SBPC e ABC manifestam preocupação com a previsão dos recursos de CT&I na PLOA 2025

Em carta encaminhada no dia 5 de setembro à ministra Luciana Santos, as entidades solicitam que o Governo reveja a distribuição de recursos para o ano de 2025, reforçando as programações orçamentárias do MCTI, em especial das Unidades de Pesquisa e do CNPq. Documento foi subscrito por mais de 50 sociedades afiliadas à SBPC

Veja abaixo a carta na íntegra:

 

São Paulo e Rio de Janeiro, 05 de setembro de 2024

SBPC-245/carta-conjunta

 

Excelentíssima Senhora

Ministra LUCIANA SANTOS

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)

Brasília, DF.

 

Senhora Ministra,

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) vêm à sua presença, expor e requerer o que se segue, preocupada que está com as perspectivas para o Orçamento Geral da União enviado ao Congresso Nacional para o ano de 2025. Embora considere positiva a recomposição e agora a ampliação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), entende que há vários pontos no PLOA que destoam não apenas das necessidades do País, conhecidas de V. Exa., como também das expectativas depositadas no atual Governo.

Com efeito, a peça orçamentária enviada ao Congresso Nacional trouxe a boa notícia da maior arrecadação do FNDCT desde a sua criação. A alocação de R$ 10,301 bilhões para a cobertura de projetos não reembolsáveis financiados pelo FNDCT, cumprindo as determinações legais que impedem o contingenciamento destes recursos, coloca o Brasil na direção correta de recuperação dos investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação nos patamares necessários para o avanço nacional. No entanto, a distribuição dos recursos e a situação orçamentária do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para 2025 trazem muitas preocupações quanto às estratégias adotadas para a consolidação do Sistema Nacional de CT&I.

A SBPC e a ABC sempre defenderam o fortalecimento do FNDCT e sua ampliação, como instrumento fundamental para financiar projetos estratégicos para o país. Sempre alertamos, porém, de que o fundo foi criado como uma alavanca para conduzir políticas transversais, mas que não deve servir para substituir os investimentos orçamentários diretos no MCTI, essenciais para a consolidação de uma rede pública, independente e soberana de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico nacional.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2025 infelizmente revelou que estas preocupações tinham razão de ser. Em paralelo ao recorde de recursos do FNDCT, o orçamento proposto para o MCTI ficou estagnado em seu quadro geral e ainda passou por cortes inexplicáveis em programas estratégicos para o setor. A falta de aderência da peça orçamentária às demandas apresentadas durante a recém-realizada V Conferência Nacional de CT&I de expansão do SNCTI e fortalecimento das políticas públicas de P&D é desconcertante e reacende preocupações sobre o futuro da pesquisa nacional.

O primeiro aspecto crítico é o corte de 11,75% dos recursos destinados a bolsas de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Com o necessário reajuste das bolsas promovido em 2023 pelo governo federal, seria necessária a ampliação dos recursos para bolsas uma vez que a própria gestão do MCTI admite que há uma demanda reprimida de estudantes sem financiamento hoje no Brasil.

Esta situação, ademais, reforça a sombra da fuga de cérebros para o exterior, luxo ao qual o Brasil não pode se dar, haja vista o esforço coletivo deste país em formar quadros qualificados para a pesquisa científica. Queremos formar mestres e doutores para fazerem ciência no Brasil e/ou para o bem do Brasil, não para fornecê-los de graça aos países ricos! A necessidade de elevar os recursos para bolsas, assim como o de fomento a projetos custeados pelo CNPq, não pode ser ignorada, sob risco de seguirmos com a nossa produção científica em retração.

Também é fundamental que o MCTI aloque recursos suficientes para que o CNPq seja capaz de cumprir suas missões estratégicas, como o custeio do Edital Universal, uma das mais importantes ferramentas de alocação de recursos para a pesquisa no país. Também nos preocupa o futuro dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), centros fundamentais para a formação de redes de pesquisa e consolidação de estudos técnicos em múltiplas áreas do conhecimento. O orçamento apresentado no PLOA 2025 para o CNPq, de R$ 1,948 bilhão (3,65% menor do que o atual) simplesmente não é suficiente para atender a estas tarefas.

Os recursos prometidos para as Unidades de Pesquisa (UPs) do MCTI em 2025 revelam que a necessária recomposição do SNCTI, infelizmente, ainda não se efetiva. Lembremos que estamos falando em consertar o que foi estragado nos últimos anos; e será preciso, além dessa recomposição, financiar o desempenho das Unidades de Pesquisa à altura do que elas podem e o Brasil necessita. Depois da importante decisão, tomada ainda no Governo de Transição, de reestabelecer os orçamentos individualizados para as UPs, a recuperação da capacidade financeira deste importante aparato de pesquisa, desenvolvimento e divulgação científica parece cada dia mais distante.

