Além de refletir sobre a evolução da importância da mulher na ciência, as dificuldades para as cientistas chegarem aos cargos de liderança, o seminário “SBPC e as Mulheres e Meninas na Ciência”, realizado na última segunda-feira, 11 de fevereiro, em São Paulo, também trouxe para o debate as iniciativas que incentivam meninas a se interessarem e escolherem carreiras em ciências. O evento, realizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com apoio do Programa L’Oréal-Unesco-ABC “Para Mulheres na Ciência”, foi realizado em comemoração ao “Dia de Mulheres e Meninas na Ciência”, estabelecido pela Unesco em 2015.
A falta de referências e modelos que despertem o interesse das meninas pelas ciências foi abordada na palestra de Regina Pekelmann Markus, professora da Universidade de São Paulo (USP) e conselheira da SBPC. Ela relatou o caso da cientista Rita Levi Montalcini (1909-2012), que enfrentou perseguições e falta de recursos até chegar ao resultado de sua pesquisa vencedora do Nobel de Medicina em 1986. Parte da pesquisa de Montalcini foi feita no Brasil, em um laboratório da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fato quase totalmente desconhecido dos brasileiros.
“Com essa história (de Moltalcini) quero dizer que é possível fazer qualquer coisa, desde que queiramos”, disse a professora Markus, chamando a atenção para a importância do reconhecimento das personagens que fizeram a história da ciência no Brasil. “Acho que precisamos ter modelos. Vemos muito o modelo da princesa, mas temos que dar visibilidade também ao modelo da mulher que se destaca nas áreas intelectuais”.
Na mesa de debates da tarde, foram apresentados casos bem sucedidos de superação dos obstáculos, com os das professoras Joana D’Arc Felix, Roseli de Deus Lopes e Tatiana Gabriela Rappoport. Titular do curso técnico em curtimento no Centro Paula Souza (ETEC) de Franca (SP), Joana D’Arc Felix superou a pobreza e a discriminação como mulher e negra para estudar Química, chegando ao pós-doutorado em Harvard. Ao voltar ao Brasil, assumiu a frente de um trabalho bem sucedido de inserção de jovens em situação de vulnerabilidade social na escola, na pesquisa e na universidade. Dos 40 alunos que ela orientou com perfil de risco, oito estão no mercado de trabalho e 32 estão na universidade, dos quais 25 são meninas. “Estes meninos e meninas têm talento, o que falta a eles é oportunidade”, afirmou Felix.
Abrir espaço para novos talentos é também o objetivo da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), na qual meninas têm se destacado. A coordenadora do projeto, a engenheira Roseli de Deus Lopes, que também é diretora da SBPC, relatou casos de avanço dos jovens na área científica em geral e das meninas, em particular. “A maioria dos estudantes tem feito trabalhos de ponta, ganha prêmios nacionais e internacionais que servem de exemplo, uma janela de oportunidade que inspira outros meninos e meninas”. Segundo ela, apesar do desestímulo às meninas nas carreiras de engenharia, onde ainda são minoria, houve avanços em termos de participação e de posicionamento, no sentido de que hoje elas já não admitem mais brincadeiras e comentários negativos, nem da parte dos professores, nem dos colegas.
O projeto Tem Menina no Circuito também busca abrir janelas de oportunidade para meninas em situação de baixa renda, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Tatiana Rappaport, professora de Física da UFRJ e uma das idealizadoras do projeto, explica que a ideia é ajuda-las a superar os principais obstáculos à entrada na Ciência, entre eles, o ambiente de estereótipos na infância e adolescência, na universidade e no trabalho e a falta de modelos. “A ideia principal é utilizar a eletrônica e meios alternativos para motivar as meninas a se interessarem por ciências exatas”, explicou. Os meios alternativos são papel, tecido e massinha de modelar, que tornam o aprendizado de eletrônica lúdico e divertido.
A mudança começa por nós
Presente à plateia, a socióloga e feminista Eva Blay comentou que as mulheres são “deformadas desde cedo” e que é fundamental mostrar às meninas que elas podem fazer tudo o que quiserem. “As meninas precisam de estímulos: ler, assistir coisas, mesmo televisão, internet, tudo pode estimular. Mas quando você pega essas meninas e meninos mantidos num mundo fechado, repetitivo – a escola, a família, a tradição, elas acabam deformadas”, disse.
Para a diretora da SBPC e professora da USP, Lucile Maria Floeter Winter, a resposta para uma maior inserção da mulher na Ciência também está na criação das crianças. “Cheguei à conclusão de que a mudança vai começar por nós, a partir do momento em que criamos filhos homens e mulheres como participantes desse mundo melhor que estamos querendo, e não com aquela criação machista”, disse Winter.
O presidente da SBPC, Ildeu Moreira reforçou a mensagem de que as mulheres devem ser incentivadas a participar, não apenas da Ciência, mas de todos os campos de atividade. “O modelo que vemos hoje em dia nos faz acreditar que a política, que a ciência não são vocações das mulheres, mas devemos brigar para que mulheres, meninas, todo mundo, todos os gêneros, possam fazer o que quiserem, seja na política, seja na ciência, ou em qualquer outra atividade”, disse.
O presidente da SBPC apresentou o selo dos Correios em homenagem à cientista brasileira Johanna Döbereiner, indicada ao Nobel de Química em 1997 por seu trabalho com fixação biológica do nitrogênio, que impulsionou a produção de soja no País e hoje gera uma economia de bilhões aos produtores. A iniciativa foi sugestão da SBPC.
O evento encerrou com o lançamento do prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher”, uma homenagem da SBPC às cientistas e futuras cientistas brasileira de destaque, que leva o nome de sua primeira presidente mulher. A premiação acontecerá bianualmente.
Janes Rocha – Jornal da Ciência