Uberização e precarização do trabalho e suas consequências

A historiadora Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes falou sobre as relações de trabalho contemporâneas, criticando suas falsas evidências, dentre elas, a de que trabalho se reduziria a emprego, em conferência proferida nessa quarta-feira, 2 de dezembro

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As relações de trabalho contemporâneas, que trazem falsas evidências de empreendedorismo – com a exemplificação da empresa Uber, que popularizou os aplicativos no ramo dos transportes -, e a precarização do trabalho foram os temas abordados na conferência “Capitalismo em tempos de uberização: do emprego ao trabalho”, proferida pela historiadora Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes, durante a 72ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A atividade, realizada nessa quarta-feira, 2 de dezembro, foi apresentada pela diretora da entidade, Claudia Linhares Sales.

Fontes explica que as transformações do trabalho têm acontecido ao longo da história do capitalismo moderno. Segundo ela, com a inserção das máquinas e da produção em massa que ocorre de maneira mais rápida e eficiente, os espaços ocupados pelo trabalhador que vende a sua força de trabalho mudaram. E por outro lado, por conta da internet, as plataformas que fazem a ligação entre o trabalhador e a empresa têm crescido. Ao mesmo tempo, essas empresas prosperam devido à redução de custos derivado da desregulamentação geral do mercado de trabalhadores autônomos e informais.

A pesquisadora observa que a criação de novas relações de trabalho, muitas vezes como atividades em que o trabalhador teria a autonomia e liberdade de escolher seus horários de trabalho, nasceu da própria luta social, no sonho de ser livre. Mas que essas iniciativas acabaram capturadas pela reprodução capitalista e criaram muitas vezes uma visão deturpada do que realmente caracteriza essa nova relação de gerenciamento e de controle do trabalho. “Existem diversas empresas que funcionam dessa maneira, dentre as mais populares a Uber, que deu origem ao adjetivo ‘uberização’.”

Segundo a pesquisadora, essa ‘uberização’ do trabalho traz falsas evidências da redução do emprego. Há uma massa crescente de trabalhadores cujas condições de trabalho pioraram com a pandemia provocada pelo novo coronavírus, com direitos anteriormente associados ao contrato de trabalho, expropriados. Além de ausência de direitos e de jornadas ilimitadas, ocorre uma centralização direta e internacional do comando capitalista sobre os trabalhadores, acoplada à extrema descentralização do processo de trabalho.

Ela explica que com essa ‘uberização’, enquanto os trabalhadores não possuem nenhum direito ou garantia, já que há pouca ou nenhuma legislação específica, tais empresas alegam que o serviço que exercem é apenas a realização da conexão entre os usuários e as empresas, de modo que as pessoas cadastradas caracterizam-se apenas como ‘parceiros’, tentando assim se eximir de uma responsabilidade.  Além disso, o trabalhador arca por conta própria com diversos gastos advindos do exercício da função.

Apesar do processo inicial de entrar na plataforma até começar a operar o trabalhador tenha poucas barreiras e atritos, muitas vezes a empresa exige uma frequência de utilização da plataforma pelos trabalhadores que pode gerar punições. “A empresa demite, corta, tira da lista, sem nenhuma informação prévia ou justificativa. É o mais absoluto descompromisso com os trabalhadores”, aponta. Ela explica ainda que as relações patronais se tornaram absolutamente autocráticas e despersonalizada. “O trabalhador não tem contato com a empresa. E quando tenta, não consegue .”

A historiadora chama a atenção ainda para o caminho do fim da definição de uma jornada de trabalho. Não importa para a empresa quanto tempo que aquele motorista trabalhou. O que conta é a massa, o número de trabalhadores saindo e entrando no sistema. “Essas empresas atuam como se a jornada de trabalho fosse infinita.”

Para Fontes, o futuro é de uma precarização ainda maior da relação de trabalho. Porém muitas lutas estão tomando força. “Uma massa de trabalhadores que agora não tem um ponto de luta em comum, precisará lutar contra todas as formas de agressão que sofre. E, portanto, lutas anti-racistas, feministas, de acesso à terra e à moradia, por exemplo, devem aumentar de maneira escalada”, conclui, alertando que as empresas estão criando desqualificação e desmantelamento das práticas democráticas.

Assista à conferência na íntegra no canal da SBPC no YouTube.

Vivian Costa – Jornal da Ciência