Quando se trata de presença de mulheres nos estudos de ciência, o Brasil está muito à frente de países como Estados Unidos, Alemanha e Japão. Porém, ao contrário do senso comum que aponta a família como uma dificuldade para que as mulheres sigam carreiras, seja na academia, seja nas empresas, é a cultura machista que bloqueia as mulheres desde cedo, tornando as iniciativas femininas na área uma verdadeira corrida de obstáculos, mais do que a dupla jornada de trabalho. Esse foi o tom das apresentações feitas durante o seminário SBPC e as Mulheres e Meninas na Ciência, realizados nesta segunda-feira (11/2), em São Paulo.
O evento, que contou com o apoio do Programa L’Oréal-Unesco-ABC “Para Mulheres na Ciência”, teve como tema central a celebração do Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, criado em 2015 pela Unesco diante da constatação da baixa presença das mulheres na área. “Apenas 28,3% das mulheres em todo mundo fazem alguma atividade relacionada à ciência”, lembrou a vice-presidente da SBPC, Vanderlan da Silva Bolzani. Com uma plateia marcadamente feminina e jovem, que lotou o auditório do Centro Universitário Maria Antônia da USP, no prédio onde também está a sede da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em São Paulo, o seminário fomentou um debate sobre as dificuldades para as mulheres participarem mais do universo da ciência.
A professora Marcia Cristina Bernardes Barbosa, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IF/UFRGS), levou dados mundiais da Unesco que mostram que a presença das mulheres na ciência é equivalente à dos homens na graduação, aproximadamente 50%, caindo a 43% na pós-graduação, o que se agrava na área de Física. Ao mesmo tempo, outros estudos sobre mercado de trabalho apontam que a presença de mulheres promove a diversidade dentro das empresas, o que resulta em maiores lucros.
Segundo Barbosa, existem alguns mitos sobre a baixa presença de mulheres nas ciências, como falta de ambição, falta de jeito e que a ciência seria lugar de “nerds”, principalmente as exatas. “Eu chamo isso de mordidinha de mosquito: você leva uma, não dá importância, mas vinte por dia, uma atrás da outra, é um sofrimento”. Os estereótipos que mostram cientistas como brancos, velhos, loucos, antiéticos, esquisitos não contribuem para atrair a juventude para a profissão, aponta a pesquisadora. Na televisão, diz ela, a série de maior sucesso abordando ciência não tem diversidade (Big Bang Theory), não tem latinos, não tem negros e apenas duas mulheres no núcleo principal são cientistas. A escola tampouco contribui para que as meninas se vejam como cientistas.
Contra o argumento da falta de ambição, Barbosa apontou outro estudo, com 200 mil pessoas, mostrando que, no começo da carreira, homens e mulheres têm os mesmos anseios. Por volta da metade da trajetória acadêmica, as mulheres vão perdendo o entusiasmo, mas não por causa dos filhos ou do marido. “São os comentários cretinos dos colegas”, diz. “As pessoas estão mais preocupadas com as roupas, as companhias, as atividades pessoais do que com o desempenho intelectual das mulheres”.
Outro obstáculo é o assédio moral e sexual que a professora do IF/UFRGS defendeu que seja abordado com mais ênfase, com a criação de comitês de ética e conduta nas universidades com regras para punição desses tipos de casos. O tema também foi abordado por Adla Martins Teixeira, coordenadora de estudos na área de gênero e sexualidade na educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Continuam as ações misóginas contra meninas, e por conta disso, aos 15 anos as meninas já não se consideram capazes para a atividade científica. O trabalho tem que ser antes da universidade também”, comentou.
A presidente de honra da SBPC, Helena Nader, lembrou que a presença e o destaque da mulher na academia no Brasil, apesar de muito aquém do necessário, é maior que nos países desenvolvidos. “As mulheres são maioria na universidade, na pós-graduação, já estão aumentando nas engenharias. Mas isso não é suficiente; o Brasil precisa de muito mais pessoas fazendo ciência, incluindo mulheres”.
Nader trouxe dados do Fórum Econômico Mundial demonstrando que no Brasil, apesar dos baixos índices de escolaridade, com 80% da população com idade de 25 a34 anos sem ensino superior, as mulheres estão bem posicionadas. A participação delas na educação básica segue a média mundial, atingindo perto de 50%, enquanto em cursos superiores está em 57,2%, tendo aumentado pouco menos de um ponto percentual nos últimos dez anos. As mulheres são maioria no mestrado e no doutorado – a presença delas é maior no Brasil que nos Estados Unidos e na Europa. “No Brasil, apesar de todos os erros, nós mulheres estamos conseguindo fazer mais que nos Estados Unidos e na Europa”.
Os números são reforçados pelo Relatório Gender in the Globoal Research Landscape, da Elsevier, sobre a participação das mulheres na pesquisa científica no Brasil, apresentados pela professora Maria Zaira Turchi, presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Apoio à Pesquisa (Confap). De acordo com este documento, com dados relativos a 2017, a proporção de mulheres que publicam artigos científicos cresceu 11% no Brasil nos últimos 20 anos. As pesquisadoras publicam quase a mesma quantidade que os homens (49%) e a proporção de mulheres inventoras no País subiu de 11% para 17% entre 1996 e 2015. Por outro lado, as publicações de áreas como computação e matemática têm mais do que 75% de homens na autoria dos trabalhos.
As travas colocadas no caminho das mulheres têm impactado mais nas lideranças, na direção de projetos, na política e nas empresas, como demonstraram as palestrantes Helena Nader, Maria Zaira Turchi e Francilene Garcia. Segundo Nader, nas universidades brasileiras, as bolsas de produtividade são concedidas, em sua maioria, aos homens como prioridade. “Enquanto a avaliação é pelo mérito, entrar no vestibular, apresentar projetos de mestrado e doutorado, passar nas seleções, publicar artigos em revistas científicas, as mulheres são igual os homens, com impacto praticamente idênticos”, afirma Nader.
Maria Zaira Turchi apontou a desigualdade de oportunidades e a de representatividade como as maiores barreiras, problema que não atinge somente o Brasil. Citou um artigo que apontava que as agências de fomento americanas, na hora de selecionar projetos, se o foco é na proposta, homens e mulheres são igualados no acesso a apoio aos projetos, mas quando o foco recai no cientista ou no currículo do pesquisador, os homens levam vantagens. No Brasil, disse ela, nos INCT (institutos nacionais de ciência e tecnologia), o número de coordenadores homens (107) é muito superior ao de mulheres (apenas 18). “A grande questão que se coloca é fazer ciência e ser mulher é um desafio ainda real”.
Confira amanhã a segunda parte da cobertura do seminário “SBPC e as mulheres e meninas na Ciência”.
Janes Rocha – Jornal da Ciência