Um ano sem Ennio Candotti, um dos maiores ativistas pela política científica brasileira

Para valorizar o seu legado, a SBPC seguirá com calendário de homenagens em 2025, incluindo o lançamento de um livro e uma cerimônia na próxima Reunião Regional, que acontecerá no Espírito Santo em fevereiro

WhatsApp Image 2024-12-06 at 16.09.07No dia 6 de dezembro de 2023 falecia Ennio Candotti, conhecido por ser um dos principais articuladores pela política científica brasileira. Quatro vezes presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Candotti acreditava que não existia separação entre desenvolvimento de um País e preservação ambiental. Apaixonado pela Amazônia, fez do território a sua casa e presenteou a região com um museu a céu aberto. Para manter vivo seu legado, a SBPC seguirá com um calendário de atividades especiais em 2025.

Em fevereiro, a entidade realiza o lançamento de uma obra dedicada à vida de Candotti, organizada por personalidades da história da SBPC e pelo Centro de Memória Amélia Império Hamburger (CMAIH), o departamento responsável pelo acervo da entidade.

A obra será apresentada ao público numa sessão especial em homenagem a Candotti na cerimônia de abertura da próxima Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que será realizada em Vitória (ES), entre os dias 19 e 21 de fevereiro de 2025, no campus Goiabeiras da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). O evento, inclusive, está com inscrições abertas e gratuitas.

Secretária-geral da SBPC e coordenadora-geral da Reunião Regional, Cláudia Linhares Sales dá mais detalhes sobre a programação dedicada a Candotti.

“Já faz alguns meses que estamos preparando um livro de depoimentos sobre o professor Ennio. A obra vai passar por sua trajetória profissional e acadêmica, as contribuições e o legado dele para a ciência brasileira, as ações em prol da divulgação científica, mas, também, os períodos em que a SBPC ficou sob sua liderança. E queremos lançar esse livro em fevereiro, por ocasião do aniversário de nascimento de Ennio (12 de fevereiro). Como teremos a Reunião Regional na Universidade Federal do Espírito Santo, onde ele foi professor durante dez anos, nós achamos que seria oportuno organizar a homenagem e realizar o lançamento do livro neste evento.”

Sales também reforça que o tema da Reunião Regional, “Clima e Oceano: a urgência de construir um futuro sustentável”, conversa diretamente com a atuação de Candotti.

“É um tema que também tem tudo a ver com a trajetória do Ennio, porque ao fazer o Musa, esse museu vivo da floresta amazônica, Candotti certamente expressava ali a sua preocupação com a preservação do meio ambiente, preocupação central de nossa Reunião.”

As homenagens a Candotti começaram em abril de 2024, com uma reunião extraordinária do Conselho da SBPC dedicada ao professor e pesquisador. Na 76ª Reunião Anual da SBPC, realizada em julho na Universidade Federal do Pará, Ennio também recebeu homenagens. A primeira foi conduzida durante a solenidade de abertura do evento, no Theatro da Paz; e a segunda foi uma mesa-redonda dedicada a seu legado, que contou com a presença de familiares e amigos.

Um italiano de coração brasileiro

Nascido em 1942 na cidade de Roma, na Itália, Candotti e sua família vieram para o Brasil em 1952, por conta de uma crise econômica que atingiu o país na época. Sempre dedicado aos estudos, entrou na Universidade de São Paulo (USP), onde se formou em Física, em 1964. Um ano depois, conseguiu uma bolsa de estudos em um convênio entre a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e o governo da Itália e foi para a Università degli studi di Napoli. Voltaria ao Brasil anos mais tarde, iniciando sua trajetória em defesa da política científica brasileira.

“Eu voltei da Europa em 1974 e fui contratado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1975, para atuar no seu Instituto de Física. Me envolvi na discussão do acordo nuclear e da política nuclear do governo militar de Geisel de maneira bastante crítica, e isso me deu a chance e a oportunidade de conversar com outros colegas da mesma área de física ou de outras áreas. Com isso, conheci a SBPC e me envolvi na construção da Secretaria Regional da entidade no Rio de Janeiro. Foi uma regional bastante articulada, que lutou pela redemocratização do sistema político brasileiro”, contou Candotti em junho de 2023, numa reportagem para o podcast O Som da Ciência, uma produção da SBPC.

No mesmo período, Candotti foi um dos nomes que defendeu uma mudança estrutural na SBPC. À época, a entidade mantinha entre seus membros essencialmente nomes das ciências médicas, da química, da física e da matemática. Os embates contra a ditadura militar mostraram que a própria SBPC precisava dar espaço para outros especialistas, principalmente das Ciências Humanas. “Nós entendemos que a SBPC reflete ou representa várias tendências, convicções e vários modos de encarar o papel da ciência na sociedade. E essa diversidade é muito importante”, disse.

Candotti também participou dos debates da comunidade científica para a Constituição de 1988 e liderou, anos depois, o movimento que pediu o impeachment de Fernando Collor de Mello. O cientista presidiu a SBPC por quatro mandatos, exercidos entre os anos de 1989 e 2007. Mais tarde, o pesquisador se dedicaria a outra paixão: a Amazônia.

Na 59ª Reunião Anual da SBPC, realizada na Universidade Federal do Pará (UFPA) em 2007, Candotti estava em seu último mandato como presidente da SBPC e sugeriu, em uma das mesas da programação do evento, que fosse construído um museu dentro da floresta amazônica. Sua ideia ganhou forma dois anos depois, e o pesquisador foi convidado a ser o diretor-geral do Musa, o Museu da Amazônia, cargo que ocupou até o dia de sua morte.

“Ennio se encanta pela Amazônia a partir das Reuniões Anuais da SBPC, e resolve se mudar para lá”, contou o presidente de honra da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, em setembro deste ano, quando recebeu a “Medalha Ennio Candotti de Divulgação Científica”, concedida pelo Laboratório de Audiovisual Científico (Labaciencias) da Universidade Federal Fluminense (UFF).

“Na Amazônia, ele tem uma ideia generosa e brilhante de criar um museu de história natural. Mas ao contrário de museus já existentes, como na Europa, onde as plantas estão mortas, os animais estão mortos e as sementes estão depositadas, Ennio vislumbrou um museu vivo. Como ele mesmo dizia, ‘musealizar a natureza’. Então, Ennio consegue um espaço na cidade de Manaus e, ali, concretiza esse projeto.”

Na época do falecimento de Candotti, a diretora da SBPC e professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Marilene Corrêa da Silva Freitas, deu um depoimento ao Jornal da Ciência sobre como Ennio se transformaria em um dos maiores articuladores políticos em prol da Amazônia.

“Ele era um porta-voz da região Amazônica. Um construtor. Ennio vivia em outra dimensão da imaginação científica. Ele realizava sonhos, era a principal força proveniente da história da institucionalização da ciência no Brasil.”

Para Freitas, Candotti será eternamente lembrado como exemplo de dedicação, comprometimento e amor pela Ciência. “Nesses 13 anos de vida, o Musa se tornou a instituição mais visitada no Amazonas nos últimos anos graças ao trabalho e ao esforço visionário de Ennio e sua equipe. Ele reestruturou, no debate e no diálogo, o papel das instituições científicas no Amazonas, humanizou instituições e a sobrevivência da floresta. Ele também dialogou e debateu esse papel com instituições científicas do Brasil e da Panamazônia. Com a morte de Ennio, perdemos nosso interlocutor pela institucionalização da ciência na Amazônia.”

Rafael Revadam – Jornal da Ciência