões acima do orçamento atual do programa.
Pressiona as contas o desejo de lideranças políticas de fazer as famílias chefiadas por mães solteiras receberem o valor em dobro. Essa regra já existe no auxílio emergencial.
Para que todo o programa caiba no teto de gastos, alguns cortes são analisados. Porém, o cenário é desafiador porque o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) barrou o congelamento do reajuste de aposentados e a reformulação de outros programas sociais.
A proposta de limitar precatórios também foi deixada de lado após reação ruim do mercado. Com o veto nas aposentadorias, a economia a ser gerada pela PEC (proposta de emenda à Constituição) do Pacto Federativo ficou comprometida.
Há um mês, o Ministério da Economia via como possível cortar pouco mais de R$ 30 bilhões em despesas. Sem respaldo do chefe do Executivo, a tarefa ficou mais difícil.
Uma das principais saídas é o corte de 25% de jornada e salário de servidores. A medida geraria economia de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões, conforme estimativas mais recentes.
“Se quiserem fazer o Renda Brasil [nome vetado por Bolsonaro] hoje com o teto de gastos e sem reforma tributária [com um novo imposto], ele será um pouco menos robusto”, disse Paulo Guedes (Economia) em audiência no Congresso no mês passado.
“Agora, se você faz a reforma tributária, tem mais recurso. Se você realmente faz o Pacto Federativo e devolve os orçamentos para a classe política, já pode trabalhar um Renda Brasil um pouco mais robusto.”
Diferentes envolvidos mencionam um cenário de indefinição sobre a proposta, agravado pelo momento de atenções voltadas às eleições e pelo veto de Bolsonaro a se falar no programa social.
Em meio a incertezas, ele deve ser incluído na PEC Emergencial de maneira genérica e sem um prazo para sair do papel.
“A definição do valor só acontecerá na votação do Orçamento e dependerá da operação de descarimbar o dinheiro [via PECs]”, disse o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
O texto deve prever que “a União vai criar” um programa social que atenda, por exemplo, gestantes, a primeira infância, estudantes, e que tenha medidas voltadas à inserção no mercado de trabalho.
Todo o detalhamento deve ser discutido posteriormente, em projetos de lei.
A inserção genérica atende também a uma preocupação da equipe econômica, de evitar mais despesas fixas. A proposta do Pacto Federativo tentava justamente desobrigar gastos quando foi elaborada.
Empresários querem usar privatização e reforma administrativa
São Paulo”Um grupo de executivos entregou ao governo e a parlamentares o texto de um projeto de lei que destina 30% dos recursos provenientes da reforma administrativa e de privatizações para um programa de renda básica.
A iniciativa do grupo Manifesto Convergência Brasil tem, entre os apoiadores, Elvaristo do Amaral, ex-executivo do setor financeiro, Frederico e Luiza Trajano, do Magazine Luiza, Fabio C. Barbosa, membro do Conselho da Fundação das Nações Unidas, Helena Nader, presidente de honra da SBPC, Hélio Magalhães, presidente do Conselho de Administração do Banco do Brasil e Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu.
Segundo o texto, que poderia ser aprovado no Congresso por maioria simples, os 30% da redução de despesas federais oriunda da reforma administrativa será destinado diretamente ao substituto do Bolsa Família. O aumento da despesa social se daria com redução de outros dispêndios, sem afetar o teto de gastos.
Os 30% da arrecadação com a privatização de estatais federais iriam para um fundo, coordenado por representantes da sociedade civil e do governo; 10% do patrimônio líquido do fundo, junto com os seus rendimentos, seriam transferidos ao programa.
A nova lei retiraria parte de um recurso que hoje deve ser utilizado 100% no abatimento da dívida pública para criar uma nova despesa, que precisará encontrar espaço no teto.
A estimativa é que seja possível levantar R$ 240 bilhões em dez anos para o programa, considerando as estimativas do próprio governo de economia com a reforma administrativa e de diversos economistas em relação à expectativa com as privatizações.
Isso permitiria praticamente dobrar o orçamento atual do Bolsa Família, considerando também a rentabilidade do fundo de privatizações.
O projeto já foi apresentado a cerca de 70 congressistas e representantes do governo. Ele deve ser entregue em breve ao ministro Onyx Lorenzoni (Cidadania), que já foi a reunião virtual de apresentação da iniciativa. Eduardo Cucolo