Na véspera do Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado em 11 de fevereiro, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizou a cerimônia de entrega do 4º Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher”, desta vez na categoria Meninas na Ciência, em São Paulo. Esta edição elegeu nove vencedoras, três na categoria Ensino Médio e seis na de Graduação. Cada vencedora recebeu um troféu, uma visita guiada ao Museu do Ipiranga, além de passagem aérea e hospedagem para que elas participem da 75ª Reunião Anual da SBPC, que este ano será realizada na Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba.
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, ressaltou a importância do Prêmio Carolina Bori para reconhecer, agradecer e homenagear a participação das meninas e mulheres no universo científico, além de destacar a importância da diversidade na ciência. “A ciência precisa das mulheres e meninas para ampliar e diversificar as perspectivas. E acreditamos que o mundo precisa de ações afirmativas para ampliar os pontos de vista. Ficamos muito felizes de comemorar o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência com essa premiação”, afirmou.
A vice-presidente da SBPC, Fernanda Sobral, que coordenou a avaliação do prêmio, também ressaltou a importância da diversidade na ciência. “Quando eu falo de diversidade, falo de diversidade de gênero, de áreas do conhecimento, de gerações e também de raça e etnias. Lidar com a diversidade é um exercício da democracia e é isso, de certa forma, que estamos promovendo aqui hoje”, salientou.
Sobral também destacou que a premiação concedeu ainda nove menções honrosas, além das vencedoras, sendo três do Ensino Médio e seis da Graduação. A entidade ainda irá conceder certificado, como forma de reconhecimento, para todas as estudantes finalistas.
Uma das juradas do concurso, Vanderlan Bolzani, membro do Conselho da SBPC e criadora do Prêmio Carolina Bori quando foi vice-presidente da entidade (gestão 2017-19), falou sobre a ideia da premiação além da necessidade de igualdade de gênero, frisando que isso só seria possível com atitudes, políticas públicas e trabalho em conjunto. “Quando levei a à Diretoria a sugestão de criar o prêmio, a ideia era justamente louvar as mulheres e cientistas do Brasil e incentivas os jovens talentos a seguirem esse nobre ofício”, comentou.
Ministra de CT&I reforça importância do prêmio como valorização de talentos
A cerimônia também contou com a participação da ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, que lamentou a fuga de talentos brasileiros para o exterior e apontou a desigualdade de gênero na ciência. “No caso das mulheres, vemos com tristeza o abandono da carreira científica em decorrência de um sistema constituído por critérios de avaliação cujo desenho ainda é masculino. Como resultado, uma grande desigualdade no acesso das cientistas às bolsas de estudo e pesquisa”, afirmou.
“As consequências disso vão além dos prejuízos e da igualdade de direitos e oportunidades que defendemos. É uma questão de excelência. Ao perder talentos femininos, o País perde também a diversidade de olhares que enriquece a nossa produção de conhecimento”, acrescentou a ministra.
Elogiando o trabalho da SBPC e enaltecendo o valor da instituição para a sociedade brasileira, Santos destacou a importância do contato com a Ciência na juventude:
“Quero parabenizar todas as jovens cientistas que estão aqui, sobretudo por acreditarem na ciência. Se hoje estão aqui, foi porque escolheram o caminho da afirmação da ciência e não da negação da ciência. A pesquisa científica proporciona grandes emoções, porque faz com que a gente compreenda os fenômenos, a descoberta de uma solução, de um determinado desafio ou de um determinado problema, que se alcança de várias formas. Muitas de vocês viveram este momento durante a jornada científica que decidiram empreender ainda muito jovens.”
Engenheira eletricista pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Luciana Santos é a primeira ministra mulher na Pasta da Ciência, Tecnologia e Inovação. Ela afirmou ainda seu compromisso em construir uma política robusta para incentivar a ciência e a tecnologia entre as mulheres.
“É fundamental fortalecer os instrumentos que dispomos e avançar na construção e implementação de ferramentas capazes de democratizar e garantir a participação feminina, de forma permanente, nos ambientes de pesquisa e desenvolvimento. Vamos enfrentar a desigualdade de gênero que ainda define a distribuição de bolsas de estudo e pesquisa e avançar na inclusão das cientistas e pesquisadoras pretas. Se conseguirmos ampliar o acesso dessas mulheres à universidade, ainda há muito o que fazer para que tenham seus talentos reconhecidos na ciência”, disse.
