SBPC lança livro “Embates em torno do Estado Laico” na 70ª Reunião Anual em Maceió

Organizado por Claudia Masini d´Avila-Levy, secretária da SBPC, e Luiz Antônio Cunha, professor emérito da UFRJ e coordenador do GT “Estado Laico”, a obra será lançada na próxima segunda-feira (23 de julho). A sessão especial é aberta a todos e será realizada no auditório da reitoria da Ufal, às 13h

embates-em-torno-do-estado-laicoNa próxima segunda-feira (23 de julho), primeiro dia de atividades da 70ª Reunião Anual, a SBPC realiza uma sessão especial, no auditório da reitoria da Ufal, às 13h, para lançar o livro “Embates em torno do Estado Laico”. Organizado pela secretária da SBPC, Claudia Masini d´Avila-Levy, e o professor emérito da UFRJ e coordenador do GT da SBPC sobre o tema, Luiz Antônio Cunha, o livro reúne textos de renomados cientistas, que apresentam o conceito de Estado Laico, e debatem o impacto da não laicidade sobre a ciência, a política, o ensino, a saúde, as pesquisas biomédicas, a sexualidade e os direitos das mulheres. A obra traz ainda dois anexos: a Declaração Universal sobre a laicidade no século XXI e textos indicados sobre a laicidade do Estado no Brasil, disponíveis na internet.

Precedendo a sessão de lançamento, às 10h30, haverá a conferência “ESCOLA SEM PARTIDO E COM RELIGIÃO?”, no auditório da reitoria. A palestra será proferida por Luiz Cunha e contará com a participação de alguns autores do livro, como a professor da Unicamp, Maria Lygia Quartim de Moraes.

A sessão de lançamento é aberta a todos contará com a participação dos organizadores para um bate-papo com a plateia. O livro já está disponível para download gratuito na página de publicações do portal da SBPC:  http://portal.sbpcnet.org.br/publicacoes/tipo/outras-publicacoes/

Confira abaixo o texto de apresentação da obra:

A laicidade do Estado brasileiro é tema de profundo debate e embate num país com mais de 200 milhões de habitantes com as mais diversas matrizes religiosas e filosóficas. De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia  e Estatística (IBGE), há no País seguidores da fé católica, evangélica e espírita, do candomblé, da umbanda, de outras tradições indígenas e afro-brasileiras,  do judaísmo, islamismo, hinduísmo, budismo, além de agnósticos e ateístas. A Constituição Federal de 1988 garante a liberdade individual e de  culto,  sem espaço para a intolerância. Entretanto, há necessidade de monitoramento  e defesa constantes da laicidade, e o Grupo de Trabalho Estado Laico, reestruturado em 2015 pela SBPC, manifesta-se contra as mais diversas ações que tentam alterar a constituição brasileira, ameaçando direitos conquistados.

Tradicionalmente e fiel ao seu estatuto, a SBPC manifesta-se sempre que necessário a favor da laicidade do Estado. Na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988, a proposta de educação que apresentou na Comissão Temática defendeu a escola pública laica.  Na  61ª  Reunião  Anual, realizada  em Manaus,  em julho  de 2009,  a Assembleia Geral aprovou moção, por unanimidade, dirigida ao presidente da República e aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, em caráter de urgência, solicitando a retirada da tramitação do acordo (concordata) entre o Brasil e a Santa Sé, por ferir o princípio da laicidade do Estado brasileiro, assim como a liberdade de consciência, de crença e de culto. Desde então, as Reuniões Anuais  da SBPC têm incluído na programação conferências e mesas-redondas sobre essa questão, incluindo um recente alerta endereçado ao Congresso Nacional sobre a inconstitucionalidade da proposta conhecida como Escola Sem Partido.

O livro apoiado pela SBPC, fruto do Grupo de Trabalho Estado Laico, reúne capítulos de renomados cientistas, que apresentam o conceito de Estado laico, e debatem o impacto da não laicidade sobre a ciência, a política, o ensino, a saúde, as pesquisas biomédicas, a sexualidade e os direitos das mulheres.

