Os representantes das principais agências de fomento à ciência do País apresentaram na tarde destra quarta-feira, 16 de maio, na Reunião Regional da SBPC em Rio Verde (GO), os desafios que enfrentam no cenário atual de crise e cortes orçamentários e suas perspectivas para o futuro. Participaram da mesa-redonda o diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq, Marcelo Morales, o coordenador Geral de Acompanhamento e Avaliação do Mestrado Profissional da Capes, Sérgio Oswaldo de Carvalho Avellar, e o diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Finep, Fernando de Nielander Ribeiro.
“Temos um longo caminho a seguir, mas sem dinheiro, não podemos fazer nada”, disse Morales. O diretor do CNPq lamentou o retrocesso provocado pelos cortes no orçamento para área de CT&I e pela falta de visão estratégica do governo para contornar a crise no País. “É só através do conhecimento que vamos conseguir superar a pobreza no Brasil. Ciência, tecnologia e inovação são eixos estruturantes do desenvolvimento social. Sem ciência, nunca sairemos do patamar de país subdesenvolvido – estávamos caminhando para ser um país em desenvolvimento, mas agora estamos voltando para trás”, lamentou.
Morales defendeu a qualidade da ciência produzida no País – em grande parte com apoio do CNPq no fomento à pesquisa -, que em 20 anos elevou o Brasil de 24º para 13º entre os países que mais produzem pesquisas no mundo, e responsável por 2% das publicações científicas globais – 52% do total da América Latina. “O nosso PIB hoje corresponde a 1,9% do PIB mundial. Grande parte disso é graças ao empenho de mais de 80 mil pesquisadores brasileiros cujos trabalhos impactaram no desenvolvimento do País”, ressalta.
O País tem exemplos importantes de como a ciência impulsionou o desenvolvimento e a economia, transformando conhecimento em riqueza: pesquisas da UFRJ em águas profundas levaram o Brasil à liderança na produção de óleo e gás – “foi a ciência brasileira que descobriu o pré-sal”; as pesquisas do ITA junto à Embraer, hoje um dos maiores produtores de aeronaves no mundo; as pesquisas de universidades e centros de pesquisa como IAC, Esalq, UFLA, UFBA em parceria com a Embrapa, levando o País a se tornar um dos maiores produtores de soja.
“Vivemos um momento em que parecia que o Brasil ia decolar, porém hoje esses avanços estão seriamente ameaçados”, disse. Desde 2016, o orçamento do CNPq está em queda e o rombo só não foi mais dramático por conta da ação intensa de entidades científicas, em especial a SBPC, como destaca Morales, junto aos ministros e deputados para colocar mais recursos no Conselho – o suficiente para pagar as dívidas. “Mas não podemos depender das benesses dos ministros sempre. Precisamos de políticas orçamentárias sólidas”, disse.
Segundo observou Morales, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), um fundo criado com o objetivo de dar apoio financeiro aos programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico do País, acaba quase completamente contingenciado – “dos R$ 4,5 bilhões oriundos das empresas, recebemos hoje menos de R$180 milhões”, lamenta.
O CNPq tem muitos desafios pela frente, como ressalta o pesquisador: é preciso aumentar o número de bolsas, e não tem verbas suficientes para isso. “Apenas de 15% dos pedidos de bolsas são concedidos. Isso é grave”, alerta Morales. Além disso, ainda faltam R$ 85 milhões para serem pagos aos cinco mil projetos contemplados pelo Edital Universal de 2016, o que impede também o lançamento do Edital de 2018.
Morales aponta que CNPq, para funcionar, precisa de, no mínimo, R$1,8 bilhões ao ano. “O Congresso havia aprovado metade disso para 2018. Após muita briga, na qual tivemos apoio grande da SBPC, conseguimos subir para R$1,4 bi”, contou. Ele foi enfático sobre as consequências graves, da falta de investimentos em CT& no País: “O desenvolvimento do País não será sustentável sem ciência. Continuaremos tropeçando de crise em crise”.
