Indígenas de todo o Amazonas, incluindo representantes das 14 principais Organizações Indígenas do estado, reuniram-se em Manaus entre os dias 01 e 03 de dezembro para a realização da V Marcha Indígena do Amazonas. Durante o período, eles discutiram os resultados das marchas anteriores e, principalmente, avaliaram os resultados alcançados até o presente junto aos governos estadual e federal.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no Amazonas apoiou o evento e, em articulação com o Museu da Amazônia (Musa) e coletivos indígenas, realizou quatro reuniões preparatórias. Nas ocasiões, indígenas, indigenistas e membros de outros movimentos sociais discutiram questões como saúde, educação, território, segurança e garantia dos direitos indígenas no contexto atual.
Para Sanderson Oliveira, secretário regional da SBPC no Amazonas, é muito importante dar visibilidade aos indígenas como sujeitos de suas questões nesse momento. “Há indígenas graduados nas mais diversas áreas no estado, indígenas atuando em áreas de gestão pública e em questões políticas, com rica experiência, e que têm contribuído para o avanço das questões indígenas no Brasil. Infelizmente, esses indígenas têm sido invisibilizados e tenta-se cada vez mais criar a ideia de que os indígenas nem mesmo chegaram à Universidade. Eles não só chegaram às Universidades, como já há um número expressivo de mestres e doutores indígenas no Brasil. Muitos desses indígenas são protagonistas dos avanços conquistados em termos de garantia de seus direitos nas últimas décadas e devem ser ouvidos. O espaço de discussão foi excelente para representar este momento”, avalia Sanderson.
Nas reuniões preparatórias, uma das principais demandas foi a falta de respeito à autonomia dos povos indígenas e o desrespeito aos protocolos de consulta para o desenvolvimento de ações junto aos povos. Nesse sentido, ficou evidenciada a falta de diálogo e articulação do governo estadual com as comunidades e entidades representativas indígenas. Essa falta de articulação tem impossibilitado a execução do orçamento de 65 milhões previstos para o ano de 2019, conforme Emenda Constitucional (PEC no 102/18), aprovada ainda em 2019 e que vinculou a aplicação anual de 0,5% da receita corrente líquida do estado para políticas públicas indígenas.
Enquanto a questão da liberação do orçamento e o diálogo com as representações indígenas não avançam, várias áreas têm agravados seus problemas de saúde, educação, segurança, garantia de terras, etc. “Estamos reivindicando políticas públicas no sentido de projetos sustentáveis, voltados à educação, saúde, cultura, terra e território. Não temos avançado no diálogo sobre as necessidades da educação básica e nem as licenciaturas vêm sendo garantidas. Há um retrocesso acontecendo em nosso Estado e nos sentimos desamparados pela lei maior; estamos perdendo nossos direitos aos poucos. É por isso que estamos aqui resistindo, lutando pelo direito de existir”, afirmou a presidente do Fórum Estadual de Educação Indígena (Foreeia), Cristina Baré.
No estado com o maior número de etnias indígenas, com a maior diversidade linguística do Brasil e com 30% de seu território como área indígena, não existe uma política clara que garanta a cidadania desses povos e a interlocução com o governo tem sido falha. Cristina Baré observa que tiveram “duas marchas este ano e nas duas fomos recebidos pelo vice-governador. Nesses momentos foram feitas apenas promessas e para as quais ainda não tivemos respostas. Queremos uma audiência com o Governador para ele explicar o porquê desses não acontecimentos”.
Na avaliação das lideranças do movimento indígena participantes dos atos, a atual conjuntura provoca o desmonte das políticas indigenistas e, sobretudo, ameaça e viola os direitos e a própria existência dos povos indígenas. Os representantes indígenas chamaram atenção para a necessidade de se respeitar as Organizações Indígenas e os processos de consulta consolidados na história recente.
Líder da Coordenação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Coipam), Zenilton Mura ressaltou que a Marcha dos Povos Indígenas tem representatividade das mais de 60 etnias existentes no Estado e que não há fragmentação do movimento. “O que existe são oportunistas que têm falado em nome do movimento indígena e nós não legitimamos isso. É por isso que queremos essa audiência com o Governo do Estado. Aqui está representada a base”, afirmou. “A lei é muito clara: a auto-identificação não dá legitimidade para qualquer um. Para isso, em cada aldeia existe o seu líder, em cada município a organização e em cada calha de rio, a federação. Por exemplo: na área de educação existe o Foreeia, que responde por essa questão, dentro da saúde são os conselheiros locais e presidentes do Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi); no âmbito do Amazonas existe a Coipam e para representar Manaus e entorno, a Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime)”.
Ele ressaltou ainda que a luta dos povos acontece como ato de resistência à MP 890/ 2019, do Governo Federal, que retira a saúde indígena das mãos da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), responsável por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS). “Foi uma conquista nossa, assegurada por lei e nós, sem isso, como vamos viver? Estamos fazendo um apelo para que o Governo Federal considere a nossa luta e permaneça com a política da saúde indígena dentro da Sesai. Todas as vezes que retirarem nossos direitos, faremos um movimento como este. Não iremos no calar”.
Aprovada em 2018, por meio de Projeto de Emenda Constitucional (PEC), a vinculação de 0,5% da receita do Estado para a aplicação em projetos de política pública para os povos indígenas foi retirado da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano que vem, votada em julho pela Assembleia Legislativa. “Não vemos nenhum projeto que garanta a existência dos povos indígenas; o Governo do Estado hoje não tem um projeto de vida pra nós. As comunidades que estão na ponta, precisam desse amparo, serem tratados como seres humanos porque aqui no estado do Amazonas a população indígena é maioria. Tanto governo federal quanto estadual não tem dado atenção a essas políticas que são diferenciadas e garantidas por lei, chamamos ao diálogo para que eles entendam nossa reivindicação”, afirmou o representante do Copime, Turi Sateré.
Izabel Santos – especial para o Jornal da Ciência