A premiação
A SBPC recebeu indicações de 446 candidatas de 223 instituições de todas as regiões do País. Foram 126 indicadas para a categoria Ensino Médio e 320 para a Graduação, categoria subdividida entre três grandes áreas do conhecimento: Biológicas e Saúde (126), Engenharias, Exatas e Ciências da Terra (103) e Humanidades (91).
“Tivemos um aumento de 56,49% no total de indicações nessa edição ao compararmos com a edição de 2020. Em graduação tivemos uma alta de 63,26% e ensino médio de 41,57%”, comentou Miriam Grossi, diretora da SBPC, que mostrou alguns números comparativos entre a 2ª edição da premiação com a atual. Realizado anualmente desde 2019, o prêmio alterna a cada ano as categorias Mulheres Cientistas e Meninas na Ciência.
“Na edição de 2020 tivemos indicadas de 18 estados. Este ano foram de 24 estados. Estamos quase lá com indicações de todo o Brasil”, comemorou.
As protagonistas
As jovens cientistas agraciadas com o 4º Prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher” aproveitaram a oportunidade da cerimônia para ressaltar o papel da SBPC no reconhecimento das mulheres na ciência, além de agradecer os incentivos recebidos por seus familiares e orientadores.
Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Camily Pereira dos Santos foi a primeira estudante a ser homenageada. De Osório (RS), a aluna do curso técnico em Informática Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul recebeu prêmio pelo projeto “Desenvolvimento de material biodegradável para absorventes femininos”.
“Foi a primeira vez que eu me deparei com a questão da pobreza menstrual, e jamais imaginaria que ela estaria tão próxima de mim e da minha família. A partir desse momento, eu comecei a pensar: ‘ah, e se houvesse um absorvente que, além de ser ecológico, fosse também acessível a mulheres em vulnerabilidade? E o que eu, uma então aluna do ensino médio, poderia fazer frente a esse problema?’”, ponderou.
“O prêmio vai além do reconhecimento, e eu represento a minha escola e a minha cidade. É muito significativo eu representar a ciência jovem brasileira feita em escola pública”, destacou a jovem.
Gabriely Santos Souza, mais conhecida como K7, estudante do Centro de Ensino Médio Elefante Branco, localizado em Brasília, também ressaltou o apoio dos pais e de seu professor Marcelo Lucas de Araújo Brito. “Esse prêmio não é só meu. Ele é também do grupo de teatro do qual faço parte e do meu professor e diretor Marcelo Lucas de Araújo Brito, que me apresentou o mundo da dramaturgia. Com ele, descobrimos que não se falava de ciência no teatro, principalmente para as crianças” contou.
Isabelle Almeida Novais, estudante da Escola Estadual Fernão Dias Paes, de São Paulo, além de apontar a sua rede de apoio, destacou o papel da SBPC na ciência. “Depois de tempos difíceis para a ciência, hoje a gente consegue enxergar um futuro no qual as mulheres estão inseridas”, disse. Ela foi premiada pelo trabalho “A influência da infraestrutura dos hospitais públicos na realização do diagnóstico da mielomeningocele fetal”.
Além de agradecer seus apoiadores, Amanda Guimarães Melo, graduanda em Matemática na Universidade Federal do Sergipe (UFS), disse que foi uma honra ser uma das ganhadoras da 4ª edição do Prêmio Carolina Bori e representar a área Engenharias, Exatas e Ciências da Terra, onde o número de homens é tradicionalmente maior do que o número de mulheres. “Eu desejo que mais meninas se sintam motivadas a participar do universo científico, principalmente na área de exatas”, disse ela, que se destacou com o trabalho “Equação de Logística Fracionária”.
Sara Lüneburger, formada em Química pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), também ganhadora da área de Engenharias, Exatas e Ciências da Terra, por sua vez, evidenciou o papel da universidade pública em sua trajetória. “Eu quero agradecer à universidade pública, gratuita e de qualidade. Sem ela eu não estaria aqui. Sem ela eu não teria alcançado o que eu alcancei e não teria desenvolvido meu projeto. Se eu estou aqui, é porque foram ofertadas oportunidades a mim e eu gostaria que essas oportunidades chegassem a um número maior de pessoas para que mais ciência seja desenvolvida”, disse ela, que ganhou o prêmio pelo projeto “Biodiesel production from Hevea Brasiliensis seed oil”.
