Sociedade Brasileira de Progresso para a Ciência pede fim da EC 95 a candidatos

Para direcionar o que é preciso de fato fazer para o setor, a SBPC organizou, desde o começo do ano, debates e um documento para pressionar candidatos a assumirem certas ações pró-pesquisa e desenvolvimento

Grande parte dos candidatos à presidência da república colocam em seus planos de governo que ciência, inovação e pesquisa são pontos-chave para o crescimento da economia. Contudo, muitas vezes o termo “investir em pesquisa, inovação, etc.” pode ser muito vago. Para direcionar o que é preciso de fato fazer para o setor, a Sociedade Brasileira de Progresso para a Ciência (SBPC) organizou, desde o começo do ano, debates e um documento para pressionar candidatos a assumirem certas ações pró-pesquisa e desenvolvimento.

O grupo organizou um conjunto de proposições relacionadas a cinco principais grandes temas: Ciência, Tecnologia e Inovação; Educação Básica; Educação Superior e Graduação; Democratização da Comunicação; e Direitos Humanos.

“O nosso papel é de uma sociedade apartidária, não uma sociedade apolítica. Pelo contrário, nós achamos que fazer política pública adequada e propor soluções é um papel da comunidade científica é de todos os setores da comunidade brasileira. Ou seja, levar propostas para que o Brasil saia dessa crise grave em que se encontra”, aponta Ildeu Moreira, presidente do SBPC e professor do Instituto de Física da UFRJ.

documento é vasto, mas foi resumido em 10 pontos para melhor entendimento dos candidatos. As principais necessidades são a revogação da Emenda Constitucional 95, também conhecida como “teto dos gastos”. Um dos setores mais atingidos é o da pesquisa e inovação. Documento pede meta do PIB na casa de 2% para pesquisa e desenvolvimento, além da separação de ministérios de ciência, tecnologia e inovação e o de comunicação, hoje, unidos.

Em junho, a instituição organizou sua reunião anual e convidou os três melhores colocados na época para as pesquisas eleitorais. O primeiro foi o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, até então candidato do PT. Pela prisão, o partido enviou o ex-ministro de Lula, Sérgio Rezende, que participou de debates na comunidade. Jair Bolsonaro, do PSL, segundo nas intenções de voto na época, também foi convocado. “Na sequência, nós convidamos o candidato Bolsonaro, que não respondeu, enviamos nova solicitação, mas não houve resposta”, explica Moreira.

Ciro Gomes, do PDT, também convidado, enviou vídeo ao evento em que se comprometeu a participar do debate. Em setembro, o candidato participou de debate na sede do SBPC, comprometendo-se com ações apontadas pelo grupo.

Ainda, segundo Moreira, outros candidatos como Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB) e João Amoedo (Novo) também buscaram a SBPC para se comprometerem com os pontos listados.

Investimentos

A base dos requerimentos do SBPC é a revogação da Emenda Constitucional. Segundo Moreira, o setor de pesquisa, já com investimentos decrescentes nos últimos anos, vai passar ainda por mais dificuldades para o ano que vem.

“Isso é algo que absolutamente desmonta o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, que vinha crescendo nos últimos anos. Em termos de pessoas formadas, em termos de grupo de pesquisa, de instituição de pesquisa, em produção científica, veio crescendo bastante até 2013. De lá para cá, começou a redução dos recursos de 2014 — foi um pouquinho; em 2015, foi um pouco mais; de 2016 até 2018 foi muito mais. Agora, [o cenário] está desenhado para 2019. Então para se ter ideia, o orçamento do ministério de Ciência Tecnologia e Inovação e Comunicações para investimento, não retirando a parte de pagamento de pessoal, está previsto na ordem de um terço do que era 10 anos atrás. Então, isso é catastrófico”, revela.

Um dos setores com mais dificuldades para o ano que vem é a Financiadora de Estudos e Projetos, principal empresa pública que direciona investimentos para pesquisa e inovação. Tal direcionamento é feito por um Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o qual já deve começar o ano que vem no vermelho.

