Uma sessão mais que especial na programação Reunião Anual da SBPC marcou as celebrações dos 70 anos da SBPC. A cerimônia realizada nessa segunda-feira, 23 de julho, na Universidade Federal do Alagoas (Ufal), em Maceió, reuniu o atual presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira e mais cinco presidentes de honra da entidade – Sergio Mascarenhas, Marco Antonio Raupp, Otávio Velho, Ennio Candotti e Helena Nader – para lembrar o que foi, para cada um deles, o momento mais marcante da entidade em suas vidas: a SBPC que eles nunca esquecem.
Mas um participante da mesa em particular tornou esta sessão memorável para todos que a assistiram. Com uma sabedoria e astúcia que somente quem há mais de 70 anos luta ativamente pelo desenvolvimento da ciência do País, Mascarenhas fez o apelo direto, engasgado nas gargantas de toda a comunidade científica, ao ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, que também compunha a mesa: “O senhor falou que a inovação está crescendo, mas, na verdade, ela está sendo destruída. Seria maravilhoso se sua excelência fosse o herói que poria fim a esse ‘Marco Ilegal da Ciência’ que foi a destruição de todo esse setor”, provocou o veterano de 90 anos, sob fortes aplausos da plateia.
Momentos antes, Kassab havia manifestado na sessão que o MCTIC endossa as preocupações da SBPC e reconheceu que os investimentos no setor estão muito aquém do necessário. “As preocupações da SBPC, seja na questão do orçamento, seja em outros assuntos, são também as nossas. É inquestionável que nenhum país do mundo consegue superar uma crise se não investir pesadamente em ciência e inovação. O Brasil em algumas décadas investiu um pouco mais, mas tem como marca principal, ao longo destas últimas décadas, um investimento muito aquém do necessário. Eu vi hoje a pujança da nossa pesquisa nos estandes que visitei aqui. A ciência brasileira é reconhecida no mundo todo. A inovação hoje se multiplica por todos os estados brasileiros. Isto nos dá a certeza de que estamos no rumo certo, mas de uma forma equivocada: falta apoio politico, falta convicção e falta apoio da sociedade”, declarou.
70 anos de luta
Na sessão de homenagem aos 70 anos da SBPC, o presidente Ildeu de Castro Moreira destacou momentos importantes da história da entidade, como sua atuação na criação de instituições e agências como a Capes e o CNPq, na década de 1950; a participação na reforma universitária e na proposta de criação de um ministério para a ciência e tecnologia, na década de 1960; a luta contra a ditadura na década de 1970; e a luta pela anistia e volta dos cassados, bem como a participação na Constituinte para a inclusão da C&T, na década de 1980, além da participação na criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em 1985, e das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), nos anos 90.
Já sobre a história mais recente da entidade, a partir dos anos 2000, foi destacada a expansão das reuniões regionais, a participação da SBPC nas Conferências Nacionais de CT&I e na realização da Semana Nacional de C&T. Moreira ressaltou, por fim, que a última década é marcada pela atuação intensa da Sociedade no Parlamento, a intensificação das atividades de divulgação cientifica e as manifestações contra o desmonte dos setores de CT&I e educação, como, por exemplo, a produção de abaixo-assinados e cartas, e a Marcha pela Ciência, realizada quatro vezes, entre abril de 2017 e julho de 2018, por todo o País.
“A SBPC sempre se colocou como incentivadora e, mais do que isso, como uma defensora da ciência brasileira. Ao longo de todos esses anos, tivemos muitas vitórias, mas temos ainda muitos desafios”, afirmou Moreira.
Com vistas a resgatar essa trajetória, a SBPC lançou em 2018 diversas iniciativas relacionadas às comemorações dos 70 anos, como a publicação do livreto “70 Reuniões Anuais da SBPC”, a mostra virtual interativa “SBPC 70 anos – Ciência Educação Ontem Hoje Amanhã”, que está sendo exibida na SBPC Jovem esta semana, e a organização do ciclo de seminários temáticos “Políticas Públicas para o Brasil que queremos”. Os seminários foram realizados ao longo do primeiro semestre de 2018 e culminaram com a publicação de um caderno que reúne cartas, elaboradas nesses encontros, com diretrizes e propostas para políticas públicas em CT&I, democratização das comunicações, pós-graduação e ensino superior, educação básica, direitos humanos e saúde. A publicação, lançada nesta terça-feira, 24, está disponível no site da SBPC e será entregue aos candidatos tanto do legislativo, quanto do executivo da próxima eleição.