Anita de Souza Silva, graduada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), uma das vencedoras na área de Biológicas e Saúde, salientou o papel da SBPC por incentivar a dar visibilidade ao papel das mulheres na ciência. Ela ganhou destaque com o projeto “Diagnóstico da Leishmaniose Visceral em cães e percepção dos tutores de cães e gatos sobre a doença”.
“Queria agradecer especialmente a minha orientadora, a professora doutora Roseane Nunes de Santana Campos, que sempre foi uma grande incentivadora. Ela foi minha orientadora na graduação e segue agora me orientando no mestrado, onde vou seguir na mesma linha de pesquisa trabalhando com doenças tropicais negligenciadas”, disse Silva.
Já Ariane Leite do Nascimento, graduanda em Ciências Biológicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), também vencedora na área de Biológicas e Saúde, agradeceu as mulheres que abriram caminho para o reconhecimento feminino na ciência. Ao falar sobre o projeto que a destacou, intitulado “Botânica sempre viva”, frisou que o objetivo de ela e de seu grupo é deixar a botânica mais acessível. “A botânica, embora seja uma área muito importante na biologia, ainda é negligenciada. Estamos falando de seres vivos que compõem mais de 80% da biodiversidade do planeta e que não são ‘tão levados a sério’. Esse projeto foi desenvolvido com materiais didáticos gratuitos e voltados para o ensino médio. Acreditamos que é pela educação que a gente vai transformar esse olhar pela botânica”, disse.
Alessandra Stefanello, graduanda de Letras na Universidade Federal de Santa Maria, vencedora na área de Humanidades, citou que seus pais são agricultores familiares, no interior em um município de 6 mil habitantes, e foi por amar a terra que resolveu o tema para sua vida acadêmica. Ela foi premiada pelo trabalho “Um outro olhar para a língua: a posse da terra e o direito à propriedade”.
Ao repensar sua trajetória, Denise Barrozo de Paula, graduada de Psicologia na Universidade Municipal de São Caetano do Sul, uma das vencedoras a área de Humanidades, por seu estudo sobre representação de meninas negras na literatura, disse que foi através da pesquisa que se tornou realmente uma mulher negra de fato. “Foi através da pesquisa que eu entendi o que eu podia fazer na sociedade enquanto pessoa negra e pesquisadora”, contou.
Pais e professores comemoram conquistas
Para a professora Jaqueline Mendes de Almeida, que orientou Isabelle Almeida Novais no estudo sobre como a infraestrutura de hospitais públicos pode afetar no diagnóstico de malformações fetais, o que impressionou foi a estudante já ter toda a sua pesquisa definida em sua cabeça. O trabalho da educadora veio mais como orientações no processo, conforme relata: “Trabalhar com a Isabelle foi muito fácil, ela já tinha uma pesquisa em mente. É impressionante, porque na graduação, a pessoa já pensa numa pesquisa, mas no ensino médio é muito raro, principalmente sem um estímulo. Quando ela me comunicou da pesquisa, eu falei: ‘bom, você pode começar com uma iniciação científica’, e aí eu a incentivei, mas ela fez tudo praticamente sozinha.”
Ao ver a menina com o prêmio em mãos, a educadora não segurou o orgulho. “Olha, é uma das maiores emoções que eu tive como professora até hoje. Porque muita gente sofreu para que este prêmio pudesse ser construído e eu espero que a Isabelle, no futuro, construa um espaço para outras [meninas cientistas] surgirem”, ponderou.
Mãe da jovem Alessandra Stefanello, que trouxe outro olhar para a língua sobre a posse da terra e o direito à propriedade, Elizabeth Stefanello afirmou que as emoções vieram já na divulgação do prêmio:
“Ah, foi muito orgulho para nós. Estávamos eu e o meu marido em casa, aí ela ligou e disse ‘Pai, tenho uma novidade, fui premiada em São Paulo, eu tenho que ir e a mãe está convidada pra ir junto. Eu vou’. Aí nós choramos”, contou.
E para Sebastião Gomes do Nascimento, que viu a filha Ariane Leite do Nascimento subir no palco e pegar seu troféu, a emoção transboroua: “Olha, rapaz, receber esse prêmio aqui na USP Maria Antônia, um prêmio da SBPC, com o professor Renato [Janine Ribeiro], a ministra da Ciência e essa banca que concedeu este prêmio a ela, é muita emoção pra gente. É uma dedicação dela, que está mostrando pra gente que estuda um conteúdo importante. Obrigado à SBPC e que ela vá pra frente!”
Veja aqui a cerimônia na íntegra.
Vivian Costa e Rafael Revadam – Jornal da Ciência