A FINEP já tem compromissos assumidos para 2019 na ordem de R$ 1,6 bilhão. Contudo, pela EC 95, o órgão poderá gastar somente pouco mais da metade disso, na casa de R$ 900 milhões, como mostra relatório do FINEP de julho deste ano.

Outro órgão prejudicado com o “teto dos gastos” foi o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Nós vamos fazer isso em novembro, vamos fazer pressão no Congresso, para que a gente recupere as perdas que o CNPq está tendo. O CNPq vai precisar de pelo menos R$ 400 milhões para poder funcionar como está funcionando neste ano. Isso porque [a verba] já está muito menor do que outros anos”, informa Moreira.

De fato, segundo informações levantadas pelo Estadão, o orçamento do conselho deve cair de R$ 1,2 bilhão para R$ 800 milhões, a partir do ano que vem (daí a redução de R$ 400 milhões a que Moreira se refere). O CNPq, já tem R$ 900 em dívidas assumidas com bolsas de pesquisa para o ano que vem.

Outro órgão de fomento à pesquisa no Brasil, a CAPES, informou que já não teria verba para bancar bolsas de pós-graduação em 2019. Em carta aberta ao governo, o presidente da CAPES, Abilio Baeta Neves, disse que teria de interromper projetos de pesquisa de mestrandos e doutorandos, em um corte estimado na casa de R$ 580 milhões.

Outros investimentos

O que o presidente do SBPC também informa é que não são apenas investimentos da academia que estão sendo congelados. O FINEP possui o que se chama de Fundo Setorial, recolhido de iniciativa privada para desenvolvimento de tecnologias que podem retornar produtos e avanços tecnológicos.

Moreira aponta que tais recursos estão congelados também por conta da Emenda Constitucional 95. “Veja que esse recurso vem dos fundos setoriais, que são mecanismos criados no final da década de 90, para setores industriais colocarem recursos e investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Eles estão completamente ou quase todos congelados. Porque, de R$ 4,5 bilhões desse recurso, que já deveria vir do setor de investimentos empresariais direto para inovação e pesquisa, quase metade está congelada por conta de recursos econômicos. Eles colocam à disposição do Finep só R$ 900 milhões”, critica.

O grupo ainda pede um investimento na casa de 2% do PIB para ciência e inovação. Atualmente, o Brasil investe apenas metade disso, o que é considerado pelo presidente do SBPC uma das principais ações para o avanço do país.

“Veja também que o Brasil ainda derrapa em investimentos na casa de 1% do PIB enquanto países como Coreia já estão na casa dos 4%, Israel já está na casa dos 4%, Alemanha está na ordem de 3%, a China já passou de 2%, os Estados Unidos estão a 2.8 % há muito tempo. A Europa botou como meta, atinge 3% em pesquisa e desenvolvimento para os seus países, e o Brasil está em 1% — e caindo”, enumera o presidente.

Pressão e escolha

Moreira sabe que se comprometer não é garantia de que os candidatos vão, de fato, fazer as ações propostas no documento. Contudo, considera que é um mecanismo de pressão pós-eleições.

“Nossas expectativas são as seguintes: a primeira é informar a sociedade brasileira que esses são pontos importantes. A ideia é influenciar que as pessoas olhem no portal, pensem e vejam esses pontos antes de votar nos seus candidatos. Em particular a sociedade científica e acadêmica, que deveria prestar mais atenção ao votar também. Em um segundo momento, cobrar também”, pontua.

Por conta disso, o SBPC também enviou a carta para os partidos, informando que candidatos estaduais e federais também poderiam assiná-la. O site da organização enumera todos os políticos assumiram compromisso, em lista dividida por cargo e estado. Ao todo, são cerca de 150 assinaturas.

Ainda indeciso quanto às eleições? O Canaltech realizou um especial levantando o que todos os candidatos à presidência têm de propostas para ciência, inovação, tecnologia, educação e comunicação.

Canaltech