Não existe receita para bons resultados em segurança pública, mas alguns ingredientes estão sempre presentes nos casos bem-sucedidos. O mais importante é o compromisso pessoal do(a) governador(a) e do(a) prefeito(a) como principais fiadores da política e líderes do processo de articulação das diversas forças envolvidas. Outro ingrediente fundamental é a aplicação da ciência e tecnologia na gestão da área.
Quem pontua é de Daniel Cerqueira, diretor de Estudos e Políticas de Estado do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Ele foi o conferencista da sessão “Ciência e Segurança Pública”, realizada sexta-feira (2/9) no Auditório do Centro de Ensino de Graduação/CEGOE da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
A conferência é parte da série “Contagem Regressiva para o Bicentenário: Rumos à Independência”, promovida pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Com sessões que começaram em 30 de agosto e vão até 7 de setembro, a série discute como a ciência pode contribuir para a soberania e independência nacional em temas estratégicos como meio ambiente, saúde, educação, industrialização e outros. Todas as sessões estão sendo transmitidas ao vivo pelo canal da SBPC no Youtube.
A conferência de Cerqueira foi apresentada por Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão, professora da UFRPE e Secretária Regional da SBPC em Pernambuco (biênio 2021-2023) e contou com a participação de Murilo Cavalcanti, Secretário de Segurança Cidadã da Prefeitura do Recife.
Pesquisador desde 1999 da Economia do Crime e Segurança Pública, Cerqueira é conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Assessorou o governo do estado do Espírito Santo na implementação do programa Estado Presente (EP), experiência que ele trouxe para sua apresentação. Segundo o Atlas da Violência 2021, a taxa de homicídios no Espírito Santo caiu de 56,9 por 100 mil habitantes em 2009 para 26 em 2019.
Na visão do conferencista, a liderança e o compromisso dos chefes dos executivos estaduais e municipais são fundamentais para o êxito de qualquer programa na área de segurança pública. Se por um lado, o prefeito é quem tem a necessária capacidade de articulação e mobilização dos diversos atores sociais envolvidos na questão, por outro só o governador pode mediar o conflito existente no Brasil entre as forças de segurança (polícias militares e civis).
Cerqueira também defendeu a aplicação da ciência e tecnologia na gestão da área, com políticas baseadas em evidências científicas e um modelo profissional de gestão baseado em diagnóstico territorial, planejamento, monitoramento, avaliação contínua das ações conforme resultados, sempre no sentido da diminuição de crimes e da sensação de segurança. “É a revolução do método”, definiu.
Sobre o armamento da população civil, defendido pelo governo federal, o economista explicou que “na teoria, há pensamentos diametralmente opostos”, com argumentos pró e contra. No entanto, frisou, há evidências de 130 estudos em dez países provando que legislações com maiores restrições às armas de fogo são associadas com reduções nas mortes por armas de fogo.
Para Cerqueira, todos os aspectos de um programa de segurança pública baseado em evidências dependem da implantação de um sistema de governança que permita identificar os problemas quando eles surgem, além de articular e mobilizar os diferentes atores sociais estatais para solução e mitigação. “Você pode pensar em ter uma ‘carta náutica’, um plano de segurança que leve a um porto seguro, mas é preciso ter um navio consistente, robusto, para que ele consiga passar pelo mar revolto. E esse navio robusto é um sistema de gestão”, afirmou.
Murilo Cavalcanti, Secretário de Segurança do Recife, apresentou o caso de Medellín, cidade da Colômbia conhecida por ter revertido o quadro de violência crônica de décadas, que ele estudou, visitou nove vezes e escreveu um livro sobre o caso – “Conexão Medellín Recife Compaz” lançado em março.
Segundo Cavalcanti, um dos motivos para o sucesso da cidade colombiana no combate à violência foi uma “safra de bons gestores”, com quatro prefeitos que ajudaram a tirar a cidade “literalmente do inferno”. Sobre o Brasil, assim como Cerqueira, Cavalcanti destacou a extrema desigualdade social como raiz do problema. “Temos uma parte da classe média e alta do Brasil que são muito egoístas, só veem violência quando um menino assalta, mas existem vários tipos de violência. As comunidades são violentas e violentadas nos seus direitos”, declarou o Secretário.
Assista à conferência “Ciência e Segurança Pública” na íntegra, pelo canal da SBPC no Youtube.
Janes Rocha – Jornal da Ciência