O primeiro capítulo, de José Raimundo Maia Neto, tem um título instigante: Cerceamento religioso da atividade intelectual: o que podemos aprender com o julgamento de Sócrates. É bastante conhecida a condenação do filósofo ateniense, há quase dois milênios e meio, quando a democrática Atenas, condenou o filósofo à morte, acusado de não crer nos deuses reconhecidos pelo Estado, introduzir novas divindades e corromper a juventude. Nos dias que correm, quando ameaças à atividade de ensino e de pesquisa surgem de fora e de dentro do Estado, a reflexão histórico-filosófica nos ajuda a refletir sobre as condições essenciais à produção e à disseminação do conhecimento, inclusive a seguinte: quando a opinião do professor (como as do médico e de outros profissionais) entrar em conflito com a dos pais, qual deve prevalecer?

Os dois capítulos seguintes tratam da questão conceitual: o que é a laicidade do Estado?

Por uma concepção do Estado laico é o título do capítulo de Carlos Roberto Jamil Cury, que  começa na busca das origens etimológicas dos termos secular, leigo   e laico. Por efeito de polissemia, eles são objeto de frequentes e generalizadas confusões, razão pela qual podem ser empregados em propostas políticas equivocadas, ainda mais quando veiculadas pela mídia. Uma história social desses termos no ocidente europeu, como também nas Constituições imperial e republicanas brasileiras, mostrou que o Estado moderno estabeleceu diferenças claras entre a ordem do religioso e a ordem jurídica e moral. Tais diferenças implicam a rejeição do fundamentalismo religioso (impor concepções e condutas a quem não as adota), por se contrapor ao estatuto do pluralismo e da democracia.

Eloísa Machado de Almeida e Salomão Barros Ximenes concentraram sua atenção no Brasil, ao abordarem a Constituição e interpretação na delimitação jurídica da laicidade. A Carta Magna foi entendida como  resultado  de  um  pacto assimétrico, produto da composição de interesses de diferentes atores políticos, que conseguiram influir no processo de sua elaboração. Os autores mostraram que a laicidade aparece no texto constitucional de forma ambígua: se ele estabelece a separação entre o Estado e as instituições religiosas, ao mesmo tempo autoriza de modo genérico sua colaboração em prol do interesse público. A ambiguidade do texto constitucional nessa matéria propicia interpretações também inconsistentes do Supremo Tribunal Federal, como se verifica em questões como a imunidade tributária e o ensino religioso nas escolas públicas.

Maria Lygia Quartim de Moraes cruza as  tradições  teóricas  da  Sociologia  e da Psicanálise com a militância feminista na análise das Políticas do corpo e os fundamentalismos religiosos. As bandeiras pela libertação sexual e pelos direitos dos homossexuais, tanto quanto a descriminalização do aborto, lograram importantes vitórias na Europa, na década de 1960, e, no Brasil, o feminismo político integrou a luta pelas liberdades democráticas, que resultaram em conquistas expressas na Constituição de 1988, notadamente no que se refere  ao capítulo da família. Hoje, mantida a mesma perspectiva, encontramo-nos diante da ascensão de movimentos conservadores, diante de que a defesa do Estado laico é a única garantia da cidadania e da democracia contra todos os tipos de fundamentalismos, especialmente os religiosos.

Sergio Rego, Marisa Palácios e Pablo Dias Fortes abordaram um tema de grande atualidade em Bioética laica: zonas de atrito com as religiões na prática em saúde. Eles afirmam a legitimidade da perspectiva laica, tanto na teoria quanto na prática em saúde, ao defenderem a liberdade de cada indivíduo ter seu projeto próprio de felicidade, sobre o qual o Estado não deve interferir, a menos que afete as liberdades e o bem-estar de outros. Todavia, surgem áreas de atrito entre a perspectiva laica e a religiosa da Bioética, principalmente: o início e o fim da vida humana, e a objeção de consciência da parte do pessoal  de saúde, que incide, notadamente, sobre a interrupção voluntária da gravidez. Contra os fundamentalismos religiosos, os autores defendem o fortalecimento dos mecanismos democráticos de respeito à pluralidade e à diversidade.

Dois capítulos trataram das implicações de elementos religiosos para o ensino de ciências na Educação Básica, um destacando a doutrina do criacionismo/ design inteligente, outro a eventual concorrência da disciplina Ensino Religioso.

