Transferência de recursos ao CNPq garante pagamento de bolsas em 2019

Operação, viabilizada pela transposição de recursos na área científica garantida na Constituição Federal, foi resultado da pressão das entidades civis que representam a comunidade científica

Depois de intensas negociações envolvendo os Poderes Executivo e Legislativo a partir da pressão das entidades civis que representam a comunidade científica, o governo federal concluiu na última quarta-feira, 30, a transferência de recursos que garantirão o pagamento dos bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 2019. Fruto de vários ajustes no orçamento da entidade, o acordo assegurou o aporte de R$ 340 milhões para a cobertura das bolsas, que corriam o risco de ficar sem pagamento nos últimos meses deste ano.

A operação final foi realizada graças a uma peculiaridade do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) na Constituição Federal: a autorização para que se realize a transposição de recursos para viabilizar projetos na área científica. Essa permissão foi uma das modernizações inseridas no sistema por meio da Emenda Constitucional n° 85, feita em 2015, para dar mais flexibilidade aos gestores públicos em promover os recursos necessários aos projetos de CT&I no Brasil. O tratamento especial está no Art. 167 da Carta Magna:

“§ 5º A transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra poderão ser admitidos, no âmbito das atividades de ciência, tecnologia e inovação, com o objetivo de viabilizar os resultados de projetos restritos a essas funções, mediante ato do Poder Executivo, sem necessidade da prévia autorização legislativa prevista no inciso VI deste artigo.”

Como as bolsas do CNPq são todas ligadas a projetos científicos, isso possibilitou a transposição de R$ 156.957.523,00 para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), ampliando o limite de empenho autorizado originalmente para o órgão, por meio da Portaria n° 7.926/2019, publicada no Diário Oficial da União no dia 30 de outubro. Segundo técnicos do governo ouvidos pelo Jornal da Ciência, a totalidade desses recursos será repassada ao CNPq para cobertura do pagamento das bolsas de pesquisa.

Lava Jato

Os R$ 157 milhões transferidos para o CNPq nesta portaria têm como origem uma nova fonte financeira criada a partir dos acordos anticorrupção, que incorporou ao orçamento recursos recuperados nas investigações promovidas pela Operação Lava Jato. Uma semana antes, no dia 23 de outubro, o Congresso Nacional já havia aprovado o PLN 41/2019, que concedeu ao CNPq R$ 93.042.477,00 em créditos suplementares, também para honrar o pagamento das bolsas com a mesma fonte de recursos.

O acordo que selou esse repasse contou com a participação ativa das entidades que compõem a Iniciativa para Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), da qual a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) é uma das coordenadoras. As entidades-membro da ICTP.br e outras associações de defesa da Educação e Ciência fecharam acordo com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e com a então líder do governo na Câmara dos Deputados, Joice Hasselmann, no dia 29 de agosto para garantir que as bolsas fossem contempladas com parte dos recursos recuperados nas ações anticorrupção. Na ocasião, foi entregue à Presidência da Câmara um abaixo-assinado com 1 milhão de assinaturas em apoio ao CNPq.

Até o cumprimento total do acordo pelo Governo Federal nesta semana, o CNPq teve que fazer ajustes internos para assegurar que os bolsistas não ficassem sem pagamento pelas atividades realizadas ao longo de setembro. A entidade remanejou R$ 82 milhões dos programas de fomento para a cobertura das bolsas em outubro, no aguardo de uma solução final para a falta de recursos.

Cobertor curto

Nesta semana também foi feito mais um remanejamento, no valor de R$ 10.170.000,00 do fomento para as bolsas por meio da Portaria n° 8.019/2019. Ainda que esses ajustes tenham sido necessários para assegurar os compromissos com os bolsistas, a redução de recursos das atividades de fomento preocupa o MCTIC e as entidades civis, uma vez que essas ações também são fundamentais para o financiamento da infraestrutura das pesquisas financiadas pelo CNPq.

Ao todo, o CNPq teve que remanejar R$ 92 milhões e receber R$ 250 milhões a mais para cobrir o déficit financeiro das bolsas compromissadas em 2019, totalizando um acréscimo de recursos de R$ 342 milhões para o pagamento dos bolsistas. Confira a cronologia das ações que garantiram a completa alocação de recursos para a cobertura das bolsas do CNPq:

29 de agosto – Mobilização das entidades civis no Congresso Nacional para a entrega de abaixo-assinado com um milhão de assinaturas em defesa do CNPq. Na ocasião, foram realizadas reuniões com a Presidência da Câmara dos Deputados e Liderança do Governo na Câmara para solucionar o risco de não pagamento das bolsas. Selado o acordo de repasse de R$ 250 milhões das ações anticorrupção para o CNPq.

3 de setembro – O ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, anuncia o remanejamento de R$ 82 milhões das atividades de fomento do CNPq para o pagamento das bolsas referentes ao mês de setembro.

15 de outubro – Governo Federal envia ao Congresso Nacional proposta de crédito suplementar em favor do CNPq de R$ 93 milhões (PLN 41/2019), cumprindo parcialmente o acordo de repasse dos recursos das ações anticorrupção para o pagamento das bolsas.

23 de outubro – PLN 41/2019 é aprovado pelo Congresso, assegurando o pagamento das bolsas no mês de novembro.

30 de outubro – Publicadas as portarias 7.926/2019 (transposição de R$ 157 milhões) e 8.019/2019 (remanejamento de R$ 10 milhões) para a cobertura dos compromissos com os bolsistas em 2019. A transposição dos R$ 157 milhões conclui o acordo firmado com os Poderes Executivo e Legislativo de repasse de R$ 250 milhões dos recursos advindos das ações anticorrupção para solucionar o déficit financeiro de pagamento das bolsas do CNPq. Entre remanejamentos, créditos suplementares e transposição, o órgão alocou mais R$ 342 milhões para honrar as bolsas compromissadas em 2019.

Mariana Mazza – Jornal da Ciência