A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) publica manifestação contra à Resolução nº 11, de 26 de março de 2020, assinada pelo general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, coordenador do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB), que no seu artigo 6º, aprova a Matriz de responsabilidade dos órgãos que integram o Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e sumariza os atos para a remoção e o reassentamento em Alcântara. A carta alerta que, de acordo com associações locais de quilombolas, essas ações poderão atingir 30 comunidades e mais de 800 famílias e levar à subtração de mais de 12.000 hectares do território reivindicado em função da expansão do Centro de Lançamento de Alcântara. A SBPC solicita a desconsideração da Resolução já que ela constitui “um ato contra as comunidades quilombolas e sua sobrevivência.”
A SBPC afirma que é contra a remoção forçada das comunidades quilombolas do município de Alcântara e tem reiterado esse posicionamento em diversos fóruns, eventos e moções, sempre a partir de debates e reflexões acuradas, em particular na Moção aprovada na Assembleia Geral de sua 69º Reunião Anual, em 2017.
Leia abaixo a carta na íntegra:
MANIFESTAÇÃO DA SBPC
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vem por meio desta carta externar posição contrária à Resolução nº 11, de 26 de março de 2020, assinada pelo general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, Coordenador do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB). Tal resolução, no seu artigo 6o, aprova “a Matriz de responsabilidade dos órgãos que integram o Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro” e sumariza os atos para a remoção e o reassentamento em Alcântara que, de acordo com associações locais de quilombolas, poderão atingir 30 comunidades e mais de 800 famílias e levar à subtração de mais de 12.000 hectares do território reivindicado em função da expansão do Centro de Lançamento de Alcântara.
A SBPC se manifesta contra a remoção forçada das comunidades quilombolas do município de Alcântara e tem reiterado esse posicionamento em diversos fóruns, eventos e moções, sempre a partir de debates e reflexões acuradas, em particular na Moção aprovada na Assembleia Geral de sua 69º Reunião Anual, em 2017. Defendemos intransigentemente os princípios democráticos expressos por convenções internacionais que asseguram a proteção dos auto-definidos “povos e comunidades tradicionais” nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Constituição Brasileira de 1988, conforme seus artigos 215 e 216 e, notadamente, o artigo 68 do Ato de Disposições Transitórias (ADCT), que assegura direitos às comunidades quilombolas e estabelece o seguinte: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Entendemos que a mencionada Resolução mistura a Consulta Livre, Prévia e Informada com a execução arbitrária e autoritária de medidas a cargo de instituições e órgãos públicos. Na mesma linha, aciona formas de condução, silenciamento, consensualidade e desentendimento ao constituir os modos e as formas, sintetizados em um “Plano de Consulta às Comunidade” que, no seu Art. 4º, aprova “as diretrizes destinadas a orientar a elaboração do Plano de Consulta às comunidades quilombolas do município de Alcântara, Estado do Maranhão, com vistas a atender ao estabelecido na Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho, e autorizar a feitura do mencionado Plano pelo Grupo Técnico do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro constituído na forma do art. 2º da Resolução nº 8/CDPEB/2019, de 7 de agosto de 2019”.
No ano de 2002 foi produzido no âmbito do trabalho de perícia, por solicitação do Ministério Público Federal (MPF), o laudo antropológico de identificação e reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombos. O laudo pericial identificou 159 comunidades quilombolas localizadas na Área do Decreto de desapropriação de terras, perpetrado pelo governo federal para implantação do CLA. Em 2004 foi emitido certificado de reconhecimento dos direitos territoriais pela Fundação Cultural Palmares, pertinente ao conjunto dessas unidades sociais, cabendo ao Estado dar continuidade aos procedimentos legais cabíveis de emissão do título de propriedade. Este é um ato, um procedimento, uma medida jurídica que precede qualquer intervenção no território etnicamente configurado de Alcântara, que não pode ser subtraído de áreas físicas que respondem às necessidades e sistemas de uso comum desses povos.
A Resolução Nº 11 de 26 de março é tornada pública em um tempo de profunda comiseração mundial pelo avanço da pandemia do COVID-19 e mostra-se em visceral desrespeito à dignidade dos quilombolas de Alcântara, o que atinge todos os quilombolas do Brasil e os que defendem respeito e valores de solidariedade humana. Diante do exposto a SBPC discorda das proposições contidas na referida Resolução e solicita a sua desconsideração por se constituir em um ato contra as comunidades quilombolas e sua sobrevivência.
São Paulo, 30 de março de 2020
ILDEU DE CASTRO MOREIRA
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
Leia aqui a carta em PDF.
Jornal da Ciência