Luís Fernando Marques Dorvillé e Sandra Escovedo Selles abordaram o Ensino de evolução e criacionismo na educação básica: ressignificação de um debate em tempos sombrios. Nos tempos que correm, a doutrina do criacionismo, inspirada na Bíblia, pretende assumir status científicos sob a formulação do design inteligente, assim como fazer parte dos currículos da Educação Básica e dos cursos de formação de professores em Biologia. Os autores mostraram a convergência dessa doutrina com o  Movimento  Escola  sem  Partido,  que  almeja  controlar o trabalho docente, inclusive mediante a criminalização dos profissionais e a transformação dos alunos em denunciantes. Consequentemente, o ensino da evolução biológica em bases darwinistas encontra-se ameaçada, assim como a perspectiva laica da educação pública.

Eliane Brígida Morais Falcão baseou-se em pesquisas empíricas realizadas com estudantes de escolas públicas e privadas do Rio de Janeiro para redigir seu capítulo Laicidade e Ensino de Ciências: reflexões sobre o estudo dos fenômenos de vida no Ensino Médio. Contrariando ideias preconcebidas, a autora mostrou que, podendo escolher, os alunos preferem cursar outras disciplinas no lugar do ensino religioso, que, na rede fluminense, é oferecido também no nível médio.

A maioria revelou uma insuspeitada compreensão da laicidade. A autora concluiu que oferecer aos jovens condições para exercitarem a observação dos fenômenos da natureza, ao invés do ensino centrado na especulação, favorece  a compreensão científica, inclusive em questões como a teoria da evolução, assim como não suscita resistências de caráter religioso.

Fechando a sequência dos capítulos, Luiz Antônio Cunha traçou um Panorama dos conflitos recentes envolvendo a laicidade do Estado no Brasil. A perspectiva de análise é a que permite identificar as disputas entre as instituições religiosas extravasando seu próprio campo, buscando no Estado espaço de luta e aliados no embate contra os adversários. Nessa disputa, cada um dos poderes da República assume características próprias. No âmbito governamental e das instituições públicas (como de educação, saúde e segurança), a luta é para ocupar cargos que propiciem o benefício direto e imediato das respectivas instituições religiosas, implicando, por exemplo, a negociação do voto religioso e benefícios materiais para as respectivas instituições. As características dos Poderes Legislativo e Judiciário são elencadas em suas particularidades e similaridades.

O leitor encontrará nos anexos elementos para se aprofundar nas matérias tratadas pelos capítulos. A Declaração Universal sobre a laicidade no século XXI foi redigida em 2005 por três sociólogos, Jean Baubérot (França), Micheline Milot (Canadá) e Roberto Blancarte (México), e subscrito por 250 intelectuais de 30 países. O leitor encontrará, também, textos indicados sobre a laicidade do Estado no Brasil, disponíveis na internet, compreendendo produções institucionais, artigos e livros.

Alternando relatos precisos de fatos com vivazes interpretações, este livro nos presenteia com uma visão preciosa sobre acontecimentos do dia a dia que passam desapercebidos da população em geral e que ilustram os embates constantes em um Estado em busca da laicidade. Há ainda muitas batalhas a serem vencidas neste caminho rumo a um Estado laico no Brasil. Como exemplos emblemáticos, temos a presença de crucifixos em órgãos e instituições públicos, como tribunais de justiça, a abertura de sessões parlamentares com leituras da Bíblia e a reza coletiva e obrigatória em escolas públicas. Os doze autores dos oito capítulos adotaram distintas abordagens na análise dos respectivos temas, e chegaram a conclusões diversas e expressaram opiniões próprias, que são de sua exclusiva responsabilidade, não expressando, necessariamente, o posicionamento da SBPC.

Em síntese, este livro propicia leitura leve e informativa, sem dúvidas, imprescindível aos cidadãos deste imenso e diverso Brasil. “Se o país não for pra cada um / Pode estar certo / Não vai ser pra nenhum.” (Parte da letra de “Esmola”, do grupo musical Skank).

 

Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

Claudia Masini d’Avila-Levy, membro da diretoria da SBPC – Secretária, membro do Grupo de Trabalho Estado Laico e coorganizadora

 

Serviço:

 

Lançamento do livro “Embates em torno do Estado Laico”

Data: 23/7/2018 (segunda-feira), às 13h

Local: 70ª Reunião Anual da SBPC – Universidade Federal de Alagoas (Ufal) – Auditório da Reitoria

 

Jornal da Ciência