SBPC ajudando a (re)pensar a sociedade brasileira

“Como entidade representativa da comunidade científica, SBPC pode atuar em uma rede integrada a fim de encontrar caminhos e soluções para construir um novo Brasil”, escreve Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e candidato à vice-presidência da SBPC

O Brasil está passando por um dos períodos críticos de sua história. Estamos a dois anos de eleições gerais no País e, dependendo das decisões que a sociedade tome, é possível construir um futuro mais promissor para todos ou, ao contrário, continuarmos seguindo na perigosa e indesejável direção em curso. Nesse cenário, qual a contribuição efetiva que a comunidade científica pode dar? Como a SBPC pode atuar na tarefa de (re)pensar a nossa sociedade?

Importante salientar que o obscurantismo que vemos hoje no País não se restringe à Ciência, à Educação e à Cultura. A falta de planejamento, de um projeto que promova o desenvolvimento sustentável, a redução das desigualdades sociais e a construção de uma consciência cidadã por meio do conhecimento e da liberdade são um atentado contra a nossa história. E um país com sua história corrompida é, certamente, um país fadado ao fracasso.

As vulnerabilidades críticas do Brasil nas áreas de saúde, educação e ambiental, e suas mazelas sociais, ficaram ainda mais evidentes nesta época de pandemia, sobretudo no que diz respeito ao descaso quanto à adoção de políticas públicas eficientes para mitigar o avanço da Covid-19 e o consequente número de vidas perdidas. Em paralelo, o Estado brasileiro adotou medidas ameaçadoras para a saúde pública, ignorando e, principalmente, tentando desqualificar a ciência.

Nessa perspectiva, o Brasil atua na contramão das nações desenvolvidas e também de países em desenvolvimento para os quais a Ciência vem alcançando, nos últimos anos, um protagonismo geoeconômico crescente, sendo efetivamente reconhecida como um dos principais motores para os avanços tecnológicos, ambientais e sociais tão necessários para a construção de uma sociedade mais justa e mais humana.

Sendo o Brasil um país urbano, encontrar meios de tornar nossas cidades sustentáveis e melhorar a qualidade de vida da população urbana é essencial. A cidade de São Paulo, por exemplo, tem 7 milhões de automóveis e um sistema de transporte público absolutamente inadequado. A população de baixa renda desperdiça 3, 4 horas por dia somente para se deslocar ao trabalho. Sem falar na poluição do ar associada a emissões veiculares, que mata milhares de brasileiros a cada ano e traz danos fortes à saúde da população vulnerável.

A questão ambiental, portanto, é uma das oportunidades a serem exploradas na relação entre Ciência-Sociedade-Economia. Nesse campo, o Brasil tem vulnerabilidades importantes em todos os nossos biomas, da Amazônia ao semiárido nordestino. Está caindo a ficha de que os serviços ecossistêmicos são essenciais para o agronegócio brasileiro, para o fornecimento confiável de água em nossas cidades e para nosso sistema de saúde, entre muitas outras implicações.

Preservar nossa biodiversidade e saber explorar de forma inteligente o enorme potencial da biodiversidade amazônica é uma tarefa premente em busca da sustentabilidade, assim como também é parte fundamental na reconstrução do País cessar o processo de extermínio das populações indígenas e respeitar seus conhecimentos milenares. As áreas mais bem preservadas da Amazônia são justamente os territórios indígenas.

Observamos, também, que a frágil democracia brasileira volta a ser um ponto importante de luta, assim como o respeito à diversidade. É também fundamental combater o racismo e a desigualdade de gênero, que são muito fortes em todos os aspectos na nossa sociedade. O investimento em universidades públicas, nos órgãos de fomento, como CNPq e Capes, no Sistema Único de Saúde – tão essencial nessa pandemia –, continuamente destruídos, é crucial na tarefa de reconstruir o País.

Afinal, que Brasil queremos para nossos filhos e netos? Um país que se preze pela igualdade e justiça social, ou um país em que riqueza e bem-estar sejam para somente 10% da população, enquanto a maioria continuaria vivendo em situação de pobreza e fome, próxima à escravidão? Isso é sustentável ou justo? Queremos educação de qualidade somente para 10% da população e manter outros 90% alijados do processo de conhecimento?

Certamente esse não deve ser o nosso futuro como país. A manutenção de universidades públicas de qualidade guiando a sociedade do conhecimento é imprescindível. E este caminho deve ter início no ensino básico, raiz fundamental da transformação da sociedade. Passa por um ensino médio, no qual a consciência cidadã, a solidariedade e a inserção social sejam pedras fundamentais. Educação não pode se ocupar somente do intelecto, mas deve formar pessoas mais solidárias, tão necessárias em nosso Brasil de hoje.

Precisamos de inteligências humanitárias, que pensem em todos. Uma das riquezas de nosso País é justamente seu capital humano, totalmente inexplorado pela falta de incentivos na educação. Democratizar o acesso à Internet, tão importante em época de pandemia, por exemplo, é mais que essencial, e também trabalhar pela alfabetização digital de quem já tem acesso.

Sem dúvida, a ciência pode auxiliar e muito a mudar o atual cenário brasileiro. Em uma sociedade complexa e de desigualdades extremas como a nossa, a SBPC, como entidade representativa da comunidade científica, pode e deve ter uma atuação decisiva, trabalhando em uma rede integrada com as demais instituições a fim de encontrar caminhos e soluções para construir um novo Brasil, mais sustentável ambientalmente, economicamente e socialmente.

O Brasil tem saída. E a SBPC não estará sozinha na reconstrução do Brasil. Não vai ser fácil reconstruir o país, mas não é por isso que vamos desistir.