Ao longo da conferência, Moreira mencionou também a digitalização da coleção completa da revista Ciência e Cultura, publicada criada por um dos fundadores da SBPC, José Reis, em 1949 e que segue sendo publicada até os dias de hoje. Todas as edições da revista estão disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira, da Biblioteca Nacional. “Como boa parte dos registros históricos sobre a SBPC está documentada justamente nas páginas da Ciência e Cultura, a digitalização foi muito importante, tanto para recuperar como para preservar a história da instituição”, disse Moreira. A edição atual da revista é inteiramente dedicada aos 70 anos da SBPC.
Uma história feita por pessoas
“É importante que, tendo oportunidade contribuir, a gente contribua efetivamente. E a SBPC não tem faltado a isso nessas sete décadas”, declarou Marco Antonio Raupp, presidente da SBPC entre 2007 e 2011. Hoje diretor-geral da Associação Parque Tecnológico de São José dos Campos, Raupp se diz um grande beneficiário desta Sociedade. “Eu tive a oportunidade de atuar, no início da minha trajetória de pesquisador, em algo que a SBPC estava criando, que era a própria ciência brasileira. Fui bolsista do CNPq para estudar nos EUA, uma agência criada pela SBPC”. Sua primeira Reunião Anual foi o emblemático encontro de 1977, na PUC-SP, em plena ditadura militar. “Eu me lembro que recebi uma convocação para participar da Reunião, e incentivei os colegas pesquisadores do CNPq a apresentarem trabalhos lá. A matemática, na época, não tinha tradição de apresentar trabalhos na SBPC”, lembra o cientista, que foi ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação de 2012 à março de 2014
Helena Nader, que teve atuação de destaque nos últimos 10 anos na presidência da instituição, fez questão de agradecer ao povo brasileiro por sempre receber a SBPC de braços abertos nas Reuniões Anuais. Professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ela foi vice-presidente da SBPC entre 2007 e 2011, e presidente de 2011 até 2017, e é uma das sócias mais antigas da entidade, desde quando ainda era graduanda. Conforme recordou na sessão, sua primeira Reunião Anual da SBPC foi em 1969, em Porto Alegre (RS). “Desde que entrei para esta Sociedade, nunca me separei dela. Minha atuação na SBPC fez de mim uma pessoa melhor. Para mim foi um privilégio”, declarou.
Já Otávio Velho, pesquisador do Departamento de Antropologia do Museu Nacional (UFRJ) e único presidente de honra das humanidades na mesa, lembrou a história da participação de sua área na SBPC. “Eu tinha a impressão de que as ciências sociais e humanas só apareceram na SBPC na época da ditadura. Mas daí, folheando a publicação sobre as Reuniões Anuais, vi que a primeira RA teve como tema Alimentação; a segunda, ‘Industrialização à margem da floresta virgem’; em 1955, ‘Humanismo e Ciência’, com homenagem especial à Anísio Teixeira. Na verdade, o que mais marca a SBPC é que as ciências sociais e as humanidades estiveram presentes desde seu início. É uma sociedade formada por pessoas muito preocupadas com questões sociais e políticas”, concluiu.
Em sua participação nessa sessão especial, Ennio Candotti, coordenador-geral do projeto do Museu da Amazônia (MUSA) e presidente da SBPC por quatro mandatos não consecutivos entre 1989 e 2007, destacou a importância das reuniões regionais da SBPC. “A participação desses atores locais foi fundamental na construção da Constituição de 1988 e ainda na criação de fundações de amparo à pesquisa que puderam fortalecer a pesquisa regional no Brasil. A presença da SBPC nos estados por meio das reuniões regionais foi decisiva para isso”, disse ele.
O presidente de honra Sérgio Mascarenhas foi quem concluiu a sessão, citando Anísio Teixeira, seu professor e colega, e também presidente da SBPC entre 1955 e 1959: “quando estiver em uma grande tempestade, abaixe as velas, mas faça o leme firme na direção correta”. A citação de um dos cientistas e humanistas mais renomados do País, para a SBPC e toda a sociedade, soa hoje como palavra de ordem, neste momento de turbulência política, econômica e social. Mantenhamos o leme firme e na direção correta!
Patricia Mariuzzo e Daniela Klebis – Jornal da Ciência