Escolhas políticas
A crise, no entanto, não é apenas de recursos, conforme observou o diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Finep: é uma crise grave nas políticas de CT&I. “Escolhas políticas tiveram efeitos muito negativos. O FNDCT é um exemplo de que não se trata de um problema de recursos, pois existem meios de financiar a ciência e tecnologia no Brasil em um patamar condizente com sua grandeza. O que faltam são políticas capazes de aprimorar isso”, afirmou Ribeiro.
Ele destaca a falta visão estratégica de longo prazo da política brasileira. O País carece de recursos em montantes adequados e estáveis para desenvolver plenamente a área de CT&I. “É preciso que haja constância nas políticas, com metas para períodos definidos”.
Sobre a Finep, Ribeiro destaca que nesses 50 anos desde sua criação, a Financiadora contribuiu para levar pesquisas importantes ao alcance da agenda de desenvolvimento social e da população. Ele destaca os impactos para a população de pesquisas sobre o tratamento para HIV e sobre o zika, o aumento da produtividade na agricultura, entre outros. “O problema, no entanto, é que nós fizemos bem, mas outros países fizeram melhor ainda. Outros países, como China e Coreia do Sul, investiram muito mais. Devemos estar atentos a isso: ao volume intensidade das políticas públicas para desenvolvermos essas atividades”, disse.
Ribeiro argumenta que para que o País consiga o almejado bem estar social, produtividade, empregos de melhor qualidade, empresas inovadoras e exportações de maior valor agregado, será preciso, fundamentalmente, investir em ciência. “A competência para induzir esse processo nós temos. Precisamos criar mais demanda por conhecimento e assegurar a manutenção do apoio à pesquisa. Precisamos elevar a competitividade das empresas, incentivando a inovação. Esses são alguns dos desafios da Finep”, concluiu.
O coordenador geral de Acompanhamento e Avaliação do Mestrado Profissional da Capes, Sérgio Oswaldo de Carvalho Avellar, acrescenta que é necessário que haja uma concentração de esforços para garantir o investimento necessário na área. “A comunidade científica precisa se mobilizar para pressionar as autoridades. Esse sistema só sobrevive se tiver financiamento público. Não tem solução criativa para isso”, opina.
Ele citou o esforço enorme para manter o Portal de Periódicos da Capes, que corre o risco de ser descontinuado. Disse ainda que a Capes também não tem número suficiente de bolsas de pós-doutorado para atender à demanda de pesquisadores. “O sistema vem crescendo muito e, para isto, precisamos de recursos para alimentar esse sistema e atuar na sociedade, gerando empregos, negócios e desenvolvimento”.
Avellar defende que não existe ciência de ponta sem investimento, e reiterou que esse financiamento deve ser público e parte de uma política de Estado. “Nosso problema é que existe um descolamento das políticas de CT&I da política econômica. E as equipes econômicas praticamente ignoram os investimentos para ciência e tecnologia. Eles não veem isso como investimento; acham que é despesa”, afirma.
Nesse sentido, é muito importante o papel da comunidade científica de se comunicar com a população e conseguir o apoio da sociedade toda. “É preciso mostrar o tamanho do retorno desse investimento para a sociedade, e o tamanho do impacto que a ciência pode ter”, aponta Avellar.
O presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, que coordenou a mesa, alertou a plateia – majoritariamente formada por estudantes de graduação e pós-graduação – para a importância do papel das três agências para o futuro do País e conclamou a participação de todos. “Precisamos nos mobilizar para que garantir os recursos para elas funcionarem. Isso depende de cada um de vocês. A SBPC tem força quando tem estudantes e pesquisadores fazendo pressão juntos”.
Moreira fez o convite para que organizem e participem da próxima Marcha Pela Ciência, que a SBPC planeja realizar no dia 8 de julho – dia em que celebra 70 anos de sua fundação e que é também o dia nacional da ciência. “O que está em causa hoje é o futuro do País. Temos um grande problema no Brasil de retrocessos em todas as áreas. Essa situação das agências de fomento nos preocupa profundamente. Precisamos envolver toda a sociedade nessa luta”, disse.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência