No ano em que completa 70 anos de sua fundação, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) continua se empenando não só em fortalecer a atuação da comunidade científica, da inovação e da educação, mas também se preocupa em manter viva a memória da entidade e da Ciência do País.
Pensando nisso, a SBPC está lançando o projeto “SBPC Recordar”, que traz uma série de vídeos com depoimentos de personalidades da entidade que participam e/ou participaram desta história septuagenária e lembram com ternura da atuação da entidade em momentos cruciais da vida do País.
A ideia é resgatar a memória afetiva que esses personagens têm de sua participação e atuação nestas sete décadas em que o País passou por ditadura, nova Constituição, industrialização e desindustrialização, expansão das universidades e do sistema de pesquisa e pós-graduação, de aprovação de legislações voltadas ao desenvolvimento científico, bem como da criação de instituições de C&T que fortaleceram e criaram uma agenda para o setor.
Assim, para inaugurar a “SBPC Recordar”, um nome mais que oportuno é o do professor Sergio Mascarenhas, que neste mês de maio comemora 90 anos de idade – 71 deles dedicados à atividade científica.
A série “SBPC Recordar” faz sua estreia com oito vídeos curtos, feitos a partir de uma longa e encantadora entrevista gravada há dois anos com o professor Sergio Mascarenhas, no Laboratório Aberto de Interatividade da UFSCar (LabI), com apoio e colaboração do professor Adilson J.A. de Oliveira, então vice-reitor da UFSCar, do professor Francis M.F. Nunes, secretário regional da SBPC e contou com a presença do professor Glaucius Oliva, conselheiro da SBPC.
Na entrevista ele fala, entre outras coisas, sobre a luta contra a ditadura e as prisões de cientistas, a atuação da SBPC na criação da Comissão de C&T da Câmara Federal, a origem da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), a proposta de criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, a elaboração do programa de Centros Emergentes como Capes, CNPq, Finep, a fundação de Institutos Nacionais de C&T, Centros e Museus de Ciências, Embrapa e Educação, também sobre a criação da UFSCar, além de suas recordações da criação do Curso de Música na Escola de Engenharia de São Carlos e do Fórum Unicamp.
Mascarenhas, que é presidente de honra da SBPC, foi protagonista no desenvolvimento da ciência do País. Foi ele um dos fundadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento de Instrumentação Agropecuária da Embrapa (Embrapa Instrumentação).
Deste período, o físico-químico destacou na entrevista as conversas com o então prefeito de São Carlos, que reclamava das desapropriações para a construção do campus da UFSCar. “Eu era o presidente do Conselho curador (da UFSCar) e o prefeito ficou uma fera comigo porque ele achava que aquilo seria uma despesa muito grande para a cidade. E eu disse, ‘olha, essa é uma universidade pra séculos, não pra daqui a pouco. Uma universidade que vai precisar de campus grande e de espaço’”, lembra.
Ele também criou o Instituto de Física e Química da USP de São Carlos e o primeiro curso de Engenharia de Materiais da América Latina, na UFSCar. Foi professor convidado das mais prestigiosas universidades do mundo, como Harvard, Princeton e o MIT. A lista de prêmios que já recebeu é imensa: de Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, Prêmio de Mérito Científico, na classe de Grã Cruz, o Prêmio Conrado Wessel de Ciência e Cultura 2006, entre tantos outros.
Uma difusão científica de qualidade pode causar uma boa epidemia de ciências e, segundo Mascarenhas, é isso que a SBPC vem fazendo. “O Museu de Ciências foi uma coisa interessante em que a SBPC esteve envolvida e que só foi possível criar a Estação Ciência pela atuação da SBPC. Com isso, veio o primeiro livro sobre museus e centros de ciências, isso se alastrou pela América Latina. Eu diria, então, que sem essa difusão você não traz a ‘epidemia’ de ciência ao País. A gente só pensa no zika, que tal a gente pensar numa epidemia de C&T no Brasil?”, exemplifica e provoca o cientista.
Para a professora Vanderlan Bolzani, vice-presidente da SBPC, Sergio Mascarenhas é a própria história viva da ciência brasileira e com sua visão estratégica contribuiu para a descoberta de outros talentos, criando novas frentes de pesquisa no País. “Além de grande cientista, o professor Mascarenhas tem uma característica que poucos têm: liderança politizada, que tem um olhar à sua volta não apenas de pesquisador, mas de grande humanista que ele é. De identificar pessoas e colocá-las à frente de grandes projetos, agregá-las em pontos estratégicos para o País.”
