Em um dia de sol e muito frio em São Paulo, centenas de pessoas visitaram neste domingo, 7 de julho, a Feira de Ciência na Avenida Paulista. O evento marcou o aniversário de 71 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e foi acompanhado de uma marcha em protesto pelos cortes no orçamento dos órgãos federais de educação e ciência.
Cerca de 15 tendas foram instaladas na calçada da Av. Paulista, em frente ao Instituto Pasteur, nas quais pesquisadores apresentaram seus trabalhos em campos como Engenharia, Biologia, Medicina e Botânica. Alguns visitantes abordados pela reportagem do Jornal da Ciência revelaram que vieram para um passeio pela Paulista (que fica fechada ao trânsito aos domingos e feriados), pararam na Feira por curiosidade e gostaram do que viram.
O analista de sistemas Lucas Osório, de 26 anos, visitava a exposição de paleoantropologia com a namorada Bruna Seixas, de 25 anos. “Achei muito interessante também a exposição de robótica”, disse Lucas e ambos concordaram que deveria ser repetido. “É importante que a pesquisa saia dos muros da universidade e se mostre para a população”, declarou Bruna.
Na bancada da palinologia (estudo dos grãos de pólen), a confeiteira paraense Ivanilda Uchoa, de 49 anos, observava e fazia perguntas sobre raízes e polens. “Eventos como esses são importantes para que as pessoas deem mais valor ao meio ambiente”, comentou ao JC.
A veterinária Gabriela Soares, de 32 anos, disse que sempre sentiu a necessidade de fazer mais divulgação da pesquisa realizada nas universidades. “Não tem divulgação, por isso as pessoas não conhecem e acreditam em mitos como Terra Plana”.
A tenda do Instituto Botânico era uma das maiores, com doze atendentes entre professores e estudantes, e a que mais recebeu visitantes, principalmente crianças, atraídas por duas caixas de plástico contendo água e réplicas de sapos, cobras e jacarés, além de um amplo mostruário de sementes.
Higor Antonio Domingues, 26 anos, pesquisador do instituto, calculava bem mais de uma centena de pessoas, todas muito curiosas e perguntando sobre o acervo. “As pessoas perguntam muito sobre a aplicação de fungos, os pólens, a origem do mel, e o motivo da morte das abelhas”, comentou Domingues, enquanto observava um casal curioso com um cogumelo de cerca de 15 cm de diâmetro sobre a mesa.
Alguns pesquisadores estavam estreando na divulgação de seu trabalho. Era o caso de Katia Viegas, pesquisadora no Departamento de Anatomia no Instituto de Ciências Biomédicas da USP e do Museu de Anatomia Humana. Sua equipe levou para a Paulista um esqueleto humano e um boneco com as vísceras de plástico expostas. “Percebemos que as pessoas têm bastante curiosidade em relação ao corpo humano e abriu nossos olhos para a necessidade de mostrar mais o que temos”, comentou. Para Viegas, a Feira foi uma oportunidade “espetacular” de divulgação do Museu e, como a procura foi grande, a ideia é repetir o evento com mais frequência, em outros pontos da cidade.
Renzo Abensur e Vitor Yamada também estreavam na Feira, com uma das exposições que mais chamavam a atenção de adultos e crianças. Estudantes da Engenharia Elétrica da Escola Politécnica da USP, eles apresentaram robôs em miniatura, que lutavam sumô. Por trás da diversão, a mensagem, segundo Renzo, era “mostrar o papel dos circuitos elétricos, que estão presentes em quase todas as máquinas que as pessoas convivem, da geladeira, ao computador“.
Outros já tinham tido experiências de levar a ciência ao público. Era o caso da pesquisadora Karla Souza, do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBQM/UFRJ). Ela não parava de atender visitantes interessadas nas maquetes montadas em sua tenda sobre sustentabilidade e meio ambiente. Logo de manhã, ela começou a distribuir 60 mudas de calêndulas, orégano, lavanda, tomilho, hortelã, girassol e prímula, que logo acabaram. “As pessoas estão preocupadas com o meio ambiente, com a questão das abelhas, paravam aqui, queriam falar, queriam saber mais”, contou Karla ao JC. “Precisamos instrumentalizar a sociedade para a preservação (do meio ambiente) com os conhecimentos gerados nas universidades”, completou.
Quando questionada sobre qual a importância para a comunidade da pesquisa que desenvolve no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO/USP), a pesquisadora Maria Luiza Flaquer da Rocha dava como exemplo um projeto de levantamento da fauna de toda a Bacia de Santos, que está sendo feito para a Petrobras. O trabalho é feito com base em uma coleção de amostras biológicas iniciada na década de 1950 que possibilita estudos de longo prazo sobre o comportamento de peixes e outros organismos diante das mudanças climáticas.
“Os dados históricos permitem um elaborar modelos com o retrato do que tem lá (no mar), identifica populações que estão em perigo e que podem ser afetadas com a exploração de petróleo do pré-sal, por exemplo”, contou. “A sardinha é uma dessas populações, que já está colapsada, se você coloca barulho, óleo, pode acabar comprometendo o estoque, prejudicando a pesca na região”.
O biólogo Rogerio Correa de Souza comandava uma das mais concorridas apresentações, a de paleoantropologia, disciplina que estuda os fósseis de hominídeos e seu legado. Em meio a réplicas de bustos e esqueletos de australopitecos e cartazes explicando a trajetória dos hominídeos pelo planeta, Correa disse que a apresentação não é nova. “Sou professor da rede ensino estadual, desenvolvemos a exposição há dois anos e sempre é um sucesso, atrai muita gente”. Pelas suas contas já haviam passado pelo menos 200 pessoas pela exposição intitulada “Origens”.
Além da SBPC, a Feira e a passeata foram organizadas pela Associação Nacional de Pós-Graduação (ANPG); o movimento Cientistas Engajados; a Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp); a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APQC); o Instituto Questão da Ciência; e entidades que representam os docentes das principais universidades públicas do estado (Adusp, Adunesp e Adunicamp). Pesquisadores da USP, da Unifesp, do Instituto Butantan e dos Institutos Agronômico e Biológico, entre outras, colaboraram com as exposições de seus estudos nas tendas.
Para Marimélia Porcionatto, secretária regional da SBPC em São Paulo, a Feira da Ciência foi tão positivo que já há planos de realizar estas atividades com maior frequência e com regularidade. “Cientistas, professores e estudantes puderam interagir com crianças, adolescentes e adultos de todas as idades. Além do protesto contra os cortes nos orçamentos da ciência e tecnologia (MCTIC) e da educação (MEC), a população que circulava pela avenida teve uma amostra do que é feito nas universidades e institutos de pesquisa paulistas”, afirmou Porcionatto.
Para Mariana Moura, do Cientistas Engajados, a presença dos cientistas e pesquisadores na Avenida Paulista ontem demonstrou a qualidade das pesquisas realizadas nas instituições públicas paulistas e que a população brasileira tem muita curiosidade, apoia e quer saber o que fazemos. “Só falta o governo e os parlamentares entenderem que sem financiamento público não existe como fazer Ciência. Com essa política de terra arrasada estamos perdendo os melhores cérebros do nosso país”, disse Moura.
Janes Rocha – Jornal da Ciência