Convocada por requerimento do Deputado Bacelar (Podemos-BA), a sessão plenária desta quarta-feira (15/10) na Câmara dos Deputados foi transformada em Comissão Geral em Defesa das Universidades Públicas, Institutos Federais e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Para a socióloga Fernanda Sobral, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o evento, que reuniu reitores, professores e parlamentares, serviu como alerta de que a sociedade está mobilizada contra os ataques às universidades públicas, institutos federais e as agências (CNPq, Capes e Finep). “Estamos atentos aos ataques e aos cortes no geral”, comentou Sobral.
Em seu discurso de abertura, Bacelar criticou a possível fusão do CNPq e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e afirmou que o Ministério da Educação (MEC) “se pauta por temas rasos” e “polêmicas ideológicas”. “É nítido que o governo Bolsonaro não tem nenhum projeto para superar as imensas dificuldades da educação e os que haviam, formulados por técnicos de alto nível, foram destruídos”.
Convidada à mesa da plenária, Fernanda Sobral destacou várias inovações produzidas por pesquisadores de dentro das universidades públicas que hoje reforçam a economia e o bem estar dos brasileiros como a agricultura, a produção animal, a automação bancária, a automação do processo eleitoral e a extração de petróleo em águas profundas, um trabalho conjunto entre o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) e a Petrobras.
“A terapia de câncer noticiada pela Globo (em reportagem do Fantástico exibida domingo 13/10) é fruto da universidade pública. No mesmo telejornal, um cientista brasileiro de 91 anos, Sérgio Mascarenhas, mostrou uma descoberta muito importante de um aparelho para medir a pressão craniana de pessoas que sofrem com hidrocefalia”, disse Sobral. Ela também frisou a importância das ciências humanas, como fonte de conhecimento aplicado em diversas políticas públicas e apontou que as universidades federais e estaduais estão na frente dos principais rankings de ensino superior, como os internacionais Times Higher Education e Clarivate Analytics, e o nacional RUF, da Folha de São Paulo. “Entre os resultados do Enade em 2018, 492 cursos superiores tiraram a nota máxima no Enem (6%), a maior parte ofertada por instituições federais”.
Apesar da enorme contribuição à educação no País, as universidades sofreram cortes de 18% este ano em seu orçamento de R$ 6,4 bilhões, o equivalente a R$ 1,2 bilhão, de acordo com dados da Andifes. “Temos que fazer três tipos de escolha: as do futuro, a partir de tendências na fronteira do conhecimento; as do presente, a partir do desenvolvimento de áreas estratégicas nacionais definidas em planos; e a partir de necessidades regionais e locais”, alertou a vice-presidente da SBPC. Para ela, há ações imediatas às quais a universidade pública brasileira tem dado respostas, por exemplo, o caso do vírus zika.
“Além dessas, há as escolhas eternas ou permanentes, que representam a história das instituições acadêmicas, ou seja, preservar o modelo intelectual que historicamente norteou a vida acadêmica e que defende a universidade como espaço social e acadêmico sui generis”.
Em um discurso contundente, a vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, alertou que o Brasil está indo na contramão do mundo moderno, no qual prevalece a economia do conhecimento. Nader, que também é presidente de honra da SBPC, ressaltou a contribuição do CNPq para o desenvolvimento científico e tecnológico do País e deixou claro: “Sem ciência, a nossa economia teria desaparecido”.
Helena Nader disse ser a favor das universidades privadas, já que as públicas não dão conta da demanda por educação em um país de dimensões continentais, mas acha que é preciso investir em qualidade. Além disso, reiterou, a solução para grandes problemas do País saiu da universidade pública, com apoio do CNPq.
“E nós vamos virar as costas para o CNPq e para a Capes?” questionou. Frisando que participou, quando jovem, dos movimentos estudantis de resistência à ditadura militar (1964-1985), Nader fez questão de lembrar que quem criou as agências de financiamento da educação, ciência e tecnologia (CNPq, Capes e Finep) foram os governos militares. “Quem criou a Finep, dentro dessa visão de nação, foi o ministro Reis Velloso, ainda bem que ele faleceu, porque ele veria tudo o que ele criou sendo bombardeado” (falecido em fevereiro, o economista João Paulo dos Reis Velloso foi Ministro do Planejamento nos governos Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, entre 1969 e 1979).
A sessão durou quatro horas e deu espaço para pronunciamentos de diversos profissionais ligados ao ensino superior, além de parlamentares. Ricardo Fonseca, reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), falou dos “ataques simbólicos” às universidades, às instituições, muitas vezes colocadas como “pervertidas, aos professores, muitas vezes colocados como ociosos ou marajás”. Fonseca destacou um ponto que considera urgente: o processo de escolha dos dirigentes das universidades, porque nesse governo, segundo ele, quase metade dos reitores escolhidos não encabeçavam as listas de indicação da comunidade acadêmica.
Representando o governo estavam Tomaz Dias Santana (MEC) e Marcelo Morales (MCTIC), que se limitaram a expor as atividades inerentes a seus departamentos. Anderson Correia, presidente da Capes, apresentou os grandes números da agência, disse que este ano vão investir R$ 4 bilhões na educação, formação de professores e pesquisas. Ele pediu apoio dos parlamentares para a aprovação de proposta de emenda do governo que resgata R$ 300 milhões que serão aplicados em projetos para o Pibid (ação da Política Nacional de Formação de Professores do Ministério da Educação), residência pedagógica, Universidade Aberta do Brasil, Parfor (Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica), entre outros.
Janes Rocha – Jornal da Ciência