SBPC lança livro sobre seus 70 anos

Evento virtual de lançamento da obra, realizado no dia 8 de julho, contou com a participação de cientistas de várias áreas do conhecimento. Versão digital já está disponível no site da SBPC gratuitamente

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A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançou na última quarta-feira, 8 de julho, o livro suas sete décadas de atuação no Brasil. Em 15 capítulos e 510 páginas, a publicação traz a história da entidade, passando pelos temas defendidos pela SBPC, eventos realizados, além de abordar a evolução da ciência brasileira desde os meados do século 20. A versão digital da publicação já está disponível no site da entidade.

O evento virtual de lançamento contou com a participação de cientistas de várias áreas do conhecimento, que ressaltaram o papel da SBPC, criada com o objetivo de lutar pela ciência no Brasil. Todos reverberaram a consistente trajetória destas sete décadas dedicadas ao avanço científico e tecnológico e ao desenvolvimento sustentável do Brasil, exercendo um papel importante na expansão e aperfeiçoamento do sistema nacional de ciência e tecnologia, atuando na difusão e popularização da ciência no País. O livro “Ciência para o Brasil – 70 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)” foi produzido com recursos financeiros da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Segundo declarou na cerimônia o presidente da Fapesp, Marco Antonio Zago, o lançamento do livro é um culto à ciência, por conta do papel que a SBPC tem desempenhado desde o seu nascimento.

A biomédica Helena Nader, uma das idealizadoras do projeto, destacou que o livro resgata uma parte significativa da história do Brasil, da ciência, da educação e da democracia. “Eu espero que o jovem leia esse livro porque nele se conta um pedaço da história do País. Eu vejo que a SBPC conquistou ao longo desses 70 anos muito espaço na sociedade, mas tenho certeza que tem muito ainda o que conquistar”, disse.

A foto que ilustra a capa do livro é a emblemática 29ª Reunião Anual da SBPC realizada em 1977 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), depois que o governo militar proibiu sua realização na Universidade Federal do Ceará (UFC). Nader lembrou que foi graças à atitude firme do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, então arcebispo metropolitano de São Paulo – que desafiou o regime militar e disponibilizou as instalações da PUC -, que o evento foi realizado.  “Como o território era do Vaticano os militares não podiam invadir a PUC”, disse.

Nader, que é vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e presidente de honra da SBPC, contou ainda que a militância política a levou a associar-se à SBPC, em 1969, enquanto ainda era estudante universitária. Sócia há 51 anos, a cientista tem uma longa história com a instituição: foi conselheira, vice-presidente e, depois, presidente por três mandatos, entre 2011 e 2017.

Vanderlan da Silva Bolzani, conselheira da SBPC e uma das organizadoras da obra, disse que o lançamento do livro tem um enorme simbolismo neste momento – em que o País está passando uma grande crise sanitária e econômica sem precedentes e o surgimento de alas radicais professam visões claramente anticientíficas.  “Quando se olha o panorama atual da pesquisa científica nesse país, temos muito o que celebrar. Mesmo que ainda existam limitações visíveis de vida heterogênea. Este livro sintetiza a construção – tijolo por tijolo – da história da institucionalização da educação, ciência e tecnologia”, afirma ela, que é professora do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e também presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp).

Muitos dos participantes, como Jorge Guimarães, diretor-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), ressaltaram a contribuição da SBPC para o reconhecimento e institucionalização da ciência no Brasil, para a criação de organismos de apoio à ciência, com o Capes e CNPq, e para o crescimento da produção científica brasileira. Ao citar a Reunião Anual de 1977, Guimarães disse que a SBPC nunca se furtou ao seu papel criticar políticas dos governos, mesmo no regime anti-democrático. “Tanto é que teve governo que proibiu a participação de eventos da entidade.  Eu mesmo, quando era diretor do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), fui proibido de comparecer a uma Reunião Anual da entidade. Mas desobedeci e fui. Isso mostra o quanto é importante convencer governantes de que a ciência é uma das coisas importantes para o desenvolvimento de um país”, disse Guimarães que foi diretor do CNPq de 1990 a 1993.

Ao comentar o livro, o físico Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia (MUSA) e presidente de honra da SBPC, ressaltou que, além de uma sociedade de ciência, a SBPC também é comprometida com a missão dos direitos humanos. “A SBPC foi formada/construída pelos gigantes que imaginaram e marcaram uma diretriz para sua história. E essas diretrizes, traçadas por seus fundadores, têm sido seguida por nós que o sucedemos”, afirma ele que foi presidente da SBPC em três gestões.  Para ele, que presidiu a entidade por quatro mandatos (1989-1991, 1991-1993, 2003-2005, 2005-2007), o livro é um importante registro que servirá de semente para outros.

Marco Antonio Raupp, o ex-ministro de CT&I e falou sobre o reconhecimento da entidade por seu trabalho ao longo dos anos.  “Virei sócio em 1977 quando houve aquele episódio, e, como todo brasileiro, querendo contribuir para a liberdade, democracia e direitos humanos, eu me juntei àqueles que foram a Reunião Anual na PUC para defender aqueles valores. E desde então passei a contribuir com a entidade em vários momentos, inclusive atuando em sua diretoria”, afirma.

Segundo Raupp a SBPC o engajou na luta pela valorização da ciência e do cientista. Tanto que de sócio, tornou-se membro atuante da diretoria da entidade e presidente, por 2 mandatos, entre 2007 e 2011. “Tenho orgulho de fazer parte da SBPC, que trabalha para fazer com que a sociedade e os governos reconheçam a importância da ciência para o desenvolvimento do País. Tenho um orgulho cívico de ter participado dessa história”, disse.

