Sete de Setembro de 2022

“É inaceitável usurpar festa com interesse eleitoreiro e exaltação personalista”, afirmam Dom Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), José Carlos Dias, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns), Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Octávio Costa, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em artigo para a Folha de S. Paulo

Por ocasião dos festejos que marcam o bicentenário da Independência do Brasil, motivos não faltam para refletir sobre uma data histórica que diz respeito a todas as brasileiras e a todos os brasileiros. Trata-se de mirar o espelho onde se vê refletida a nação, com suas desigualdades e contradições, mas também com suas conquistas. Enfim, ver refletida a nação que somos.

Atravessando tempos tão difíceis, seria importante que todos pudessem comemorar o momento cívico em clima de paz, respeito e solidariedade, nos múltiplos espaços da convivência humana. No entanto, ao que nos parece, o que se reforça há semanas é a convocação para um ato público grandiloquente e dispendioso, planejado em detalhes para funcionar como uma demonstração de força a menos de um mês das eleições exatamente por quem vem ameaçando não reconhecer seus resultados.

Em síntese, tudo indica ser uma mobilização de recursos de toda ordem para capturar e transformar o momento cívico dos brasileiros em comício de campanha. Seguramente, não é o 7 de Setembro que o povo merece —e esta é a mensagem que as entidades autoras do “Pacto Pela Vida e Pelo Brasil”, celebrado no primeiro ano da pandemia e endossado por todo o país, querem deixar registrada nesta página.

Usurpar a comemoração oficial do bicentenário da Independência com interesse eleitoreiro e como parte de uma exaltação personalista não é algo que se possa aceitar. Ainda mais em um país que grita de fome. Onde o desemprego segue altíssimo em quase todos os setores, jogando milhões no olho da rua ou, quando muito, na informalidade. Onde milhões de crianças amargam o retrocesso de aprendizado e a evasão escolar, sem políticas públicas determinadas a resolver esta situação. Onde o preconceito e o racismo continuam a punir a população negra e pobre, os povos indígenas e os diferentes. Onde as estatísticas de feminicídio teimam em subir. E, não podemos nos esquecer, onde a mortalidade oficial da Covid-19 se aproxima de 690 mil vidas perdidas, deixando um rastro de desalento em todo o país.

Diante de quadro tão grave, entendemos que é chegado o tempo de brasileiras e brasileiros chamarem para si a data do bicentenário, tomando nas mãos algo que a história lhes confere e, ao mesmo tempo, cobra, qual seja, a defesa da democracia. Se há o que exaltar, neste momento, é o compromisso de toda a cidadania com algo precioso para o povo brasileiro: o sistema político que, não sendo perfeito, é o único no qual todos podem e devem ter voz, na construção de um projeto comum. Sem democracia, apagam-se as luzes, quebra-se o espelho, perde-se a nação.

Propomos que o bicentenário da Independência sirva como uma convocação geral da sociedade em defesa de datas cívicas que se avizinham. Que em 2 de outubro, 156 milhões de eleitores possam escolher os seus representantes com liberdade, tranquilidade e confiança nas urnas eletrônicas, amplamente testadas e reconhecidas.

Que em 30 de outubro, havendo votação de segundo turno para cargos majoritários de presidente e governadores, o mesmo pacto por eleições livres, limpas e pacíficas se mantenha. E, uma vez encerrada a contagem dos votos, que o resultado das urnas, seja ele qual for, seja imediatamente reconhecido como a mais fidedigna expressão da vontade popular. Estes são compromissos inarredáveis de uma nação que se quer independente.

Por fim, cabe reafirmar algo muito importante: soberania nacional não existe sem soberania popular. As entidades aqui representadas conclamam que o bicentenário da Independência seja entendido não apenas como a celebração de algo transcorrido 200 anos atrás, mas como uma tarefa, uma missão, um projeto de futuro que finalmente garanta ao povo brasileiro ser o protagonista de seu destino.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

José Carlos Dias
Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns

Helena Nader
Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)

Octávio Costa
Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

Renato Janine Ribeiro
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

Folha de S. Paulo

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