Com efeito: das 17 unidades, 10 tiveram seus orçamentos reduzidos em relação à PLOA 2024 (INSA, ON, CTI, INT, INPA, INPP, CETENE, MPEG, IBICT e LNCC), duas mantiveram a previsão do orçamento anterior (INPE e LNA) e apenas cinco tiveram suas dotações elevadas (CBPF, MAST, INMA, CEMADEN e CETEM – esta última, com uma alta irrisória de 0,35%). Mesmo tendo papel estratégico no Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), órgão responsável pelo supercomputador Santos Dumont, não recebeu reforço em suas verbas, ficando com um orçamento de somente R$ 10,378 milhões, recurso insuficiente para sequer cobrir as despesas básicas de funcionamento dos equipamentos.

As escolhas realizadas na distribuição de recursos são incompreensíveis, ainda mais depois de o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciar o PBIA como grande estratégia nacional de desenvolvimento na abertura da V CNCTI. Como será possível atingir as metas ousadas apresentadas – como a de colocar o Brasil entre os cinco maiores países do mundo, na área de inteligência artificial, com a construção de um supercomputador por região – se o órgão que cuida deste aparato no momento não possui recursos sequer para sua operação corrente?

Também nos preocupa a falta de priorização dos programas de popularização da ciência, vitais para a construção de uma sociedade democrática e esclarecida. A proposta orçamentária corta 89,09% dos recursos de divulgação científica nas UPs, deixando esta ação orçamentária com apenas R$ 7,214 milhões em 2025. Também reduziu em 31,02% os recursos para projetos e eventos voltados à educação científica, com R$ 30,516 milhões previstos.

O congelamento do orçamento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão fundamental para a segurança das operações que utilizam materiais radioativos, soma-se a este cenário preocupante, colocando em risco, inclusive, o fornecimento de medicamentos radiofármacos para os brasileiros. A Agência Espacial Brasileira (AEB) segue com recursos cada vez mais escassos, tendo perdido 7,54% do seu orçamento, inviabilizando qualquer projeto nacional no campo aeroespacial.

A revitalização do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. (CEITEC), promessa de campanha deste governo, se arrasta. Ainda que se preveja um reforço de 30% no orçamento do centro em 2025, o valor final de R$ 60,370 milhões não é suficiente para a retomada de uma empresa de alta tecnologia. Em tempos em que chips são commodities, investir na pesquisa, desenvolvimento e fabricação de semicondutores é essencial para um país que queira avançar tecnologicamente com autonomia e soberania.

Um quadro ainda mais intrigante se apresenta ao analisar a distribuição de recursos do FNDCT. Como já destacado, a arrecadação do fundo atingiu patamar jamais observado desde a sua criação. Mas esta boa notícia foi ofuscada por escolhas que colocam em dúvida se o governo possui uma estratégia de fortalecimento do sistema público de CTI, coluna vertebral da pesquisa científica nacional.

Entre 2024 e 2025, a parcela orçamentária do FNDCT receberá mais R$ 4 bilhões. Metade desse acréscimo foi destinado para reforçar os recursos de subvenção econômica de empresas, que terá disponíveis R$ 3,037 bilhões no próximo ano, sem que esta decisão tenha sido discutida com os membros do Conselho Diretor do fundo, responsável por deliberar sobre a distribuição de recursos. Aliás, as deliberações do CD-FNDCT seguem sendo ignoradas, como a aprovação unânime de que a destinação do FNDCT seguisse a proporção de 60% para recursos não reembolsáveis e 40% para o crédito reembolsável às empresas. Foi mantido o limite legal de 50% na divisão dos recursos, contrariando a decisão do pleno.

No quadro apresentado no PLOA 2025, fica evidente o esvaziamento dos fundos setoriais do FNDCT, abrindo mão, assim, da construção de projetos voltados para ramos estratégicos específicos que deveriam ser fortalecidos. Um exemplo dessas escolhas é o corte de 70% no CT-Energ, que terá somente R$ 15 milhões no próximo ano. Difícil crer que o Brasil não tenha interesse em desenvolver pesquisas na área energética, diante dos desafios climáticos e da necessidade de transição energética enfrentados por todo o planeta. O mesmo pode ser dito sobre o CT-Mineral, que foi cortado em 93,33% e terá apenas R$ 1 milhão em 2025. O CT-Amazônia manteve seu orçamento baixíssimo, de R$ 8 milhões.

Foram privilegiados os fundos de caráter transversal, o que facilita os investimentos em projetos potencialmente estruturantes, mas esvazia o processo tanto técnico quanto democrático de discussão nos fundos setoriais, maculando a governança histórica do FNDCT. A proposta orçamentária leva à percepção de que as estratégias adotadas para aplicação do fundo seguem se afastando de um projeto de fortalecimento do sistema público de pesquisa e desenvolvimento, reforçando a destinação de recursos com foco nos interesses do sistema privado. Entendemos ser muito importante o fortalecimento da indústria nacional para o desenvolvimento tecnológico, mas também sabemos que, sem uma base de pesquisa pública robusta, estes avanços não são sustentáveis.

