A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lamenta profundamente a morte do parasitologista e protozoologista Erney Felicio Plessmann de Camargo, ocorrida na última sexta-feira, dia 3 de março, aos 87 anos. O professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) era sócio da entidade desde 1988.
Graduado em Medicina pela Universidade de São Paulo (1959), com doutorado e livre-docência pela USP, Camargo foi professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Médico e pesquisador de reconhecimento internacional, o cientista produziu importantes trabalhos científicos ligados à doença de Chagas e à malária, duas doenças consideradas negligenciadas.
Em sua longa carreira, foi pró-reitor de Pesquisa da USP, diretor do Instituto Butantan, e presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre 2003 e 2007, e da Comissão Nacional Técnica de Biossegurança (CNTBio), em 2003. Também atuou na Universidade de Wisconsin, EEUU, e Chercheur Associé do Instituto Pasteur de Paris.
Cumpre lembrar que sua militância em prol da saúde e dos mais pobres levou a ditadura militar a cassá-lo, junto com outros ilustres cientistas, já na sequência do Ato Institucional de abril de 1964.
Integrou os conselhos superiores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação Antonio Prudente, entre outros.
Ele era membro da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da Academia Nacional de Medicina, da Academia de Ciências do Terceiro Mundo (TWAS) e da Linnean Society of London.
Por sua trajetória científico-acadêmica recebeu diversas honrarias, como a Ordem do Ipiranga do Estado de S. Paulo, no grau Grã-Cruz (2006), a Ordem Nacional do Mérito Científico, nos graus comendador (1998) e Grã-Cruz (2002), o prêmio LAFI de Medicina (1980) e o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Nacional de Ingeniería do Peru.
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, ressalta o papel de Camargo como pesquisador e como gestor. “Erney sempre teve um trabalho notável no que diz respeito à universidade, ao ensino superior. Ele tinha um profundo conhecimento da pesquisa, e fez um trabalho muito bom em sua passagem pela Pró-Reitoria da USP e, em especial, pelo CNPq. Com ele à frente, a agência expandiu sua capacidade de financiamento e o número de bolsas de produtividade de pesquisa subiu de maneira significativa”, destaca.
Ana Teresa Vasconcelos, diretora da SBPC e pesquisadora do Laboratório Nacional de Computação Cientifica (LNCC), salienta o grande homem que Camargo representou. “Eu tive oportunidade de trabalhar com o doutor Erney desde 2008, quando ele teve a iniciativa de fazer o sequenciamento do mosquito transmissor da malária. Naquela época, só havia o sequenciamento do genoma do mosquito africano. A paixão dele por essa área era tão grande que nós fomos para o meio da Amazônia para identificar o melhor local para estudar o mosquito. Ele tinha paixão em fazer ciência para melhorar a qualidade de vida”, diz.
Segundo Vasconcelos, ao retornar ao Brasil, após o exílio forçado no período da Ditadura Militar, Camargo passou por vários órgãos, deixando sua marca de sempre acreditar na importância de fazer ciência de qualidade e não medir esforços para provar que isso era possível no Brasil.
“A morte do doutor Erney é uma perda muito grande de uma geração de pesquisadores que mostraram que podíamos trabalhar no Brasil em doenças importantes para o País. Ele foi uma pessoa de muita retitude, um grande exemplo para todos nós”, lamenta.
Marimélia Porcionatto, também diretora da SBPC, foi aluna de Camargo quando era graduanda de Biomedicina na Escola Paulista de Medicina (EPM), em 1982, e lembra do professor com muito carinho. “Lembro que a primeira aula da disciplina de Parasitologia com o professor Erney Plessmann de Camargo ele começou perguntando se tínhamos lido o livro ‘O Macaco Nu’. Ele se referia ao livro de Desmond Morris, um clássico do estudo comportamental, escrito em 1969, que analisa o comportamento humano do ponto de vista animal. Eu guardo essa pergunta de forma vívida na minha memória por esses mais de 40 anos, desde aquela aula, porque, por coincidência, eu estava lendo esse livro na época. Nem preciso dizer que, do alto dos meus 18 anos, fiquei muito feliz de estar lendo um livro que esse professor tão importante dizia que nós deveríamos ler”, comenta.
“Ainda durante a graduação, realizei meu primeiro estágio de iniciação científica no Departamento de Micro, Imuno e Parasitologia da EPM e convivi com o professor Erney em ambiente de laboratório por alguns meses. Nos reencontramos no final de 2022, na entrega dos prêmios da Fundação Conrado Wessel, da qual era presidente”, lembra.
A Ciência perdeu uma referência muito importante, afirma Porcionatto. “Manterei sempre vivas as lembranças que tenho dele como professor, que tinha a didática das mentes brilhantes, e com a certeza de que foi um dos maiores e mais importantes cientistas brasileiros”, afirma.
Para Marcello André Barcinski, professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da USP, suas realizações como pesquisador influenciaram o conhecimento da parasitologia fundamental, mas o professor, brilhante como era, foi mais além. “Como humanista, com a mais irrestrita obediência e o absoluto respeito aos postulados e os preceitos éticos do método científico, nunca abandonou a sua preocupação com o papel e a responsabilidade social da ciência. Como administrador, definiu novos rumos para a nossa universidade, como Pró-Reitor de Pesquisa da USP, e para a ciência brasileira, como presidente do CNPq. Ele marcou indelevelmente mais de uma geração de estudantes e cientistas”, declara.
Em nota publicada pela Agência Fapesp, Marco Antonio Zago, presidente da instituição, lembrou a parceria do cientista quando recebeu das mãos de Camargo a presidência do CNPq. “Não era apenas um grande pesquisador, reconhecido internacionalmente, mas uma pessoa extremamente gentil e preocupada com os destinos da universidade e do País. Aprendi muito com ele, em especial na transição entre a sua gestão e a minha na presidência do CNPq. Tive também a honra de saudá-lo quando recebeu o título de professor emérito da USP.”
A SBPC se solidariza aos amigos, familiares e entes queridos de Camargo nesse momento de tristeza.
Jornal da Ciência