A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e seu Grupo de Trabalho (GT) em Meio Ambiente reitera, em carta aberta, seu posicionamento contra a aprovação do PL 3729/2004, que altera as regras do licenciamento ambiental, aprovado no dia 13 de maio de 2021. Para os cientistas, o PL é incompatível com o que determina a Constituição Federal. A entidade e seu GT afirmam que o PL fere quatro importantes princípios da gestão ambiental nacional: do Meio Ambiente saudável e equilibrado e da equidade intergeracional; da precaução e da prevenção; proteção à Biodiversidade; e da proteção de terras indígenas e quilombolas.
Dois dias antes da aprovação na Câmara dos Deputados, no dia 11 de maio, a SBPC e seu GT divulgaram uma outra carta detalhando pontos de atenção potencialmente negativos à sistemática do licenciamento ambiental nacional no PL 3729/2004. O documento também ressaltava a ausência de transparência na condução e discussão do PL e apontava a inconstitucionalidade das medidas propostas: ”incompatível com a Constituição Federal e com a sustentabilidade ambiental presentes na legislação brasileira sobre licenciamento ambiental”, definiram.
No novo documento, divulgado nesta quinta-feira, 17 de junho, o grupo de cientistas afirma que a aprovação do PL contradiz o discurso do presidente Jair Messias Bolsonaro realizado na Cúpula do Clima, onde afirmou que o Brasil apresenta uma das políticas mais eficientes em relação à neutralidade climática e conservação da Biodiversidade. “O discurso destacou que a neutralidade, em função das políticas adotadas pelo atual governo, seria alcançada até 2050, ou seja, 10 anos antes da última sinalização apresentada. A neutralidade e as metas a serem alcançadas são estreitamente dependentes da adoção de políticas públicas sustentáveis e observância da legislação em relação à redução drástica de desmatamento.”
Leia abaixo o documento na íntegra:
Carta aberta da SBPC e de seu Grupo de Trabalho Meio Ambiente sobre a
Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/2004)
Por meio da presente carta indicamos os princípios que serão majoritariamente impactados com a implementação do PL 3729/2004, o qual altera as regras do licenciamento ambiental. O referido PL foi aprovado no dia 13 de maio de 2021 pela Câmara dos Deputados, sem aprofundamento das discussões referentes à sua incompatibilidade com a Política Nacional de Meio Ambiente, assim como seus impactos sobre a conservação da Biodiversidade, ecossistemas e serviços ambientais em cenários de mudanças climáticas.
A aprovação do PL 3729/2004 na Câmara dos Deputados ainda representa incompatibilidade com o discurso do Presidente Jair Messias Bolsonaro na recém realizada Cúpula do Clima onde foi afirmado que o Brasil apresenta uma das políticas mais eficientes em relação à neutralidade climática e conservação da Biodiversidade. O discurso destacou que a neutralidade, em função das políticas adotadas pelo atual governo, seria alcançada até 2050, ou seja, 10 anos antes da última sinalização apresentada. A neutralidade e as metas a serem alcançadas são estreitamente dependentes da adoção de políticas públicas sustentáveis e observância da legislação em relação a redução drástica de desmatamento. Neste sentido, o presidente informou, por meio de seu discurso, a adoção de medidas para combater e eliminar o desmatamento ilegal até 2030, o que representaria uma redução em até 50% de emissões de gases de efeito estufa até essa data. Destaca-se, no entanto, a incompatibilidade do discurso com os cortes de aproximadamente 40% dos recursos do Ministério Meio Ambiente (MMA) bem como com a aprovação do PL 3729/2004.
O PL 3729/2004 contraria quatro importantes princípios da nossa gestão ambiental nacional, que são relatados a seguir:
1) Do Meio ambiente saudável e equilibrado e da equidade intergeracional: a
Constituição Federal, em seu artigo 225, caput, declara que todo cidadão tem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo resguardado ao Poder Público e à coletividade o dever de sua defesa e preservação para as gerações presentes e futuras. Tal contrariedade se dá ao passo que, o texto aprovado na Câmara dos Deputados traz importantes alterações que, ao primeiro olhar, podem prejudicar a proteção e defesa do meio ambiente, como, por exemplo, a Licença por Adesão e Compromisso e análise por amostragem de empreendimentos impactantes;
2) Da precaução e da prevenção: estatuído pelo Princípio 15 da Declaração do Rio1, o princípio da precaução refere-se à situação de ameaça de danos sérios ou irreversíveis, quanto “a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. Já o princípio da prevenção refere-se à situação de impactos ambientais já conhecidos e previstos, os quais devem ser alvo de correta análise para que sejam evitados, mitigados ou compensados. Tais princípios são transgredidos quando o texto aprovado fragiliza o processo de licenciamento ambiental e avaliação de impacto ambiental ao mesmo tempo em que os órgãos licenciadores (especialmente o IBAMA) carecem de investimentos no seu corpo técnico e capital humano, o que enfraquece sobremaneira a efetividade de diversos instrumentos, como, por exemplo, cumprimento de prazo de análise ou mesmo entendimento da realidade de locais/regiões para que haja um correto conhecimento prévio e, assim, se simplifique o sistema;
3) Proteção à Biodiversidade: o art. 225 (§1o, II) estabelece a obrigatoriedade do Poder Público na preservação da Biodiversidade e do patrimônio genético do país. É importante ressaltar que a fragilização dos órgãos de fiscalização e controle afeta diretamente a forma como se dará a boa condução dos trabalhos vinculados ao sistema proposto pelo PL aprovado na Câmara. Inclusive, o Brasil se comprometeu internacionalmente com diversas responsabilidades diretamente relacionadas a uma boa condução do licenciamento ambiental de atividades e a sua atualidade quanto aos sistemas, tendo em vista o cenário de mudanças climáticas (Acordo de Paris) e biodiversidade (Protocolo de Nagoya);
4) Proteção de terras indígenas e quilombolas: o art. 231 da Constituição Federal Brasileira reconhece o direito à terra, à organização e tradições dos povos indígenas bem como atribui ao estado a demarcação e proteção destas áreas. Ainda, o art. 68 reconhece a propriedade definitiva, pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, de suas terras, devendo o Estado emitir os títulos respectivos para tanto. O texto do PL aprovado na Câmara reduz sobremaneira o direito dos povos indígenas e comunidades quilombolas, haja vista que deixa de fora da oitiva necessária da FUNAI, Fundação Palmares e INCRA a afetação de terras indígenas ainda não demarcadas, bem como os territórios quilombolas que não foram reconhecidos/titulados ainda. Vale lembrar que se aplica no Brasil a Convenção OIT 169, a qual garante a proteção dos direitos e culturas dos povos tradicionais, estatuindo a sua necessária oitiva e escuta quando houver atividade que possa impactá-los.
Diante do exposto, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, por meio de seu Grupo de Trabalho em Meio Ambiente, reitera a sua manifestação contrária à presente redação do Projeto de Lei 3729/2004 pela incompatibilidade com a Constituição Federal pelos quatro princípios aqui relatados.
São Paulo, 11 de junho de 2021.
SBPC