Uma das recomendações é de que toda e qualquer pesquisa científica com seres humanos seja regulamentada por um conselho ou instância vinculada ao MCTI
Especialistas da área de saúde e cientistas sinalizam apoio ao Projeto de Lei (PL 200/2015) que institui mecanismos mais ágeis para realização de pesquisas clínicas, mas apresentam propostas para melhoria do texto. O consenso é de que há necessidade de uma legislação para acelerar a análise dos protocolos de pesquisas científicas com seres humanos, embora existam divergências em outros pontos.
De autoria da senadora Ana Amélia (PP-RS) e dos senadores Waldemir Moka (PMDB-MS) e Walter Pinheiro (PT-BA), a proposta foi discutida nesta terça-feira, 10, em audiência pública, na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado Federal.
Representando a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a cientista Fernanda Sobral, conselheira da instituição, destacou o vácuo legislativo que existe nas pesquisas clínicas e considerou pertinente a iniciativa de se colocar em discussão a regulamentação dessa área.
A conselheira da SBPC, porém, vê falhas na proposta. Afirmou que o projeto de lei se limita às pesquisas clínicas e aos ensaios clínicos e deixa de fora as demais pesquisas científicas que envolvem seres humanos. Entre essas, estão as pesquisas das áreas de ciências humanas e sociais, que também estão concentradas hoje na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), vinculado ao Ministério da Saúde. Um exemplo são as pesquisas científicas relacionadas à vida nas grandes cidades.
De acordo com Sobral, a legislação precisa abordar a pesquisa clínica e a pesquisa que incluem seres humanos de forma geral. “Há uma grande parte das pesquisas envolvendo seres humanos que também sofrem com as mesmas dificuldades na análise dos ensaios clínicos, mas que não estão sendo contempladas no projeto de lei”, alertou.
A conselheira da SBPC também questionou o papel que os CEPs (comitês de ética em pesquisa), hoje presente em 720 hospitais universitários, teriam em uma eventual aprovação do Projeto de Lei 200/2015. Ela comenta que também busca mais explicações sobre o que seria o papel do CEI (Comitê de Ética Interdisciplinar), previsto na proposta. Nesse contexto, Sobral questionou a necessidade da existência de ambos. “Não está muito claro o papel de cada um. E não é explicitado (no texto) sobre o que seria esse órgão superior”.
A recomendação da SBPC é de que toda e qualquer pesquisa científica com seres humanos seja regulamentada por um conselho ou instância reguladora vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), já que esse órgão coordena todas as atividades de pesquisa do País e regulamenta, também, a pesquisa pré-clínica (in vitro e com animais), por intermédio do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). No caso da pesquisa clínica, a SBPC sugere que essa instância tenha participação do Ministério da Saúde, trabalhando em uma gestão compartilhada com o MCTI.
O vice-presidente de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rodrigo Guerino Stabeli, também apresentou contribuições para o aperfeiçoamento do projeto. Uma das recomendações é assegurar o acesso gratuito e por tempo indeterminado aos pacientes voluntários na pesquisa do tratamento desenvolvido, desde que a eficácia seja comprovada.
Sistema CEP/Conep em xeque
Na prática, o projeto de lei coloca em xeque a sobrevivência do sistema CEP/Conep, criado há cerca de 20 anos, e que ainda enfrenta críticas, diante da morosidade na análise dos protocolos de pesquisa, que emperra o dinamismo dessa área no País e inviabiliza o desenvolvimento de medicamentos e vacinas.
O presidente da Aliança Pesquisa Clínica Brasil, Fábio Franke voltou a criticar a fila de espera de estudos que aguardam a regulamentação na Conep. Disse que o Brasil responde por 2% dos estudos clínicos realizados no mundo. Segundo ele, a aprovação do projeto de lei pode estimular consideravelmente os ensaios clínicos, atraindo o interesse de investimentos estrangeiros.
Com posicionamento semelhante, o professor titular de Oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor-geral do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, Paulo Hoff, reforçou a necessidade de agilizar a tramitação dos processos de pesquisas clínicas. Segundo disse, estudos têm demorado mais de um ano para obter autorização pela Conep, sem considerar o prazo necessário da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que também precisa aprovar os protocolos.
“Não podemos perder essa oportunidade. Temos de resolver isso agora ou vamos nos arrepender amargamente no futuro”, declarou.
O coordenador da Conep, Jorge Venâncio, contestou as críticas no âmbito do órgão vinculado ao Conselho Nacional de Saúde. Destacou que o órgão vem trabalhando para reduzir os prazos de tramitação dos protocolos de pesquisa.
Venâncio declarou que o tempo médio de resposta no trimestre de maio a julho, deste ano, caiu para 48 dias, em média. “A ideia de que ainda temos projetos demorando de um ano a um ano e meio é uma coisa inteiramente fora da realidade do momento atual”, disse. Citou como exemplo a recente aprovação das pesquisas de fase três da vacina contra dengue, em desenvolvimento por pesquisadores do Instituto Butantan, dentro dessa média, “compatível com os níveis internacionais”.
“Gostaria de chamar a atenção para esse aspecto. É preciso procurar trabalhar com os dados reais do que está acontecendo”, disse. “Veicular prazos fora da realidade prejudica o País ao receber novos estudos e traz prejuízos”, complementou e afirmou não poder responder pela Anvisa na questão da morosidade.
O coordenador da Conep acrescentou, ainda, que existem medidas, em andamento, para evitar a duplicidade na análise dos protocolos de pesquisa e evitar descentralização da Comissão nas avaliações dos protocolos.
Mesmo diante do atual cenário, Venâncio afirmou que também enviará sugestões para o relator do Projeto de Lei na CCT, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que solicitou a audiência pública. O relator disse que buscará acatar todas as contribuições para seu relatório, previsto para ser elaborado em uma semana, mais ou menos. A intenção é buscar aperfeiçoar o texto para que a proposta não enfrente divergência nas fases de tramitação no Congresso Nacional.
(Viviane Monteiro/ Jornal da Ciência)