O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu na segunda-feira (24) trechos do Decreto 10.935/2022, que altera a legislação de proteção a cavernas, grutas, lapas e abismos e permite a exploração, inclusive, daquelas com grau máximo de proteção. A decisão considera o “risco de danos irreversíveis às cavidades naturais subterrâneas e suas áreas de influência”.
A liminar foi parcialmente deferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 935, ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade, e será submetida ao Plenário do STF. Com isso, foram retomados os efeitos do artigo 3º do então revogado Decreto 99.556/1990, que confere proteção integral imediata às cavidades classificadas como de relevância máxima.
Foram suspensos dois pontos: a permissão da construção de empreendimentos e atividades em sítios considerados de utilidade pública; e a liberação para a exploração mesmo com proteção máxima dos órgãos ambientais.
Na decisão, o ministro destacou que algumas das alterações, na prática, resultam na possibilidade da exploração das cavidades subterrâneas sem maiores limitações, aumentando substancialmente a vulnerabilidade dessas áreas de interesse ambiental, até o momento intocadas. Para Lewandowski, as condições impostas pela norma para que cavernas classificadas como de máxima relevância sofram impactos irreversíveis são incompatíveis com o princípio da proteção desse patrimônio natural.
Em manifesto divulgado na quinta-feira, 20, a SBPC se posicionou contrária ao decreto e pediu sua revogação imediata. “O Decreto 10.935 fragiliza ainda mais os principais mecanismos de proteção das cavernas e sistemas geomórficos, bem como a biodiversidade associada composta por inúmeras espécies endêmicas e raras, possibilitando impactos irreversíveis em cavidades de grau de relevância máximo, através de autorização pelos órgãos ambientais e cumprimento dos requisitos por parte do empreendedor”, afirma a entidade em documento.
Maria Elina Bichuette, membro do Grupo de Trabalho Meio Ambiente da SBPC, comemora a “vitória parcial” da suspensão de trechos do decreto. “É uma maneira de estarmos mais engajados para levar outros questionamentos”, afirma.
Porém, a pesquisadora pondera e lembra que o decreto é “muito danoso” para as cavidades subterrâneas e que apresenta mais problemas que não foram considerados na decisão do ministro Lewandowiski, e que podem não ser discutidos em plenário.
Entre os pontos estão os atributos que designam uma relevância máxima para uma cavidade, que foram “diminuídos e modificados e que podem ter algum tipo de impacto em cavernas de grande relevância”, segundo Bichuette.
Outro artigo que não foi suspenso trata da construção do ato normativo que determina o grau de relevância de uma cavidade. “Manteve como esteve lá”, afirma a pesquisadora.
Por fim, a pesquisadora levanta outro ponto que não foi considerado na decisão da suspensão, que trata da concessão da licença ambiental. “Já existe licenciamento por órgãos estaduais e municipais e isso se manteve nesse decreto, o que pode gerar uma série de conflitos de interesse”, explica.
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, avalia que o decreto das cavernas é bastante “duvidoso” porque ele coloca em risco um patrimônio pré-histórico da natureza que nos permitiria informações “muito importantes sobre a formação do planeta e certamente da presença humana nas cavernas”.
Janine Ribeiro lembra que muitas descobertas primordiais para a história humana foram encontradas em cavernas como a Gruta Lascaux, na França, e outras que tem vestígios que incluem até mesmo os primeiros desenhos de autoria humana que a gente conhece. “Daí que não se possa tratar de maneira leviana a preservação das cavernas”, reforça.
Leia a íntegra da decisão.
Jornal da Ciência com informações do STF