Uma carta de um velho cientista aos jovens pesquisadores abriu a semana de atividades da Mini Reunião Anual Virtual da SBPC nesse domingo, 12 de julho. Aos 92 anos de idade, e mais de 70 deles dedicados à atividade científica, o físico e químico Sérgio Mascarenhas proferiu a conferência de abertura do evento que acontece até o dia 24, com duas transmissões diárias ao longo desta semana pelo canal do YouTube da SBPC: às 12h e às 18h.
Considerado um dos protagonistas do desenvolvimento da ciência do País, Mascarenhas deixou uma mensagem de esperança aos jovens cientistas, especialmente às mulheres: “vocês precisam ocupar seu lugar, especialmente nesta sociedade altamente machista e escravista”, disse.
Sua conferência teve início com uma ilustração plena de significados, o mural Escola de Atenas, que o famoso pintor renascentista Rafael Sanzio pintou no Vaticano, entre 1509 e 1511. A obra foi encomendada pelo papa Júlio II (1443-1513) e está gravada em uma das paredes do salão chamado “Stanza della Segnatura”, onde o pontífice costumava assinar decretos da corte eclesiástica. “Uma grande mensagem do renascimento para a humanidade”, descreveu Mascarenhas.
O cenário exalta a pesquisa racional. Emoldurado por um arco pintado, representa os mais famosos pensadores da antiguidade. No centro, estão os dois grandes filósofos do mundo clássico, Platão e Aristóteles. Platão, que representa as ideias abstratas, aponta o dedo para cima. Aristóteles, à direita, com a palma para baixo, indica o mundo da matéria, a filosofia natural e empírica. “Essa é a grande síntese de todas as áreas do conhecimento humano”, resumiu o cientista.
Mascarenhas situa, assim, o humanismo, as artes e a filosofia, no centro de sua defesa de um desenvolvimento baseado na ciência e na tecnologia. “Se olharmos para o progresso, só temos um caminho para o País: a educação, a ciência, a tecnologia e o humanismo”, enfatizou.
Caminho que se trilha com um olho no passado e outro no futuro, como ressaltou o cientista. Mascarenhas contou a história de Junus, o deus romano de duas faces, que sintetiza a dualidade dos personagens centrais do Mural de Atenas. A face do homem se volta ao passado, enquanto a face da mulher contempla o futuro. “Para construir o futuro, temos que entender o passado”, observou. Sobre a influência dessas dualidades para a ciência – passado e presente, ideias abstratas e concretude -, resumiu citando Einstein: “teoria sem experimento é vazia. Experimento sem teoria é cego.”
Mascarenhas fez um breve resgate da história dos caminhos da ciência e da tecnologia no mundo, desde Newton, a uma visão muito mais ampla da natureza, e como esse caminho gerou desenvolvimento aos países que investiram na ciência e na educação como estratégia política. “Abdus Salam defendia que o caminho real para o progresso dos países em desenvolvimento seria a apropriação da ciência e da educação”, disse, ao recordar o comprometimento com o desenvolvimento científico nos países de Terceiro Mundo de outro físico famoso, o paquistanês laureado com o Prêmio Nobel em 1979. “Salam afirmava que nações sem ciência e tecnologia estavam fadadas a serem meras fornecedoras de commodities e mão de obra barata aos países ricos”, ressaltou.
Em sua mensagem dirigida aos jovens cientistas nesse domingo de abertura da Mini Reunião Anual Virtual da SBPC, o físico brasileiro convocou a nova geração a se unir e promover uma revolução na educação, na ciência e na tecnologia contra o subdesenvolvimento – “a grande causa das desigualdades em nosso país”.
Para isso, é necessário pensamento estratégico e, principalmente, planejamento do governo, que leve a uma Política de Estado. “Não é possível progresso duradouro sem uma visão ampla. Devemos trilhar os caminhos da inovação, da invenção, da capacidade de liberação que nos fornecem a ciência e a tecnologia, sem desprezar jamais as humanidades, que é o que traz o equilíbrio para esse crescimento. E sem desprezar jamais a força que as mulheres têm em nossa sociedade”, ensinou.
Presidente de honra da SBPC, Mascarenhas foi um dos fundadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento de Instrumentação Agropecuária da Embrapa (Embrapa Instrumentação). Também criou o Instituto de Física e Química da USP de São Carlos e o primeiro curso de Engenharia de Materiais da América Latina, na UFSCar. Foi professor convidado das mais prestigiosas universidades do mundo, como Harvard, Princeton e o MIT. E a lista de prêmios que já recebeu é imensa: de Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, Prêmio de Mérito Científico, na classe de Grã Cruz, a Prêmio Conrado Wessel de Ciência e Cultura 2006, entre tantos outros.
Assista à cerimônia de abertura da Mini Reunião Anual Virtual da SBPC na íntegra neste link.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência