Os 20 anos de sucesso do Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD) foram tema de uma sessão especial nessa quarta-feira, 19, na 69ª Reunião Anual da SBPC. “A gente fez questão de fazer uma sessão especial porque, no Brasil, poucas coisas duram. Ter um programa desses por 20 anos é muito importante”, comemorou a presidente da SBPC, Helena Nader, na abertura do evento. “Um programa de longo prazo no Brasil merece esse destaque porque é isso que a gente espera desse país”, complementou Mario Neto Borges, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), responsável pelo programa.
Os elogios fazem justiça à história do PELD, um programa que nasceu da necessidade de consolidar o conhecimento existente na década de 1990 em ecologia e evoluiu para um dos mais importantes e longevos sistemas de estudo dos biomas brasileiros. O número de sítios analisados triplicou nessas duas décadas e os projetos conduzidos dentro do programa foram fundamentais na consolidação dos estudos da ecologia no Brasil.
Um trabalho árduo, como lembrou o coordenador do PELD/UFMG da Bacia do Rio Doce, Francisco Barbosa. “Eles são muito heterogêneos e de alta complexidade. Por isso, coordenar esses sítios não é uma situação trivial.” Passaram pelo gerenciamento de Barbosa 90 pesquisadores com mais de 100 projetos no Rio Doce.
Nas duas décadas, cerca de 2,5 mil pessoas atuaram em sítios PELD, mais de 2,7 mil artigos científicos foram publicados, 600 teses e mil dissertações partiram do programa. “Existe uma relação muito estreita entre o PELD e a graduação em ecologia e isso é muito importante para o programa”, frisou Marisa de Araújo Mamede, da coordenação do Programa de Pesquisa em Gestão de Ecossistemas do CNPq.
Uma das grandes vantagens de um programa de longo prazo é a possibilidade de criar referências, que podem encurtar o caminho de pesquisas futuras. Desde 2015, a base de dados do PELD está aberta a todos os pesquisadores e interessados, outra vitória do programa. O próximo passo, apontado por Marisa Mamede, é evoluir para um centro de sínteses. “A gente tem dado muita atenção a essa articulação capaz de beneficiar a sociedade com resultados”, explicou.
História
O PELD foi inspirado por outro projeto de análise integrada tocado pelo CNPq na década de 70, o Programa Integrado de Genética (PIG), conduzido pelos geneticistas João Lúcio de Azevedo e Edmar Chartone de Souza. Os primeiros passos foram dados com o Programa Integrado de Ecologia (PIE) e, em 1996, houve a consolidação da proposta do PELD.
O primeiro edital, o 001/1997, selava o início da história do programa estipulando as regras de trabalho em nove sítios por meio de 22 projetos. A partir daí, o PELD só cresceu. São mais de 30 sítios em estudo em um trabalho reconhecido internacionalmente pela sua importância. O programa é membro do International Long Term Ecological Research (ILTER), rede que congrega 40 países com 1,017 mil sítios somados.
Parcerias
Uma das virtudes do PELD é a busca contínua por parcerias dentro e fora do governo. Desde 2016, o programa ganhou um apoiador de peso: o governo britânico. A parceria foi selada por meio do Instituto Newton, instituição britânica de apoio ao desenvolvimento atuando em várias áreas do conhecimento, entre elas o manejo de áreas de proteção ambiental. Segundo o cônsul Thomas Nemes, o Reino Unido pretende investir 130 milhões de libras esterlinas até 2020 no Brasil, aproximadamente R$ 530 milhões.
O Brasil tem grande vantagem em duas áreas de interesse do governo britânico: mudanças climáticas e renovação energética. “Nós, do Reino Unido, temos que destacar o papel fundamental do Brasil nesse diálogo”, afirmou Thomas Nemes. “É uma felicidade celebrar essa parceria entre o PELD e o Instituto Newton”, destacou o cônsul britânico em Belo Horizonte.
No âmbito da administração pública, as parcerias também avançam especialmente no diálogo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Atualmente há um claro ponto de contato entre o PELD e os programas de conservação ambiental. Por exemplo, 22 sítios do programa estão localizados em 28 unidades de conversação. Isso estreitou o contato com o Instituto Chico Mendes (ICMbio) e já existem negociações para ampliar a atuação da autarquia na gestão do PELD.
O presidente do CNPq vê também a oportunidade de reforçar os recursos do programa com essa expansão da influência do PELD. “Estou de olho nas multas do Ibama”, contou Mario Neto. A intenção é converter parte dos recursos pagos como compensação ambiental para a pesquisa ecológica.
Importância
O papel mais relevante do PELD é ampliar o conhecimento do nosso meio ambiente. Isso é muito importante não apenas para saciar a sede de conhecimento dos cientistas, mas para a sociedade como um todo, especialmente em uma época histórica de grandes perdas naturais. Como frisou o pioneiro do programa Francisco Barbosa, estamos passando pela 6ª extinção em massa e a 1ª causada exclusivamente pela atividade humana. Hoje a taxa de extinção já está em 100 por milhão de espécie por ano. A projeção é que esse índice possa chegar a 10 mil no século XXI. “Esse é o grande desafio”, definiu Barbosa.
Outro dado chocante é que um quarto dos rios secam antes de atingirem os oceanos por conta do mau uso dos recursos hídricos. “O Brasil, por exemplo, não trata nem 40% do esgoto”, calculou o coordenador. Uma economia aparente, mas que gera um alto custo, inclusive financeiro. Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apresentados por Barbosa, países em desenvolvimento perdem R$ 1,6 bilhão ao ano apenas por não investirem em saneamento básico.
Soluções para estes desafios podem chegar mais rápido com o trabalho conduzido nos PELD. Aí está a importância de consolidar o conhecimento gerado nos sítios e ampliar o acesso à informação. “Acho que o PELD tem a possibilidade de contribuir de forma significativa”, analisou o pioneiro.
A curiosidade que move o PELD por 20 anos é garantia de que há material a pesquisar pelos próximos 20 anos, pelo menos. “No dia em que a gente conhecer tudo, encerrou a vida. Porque a vida é desconhecer alguma coisa”, lembrou a presidente da SBPC, Helena Nader.
Mariana Mazza – para o Jornal da Ciência