É preciso descolonizar os currículos para ampliar o número de narrativas e olhares para fazer ciência. Essa foi a vertente da mesa-redonda intitulada “Cotas epistêmicas: a descolonização dos currículos”, realizada na quarta-feira, 27 de julho, durante a 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A atividade contou com a participação de José Jorge de Carvalho, professor titular no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), Deivison Nkosi Faustino, professor do Departamento de Saúde Educação e Sociedade e do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Políticas Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Gersem José dos Santos Luciano, professor associado no Departamento de Educação Escolar Indígena da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas, e Miguel Guarani da Silva. A atividade foi coordenada por Florianita C. Braga-Campos, professora da Unifesp.
As mudanças curriculares já realizadas são resultados dos esforços teóricos e epistemológicos dos povos subalternizados/colonizados em mostrar que existe uma produção de conhecimentos historicamente invisibilizados em favor de uma ciência europeia ocidental que se construiu como a única capaz de produzir saberes. Para todos os participantes do debate, a “descolonização do currículo” é necessária para ampliar o olhar do mundo, além de proporcionar uma troca de saberes.
Faustino, docente da Unifesp, observa que a ciência ensinada atualmente é produzida a partir de contextos do Ocidente que prometem uma visão neutra e privilegiada, mas que ignoram as demandas políticas e as desigualdades de raça e gênero construídas na história da humanidade. “É importante entender a dinâmica das relações étnico-raciais no Brasil e descolonizar o conhecimento e o currículo”, comenta.
Para ele, a descolonização epistemológica é uma das condições fundamentais para contribuirmos e avançarmos com a superação desse processo de dominação.
Já Carvalho, da UnB, comenta a descolonização do conhecimento questiona as estruturas que constroem o mito de que a ciência moderna ocidental é a única que tem legitimidade.
Segundo ele, já existe um movimento para articular essa mudança. “Os professores têm feito esse trabalho de dentro para fora da universidade, enquanto os indígenas e os povos tradicionais fazem de fora para dentro. É a combinação dessas duas articulações de descolonização que vamos criar um currículo diversificado, plural, multiétnico, pluricultural e multiespacial”, afirma.
Luciano, que é indígena, explica que revisar o currículo não significa apagar o conhecimento europeu ou substituí-lo. “A ideia é somar conhecimento, contemplando diversos olhares sobre o mundo com outros saberes”, afirma.
“Tenho praticado a descolonização do currículo ao praticar o ‘currículo oculto’, introduzindo novos autores para meus alunos. Nunca tive resistência ou algum comentário negativo. Mesmo porque nunca tirei nada. Só inclui. E vou continuar fazendo isso até que a academia transforme esse currículo em visível”, comenta.
Ao comentar sua experiência, Luciano afirma que tanto ele, quanto outros indígenas, querem é ampliar seus conhecimentos quando entram na universidade. Segundo ele, o indígena quando ingressa no ensino superior, ele absorve o aprendizado da ‘cultura ocidental’, mas é também uma oportunidade para a academia trocar informações e acolher seus conhecimentos. “Quando a ciência acadêmica se abrir para aprender e ensinar, todos sairão ganhando”, argumenta.
Luciano cita ainda que quando entrou na universidade eram poucos indígenas na instituição, mas com o passar dos anos, esses números saltaram a ponto de já ser possível observar mudanças nesse sentido. “Existem universidade que estão adotando línguas indígenas, o que mostra que elas já não são mais (tão fechadas) como antes”, comemora.
Ele também concorda que a descolonização não é uma tarefa que possa ser feita de forma isolada, mas que demanda articulação, o que exige dos professores repensarem os objetivos da educação.
Vivian Costa – Jornal da Ciência