Dados disponibilizados pelo próprio MCTI mostram que o déficit de investimento em CT&I no Brasil em comparação com países mais desenvolvidos se deve ao baixo aporte feito pelas empresas. No Brasil, a participação do governo nos investimentos em P&D é de 53,8%, mais que o dobro do que a maioria dos países de renda equivalente ou superior e com aportes mais robustos em CT&I. Em Israel, um dos países que mais aplicam recursos em CT&I, 9,6% dos investimentos são feitos diretamente pelo governo. Na Coréia do Sul, a participação governamental nos aportes é de 22%.

Estes exemplos mostram o tamanho do desafio brasileiro que consiste em fazer que as empresas invistam mais em CT&I. Na verdade, elevar a distribuição dos limitados recursos públicos para políticas onde os grandes beneficiários são projetos privados em detrimento do fortalecimento do sistema público de P&D não só não resolve o problema, mas coloca em risco a continuidade da pesquisa básica nacional, fragilizando ainda mais o SNCTI.

Diante deste quadro, pedimos que o MCTI reveja a distribuição de recursos para o ano de 2025, reforçando as programações orçamentárias da pasta, em especial das Unidades de Pesquisa e do CNPq. Faz-se também necessária uma reavaliação do sistema de alocação de recursos do FNDCT, voltando a respeitar as decisões do CD-FNDCT com foco no fortalecimento do SNCTI. O crescimento da arrecadação do fundo não pode servir para o enfraquecimento do MCTI e esvaziamento de suas autarquias, sob o risco de vermos o sistema de CT&I colapsar frente à falta de condições de trabalho.

Seguimos entendendo que o Brasil não pode prescindir da ciência e da tecnologia para alçar voos mais altos como Nação, assegurando não só seu crescimento econômico, mas também o desenvolvimento social que seu povo merece. E só conseguiremos isso com investimentos fortes no sistema público de P&D e incentivo ao desenvolvimento tecnológico empresarial. Buscar esse equilíbrio é fundamental.

Por estas razões, Senhora Ministra, solicitamos que o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação atue decididamente junto aos demais órgãos de Governo, em especial a Junta de Controle Orçamentário, a fim de que se recomponham os itens focados na pesquisa científica e tecnológica, assim permitindo que as instituições de pesquisa realizem seu potencial e que o Brasil recolha os frutos da ciência, na busca por seu desenvolvimento.

 

Atenciosamente,

      HELENA BONCIANI NADER

Presidente da ABC

RENATO JANINE RIBEIR

Presidente da SBPC

 

 

Veja abaixo as entidades que subscrevem a nota:

Associação Brasileira de Antropologia (ABA)

Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas (ABCF)

Associação Brasileira de Cristalografia (ABCr)

Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn)

Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio – Nacional)

Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (Abecs)

Associação Brasileira de Estatística (ABE)

Associação Brasileira de Linguí­stica (ABRALIN)

Associação Brasileira de Mutagênese e Genômica Ambiental (Mutagen-Brasil)

Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE)

Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial (ABPEE)

Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO)

Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI)

Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB)

Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)

Associação Nacional de Ensino, Pesquisa e Extensão do Campo de Públicas (ANEPECP)

Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Psicologia (ANPEPP)

Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (SOCICOM)

Federação de Arte/Educadores do Brasil (FAEB)

Federação de Sociedades de Biologia Experimental (Fesbe)

Rede Nacional Leopoldo de Meis de Educação e Ciência (RNEC)

Sociedade Astronômica Brasileira (SAB)

Sociedade Brasileira de Administração Pública (SBAP)

Sociedade Brasileira de Biociências Nucleares (SBBN)

Sociedade Brasileira de Biofísica (SBBf)

Sociedade Brasileira de Biologia Celular (SBBC)

Sociedade Brasileira de Botanica (SBB)

Sociedade Brasileira de Computação (SBC)

Sociedade Brasileira de Ecotoxicologia (Ecotox Brasil)

Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM)

Sociedade Brasileira de Eletromagnetismo (SBMAG)

Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica (SBEB)

Sociedade Brasileira de Entomologia (SBE)

Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM)

Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental (SBFTE)

Sociedade Brasileira de Física (SBF)

Sociedade Brasileira de Genética (SBG)

Sociedade Brasileira de Lógica (SBL)

Sociedade Brasileira de Mastozoologia (SBMz)

Sociedade Brasileira de Matemática (SBM)

Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC)

Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC)

Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO)

Sociedade Brasileira de Ótica e Fotônica (SBFoton)

Sociedade Brasileira de Paleontologia (SBP)

Sociedade Brasileira de Parasitologia (SBP)

Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica (SBPqO)

Sociedade Brasileira de Primatologia (SBPr)

Sociedade Brasileira de Protozoologia (SBPz)

Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP)

Sociedade Brasileira de Química (SBQ)

Sociedade Brasileira de Telecomunicações (SBrT)

Sociedade Brasileira de Virologia (SBV)

Sociedade Brasileira de Zoologia (SBZ)

Sociedade Brasileria de História da Educação (SBHE)

Sociedade Entomológica do Brasil (SEB)

Confira a carta em PDF.

Jornal da Ciência