O depoimento do professor Mascarenhas mostra que a SBPC vem não apenas agregando e representando a ciência do País, como defende Bolzani, “mas participando da vida brasileira principalmente em momentos dramáticos, em que a educação e a ciência estiveram ameaçadas, como na ditadura, quando a SBPC teve coragem de fazer o enfrentamento necessário. Então, registrar as ações, o trabalho e, principalmente, o resultado ao longo desses 70 anos é muito importante para preservar o passado e pavimentar o futuro das próximas gerações.”
A série “SBPC Recordar” é uma iniciativa do Centro de Memória Amélia Império Hamburger e a historiadora Áurea Gil, uma das responsáveis pelo projeto, esclarece que o objetivo é resgatar a memória da SBPC fora dos corredores da academia ou das instâncias institucionais. “Sabemos que a SBPC tem uma vasta atuação e muitos registros de sua história, mas a memória afetiva, o registro oral das pessoas que construíram essa história de 70 anos ainda é escasso. A série pretende resgatar essa memória que passa pelo coração dessas pessoas, trazendo de volta o verdadeiro significado da palavra recordar, cuja etimologia é ‘trazer de novo ao coração’”, esclarece.
Uma vida dedicada à ciência
Sergio Mascarenhas graduou-se em Física pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (1952) e em Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1951). É professor titular da Universidade de São Paulo – Instituto de Física e Química de São Carlos (atualmente aposentado). Professor visitante nas Universidades de Princeton, Harvard, MIT (EUA) e também na Universidade Nacional Autonoma e Centro de Estudios Avanzados (México), no Institute of Physical and Chemical Research (Japan), na London University (RU) e no Inst. Center for Theoret. Physics – Trieste e Univ.de Roma (Itália).
Orientou cerca de 50 teses de mestrado e doutorado, publicou cerca de 200 trabalhos e livros no Brasil e no exterior. Tem experiência na área de Física, com ênfase em Física da Matéria Condensada, atuando também nos seguintes temas: Biofísica Molecular; Física Médica; Física e Dosimetria das Radiações; Ciência e Engenharia de Materiais; Tomografia Computadorizada aplicada a polos e agropecuária; Educação para Ciência; Ciência e arte em Arqueologia e restauro.
Recebeu os seguintes prêmios: Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico (Presidência da República); Guggenheim Award (EUA); Fullbright Award (EUA); Yamada Foundation Award (Japão); Professor Emérito do Instituto de Física e Química de São Carlos (IFQSC/USP); Professor Emérito da Universidade Nacional (México); Cátedra Honorária M. Vallarta (México – Univ. Nac. Autonoma); Cidadão Honorário da cidade de São Carlos; Professor Emérito, Conferido pela Congregação do Instituto de Física de São Carlos em 16 de setembro de 1999; Prêmio de Mérito Científico, na classe de Grã Cruz, outorgado pelo presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em 15 de agosto de 2002. Professor Honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP, desde 14 de agosto de 2003. Peão da Tecnologia, homenagem da Fealtec, pela criação dos grupos de pesquisas pioneiros que resultaram no Polo de Alta Tecnologia de São Carlos (2003). Voto de Aplauso pelo prêmio de Pesquisador Emérito do CNPq, pelo seu trabalho e pelo pioneirismo em favor da ciência brasileira, outorgado pelo Senado Federal, senador Arthur Virgílio (Requerimento no. 473, de 2006), em 26 de abril de 2006. Fundação Conrado Wessel de Ciência e Cultura 2006, premiado na modalidade de Ciência Geral. Doutor “honoris causa” pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) (2012). Doutor “honoris causa” pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) (2013).
Comprovando sua inquietude e amor pela ciência, Mascarenhas teve, há cerca de dez anos, um problema de saúde. Ao Investigar seu próprio estado, descobriu que estava com hidrocefalia, tendo ficado inconformado com o método utilizado para o monitoramento da pressão intracraniana. Assim, auxiliado por um grupo de colegas pesquisadores, desenvolveu um sensor que, de forma não-invasiva, consegue medir as oscilações verificadas na pressão intracraniana de pacientes propensos a esse tipo de anomalia, equipamento esse que já recebeu vários prêmios nacionais e internacionais.
Assista aos vídeos no canal da SBPC no Youtube
Marcelo Rodrigues, estagiário da SBPC, para o Jornal da Ciência