A SBPC entende que a liberação do uso da substância, pelo Senado Federal, viola os preceitos fundamentais do risco da segurança do uso de medicamentos sem pesquisas clínicas e sem a aprovação pela Anvisa
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vem a público manifestar seu inteiro apoio às posições adotadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Médica Brasileira (AMB) e Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), contrárias ao projeto de lei (PL 4639) que libera o uso da fosfoetanolamina para pacientes diagnosticados com tumores malignos. A aprovação do PL ontem (22) pelo Senado Federal sem discussões aprofundadas e à revelia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que já havia ocorrido na Câmara dos Deputados, é uma afronta gravíssima à comunidade científica. A substância não teve a sua regulamentação analisada e aprovada pela Anvisa e, por esta razão, sua farmacologia, toxicidade, efeitos colaterais, eficácia e dosagem são desconhecidas.
Lembramos que a pesquisa clínica (PC) é um estudo sistemático que segue métodos científicos aplicáveis aos seres humanos. A finalidade deste processo é a obtenção e manutenção de registro com as autoridades regulatórias para comercialização do medicamento. Como bem menciona a AMB em carta enviada ao presidente do Senado Federal, antes da sessão ocorrida ontem, “o câncer não é uma doença isolada, mas uma denominação que engloba centenas de tumores diferentes, com origem, evolução e tratamentos distintos. Não existe nenhuma droga exclusiva para tratar suas múltiplas formas.”
Em comunicado divulgado hoje (23), após a aprovação do PL pelo Senado, a Anvisa alerta para o risco da liberação da substância para pacientes em tratamento com tumores malignos. A entidade afirma que “não há nenhum pedido protocolado na Anvisa para a realização de ensaios clínicos ou solicitação de registro dessa substância. Por isso, é absolutamente descabido acusar a Anvisa de qualquer demora em processo de autorização para uso da fosfoetanolamina. O que há, de fato, é que uma substância que é utilizada há tantos anos, nunca foi testada de acordo com as metodologias científicas internacionalmente utilizadas, para comprovar sua segurança e eficácia. Da mesma forma, os desenvolvedores dessa substância nunca procuraram estabelecer um processo produtivo em fábrica legalmente estabelecida e certificada para operar com qualidade”.
A agência reguladora do governo também questiona o fato de que a substância, que “foi desenvolvida há 20 anos, e vem sendo usada de maneira ilegal durante esse largo período, nunca ter suscitado em seus desenvolvedores a preocupação em fabricá-la em local adequado, realizar ensaios clínicos de acordo com os protocolos e, por fim, pedir seu registro”.
Reiteramos que a Anvisa tem o respeito de toda a comunidade médica, farmacêutica e científica do País, e a certificação por ela conferida a determinado medicamento é necessária e imprescindível. A Anvisa não pode ser dispensada, ou mesmo desacreditada, nesse processo que custou muito a ser consolidado no Brasil.
Desta forma, após a aprovação do PL 4639 pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, resta agora reivindicar que a Presidência da República analise os posicionamentos apresentados pelas entidades médicas e científicas, e vete a liberação da fosfoetanolamina. Entendemos que legisladores e governantes não devem agir somente pressionados pela pressão pública, sem respaldo técnico-científico, em temas cruciais para a saúde pública, como é o caso da aprovação de medicamentos.
Helena B. Nader
Presidente da SBPC