Sergio Machado Rezende, que foi ministro da Ciência e Tecnologia de 19/7/2005 a 31/12/2010, durante o segundo governo Luís Inácio Lula da Silva, lembrou de algumas batalhas travadas pela SBPC em prol do desenvolvimento da ciência no Brasil, dentre elas o abaixo-assinado promovido pela entidade no segundo semestre de 2019 em defesa do CNPq, após a Agência anunciar, em agosto, que não teria dinheiro para pagar os bolsistas até o final daquele ano. “A entidade realizou um abaixo-assinado que reuniu mais de um milhão de assinaturas, que foram entregues ao presidente da Câmara dos Deputados,  intercedendo em defesa do CNPq. Isso mostra que o papel da SBPC tem sido muito importante. Ela continua dinâmica e vibrante, e tenho certeza que continuará batalhando pelo Brasil”, disse o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e presidente de honra da SBPC.

O antropólogo Otávio Velho destacou a importância das ciências humanas dentro da entidade, ressaltando que é uma grande área do conhecimento que sempre esteve presente nas discussões da SBPC. “E diante do momento atual, em que a área tem recebido ataques por parte de governantes, a entidade, mais uma vez, não se calou e saiu em defesa dessas disciplinas”, disse o presidente de honra da SBPC.

“A SBPC sempre lutou pela ciência, pelo cientista, mas também pela educação de qualidade, pelo meio ambiente, pelos direitos individuais, portanto, ela tem seu legado. E, por isso, continuamos a fazer isso e continuaremos fazendo com quaisquer governos que estiverem ameaçando ou criticando essas conquistas”, ressaltou o atual presidente das SBPC, Ildeu de Castro Moreira. Ao longo de sua história, a entidade resistiu à ditadura e teve atuação significativa na elaboração da Constituição Federal de 1988, em relação à C&T e educação, e na criação das fundações estaduais de amparo à pesquisa, entre outras contribuições para a Carta Magna, conforme ressaltou.

Moreira disse ainda que a entidade sempre se manifestou a favor da democracia e, que diante do momento que o País está vivenciando, se juntou a organizações da sociedade civil em movimentos em defesa da democracia e da vida, como as Marchas Virtuais pela Ciência, realizada em maio, e pela Vida, que aconteceu em junho, e a campanha #BrasilpelaDemocracia #BrasilpelaVida, lançada em 29 de junho. Entre as atividades do Dia da Ciência, a ICTP.br, do qual a SBPC a outras entidades fazem parte, lançou o manifesto em defesa da liberação integral dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de recursos para pesquisa no País. “Esses recursos são fundamentais para a ciência, inclusive no momento em que estamos vivendo e cerca de 90% de seus recursos estão em reserva de contingência”, disse o presidente da SBPC.

Reuniões Anuais

Os participantes do webinário ressaltaram o papel importante das Reuniões Anuais da SBPC, um importante espaço para a difusão dos avanços da ciência e um local privilegiado para debates sobre políticas públicas para a ciência, tecnologia e a educação. O físico José Goldemberg, por exemplo, disse que os eventos tiveram papel importante de educação política, que sempre conta com uma diversidade de ideias em torno de assuntos importantes para o Brasil, que extrapolam os temas tratados na sala de aula. “Era nas Reuniões Anuais da SBPC que ouvíamos palestras de grandes professores e cientistas, como, por exemplo, o sociólogo Florestan Fernandes. Lá se discutia assuntos importantes para o Brasil, como se o petróleo era ou não nosso. Ou seja, as palestras nos deram uma educação além da científica e tecnológica, mas uma educação política”, lembrou o cientista, que presidiu a entidade no início da década de 1980.

Para Goldemberg, hoje presidente de honra da SBPC, entre tantos assuntos importantes para o Brasil, a SBPC teve papel fundamental na discussão da política nuclear brasileira, por exemplo. “Eles (governo) acordaram para problemas que hoje são levantados com muita clareza como, por exemplo, que em um país do tamanho do Brasil, precisaria de ciência e tecnologia minimamente baseada em competência nacional”. Ele citou ainda que, na época, por volta de 1975, os entusiastas em energia nuclear queriam parar a hidrelétrica de Itaipu e concentrar os recursos para o Acordo nuclear Brasil-Alemanha.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso representou na cerimônia a área de humanidades. Ele falou sobre suas lembranças das Reuniões Anuais e ressaltou que nos encontros da SBPC prevalecia o ambiente diversificado e atraente para cientistas de várias áreas, onde todos se aventurarem em um ambiente rico de ideias. Foi FHC quem assinou, em abril de 2001, a Lei que instituiu o Dia Nacional da Ciência, em homenagem ao aniversário da SBPC.

Homenagem

Walter Colli, que é professor titular aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor da SBPC, representou Isaias Raw, um dos mais antigos sócios da entidade ainda vivo. Raw associou-se à SBPC em 8 de novembro de 1948, quatro meses após sua fundação. Colli abordou seu grande papel de agitador educacional, com ideias e projetos dirigidos a professores e alunos, um verdadeiro cientista-empreendedor. “Isaias é um nacionalista, mas não daqueles comuns, vazios e ufanistas. Onde ele via uma lacuna, na ciência ou na educação, foi lá para tentar preenchê-la, sempre pensando no bem comum”, afirmou.

“Esse livro lembra a data da fundação de uma instituição que uniu os cientistas brasileiro numa causa comum de modernização, de progresso e de luta. Nada mais justo que nesta data emblemática a SBPC homenageie Isaias Raw, o mais antigo sócio vivo, por tudo o que ele representa para a ciência brasileira”, concluiu Colli.

Assista à cerimônia de lançamento do livro “Ciência para o Brasil – 70 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)”  neste link.

Acesse a versão em PDF do livro aqui.

Vivian Costa – Jornal da Ciência