No dia 3 de fevereiro, a região do Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, voltou a enfrentar inundações provocadas pela cheia do Rio Tietê. A água, que chega facilmente à altura dos joelhos, já faz parte da rotina de quem vive há décadas na área, mas moradores relatam que o volume das chuvas tem causado alagamentos mais rápidos e com maior poder de destruição. Em 2010, a região permaneceu alagada por mais de 40 dias; em 2025, os impactos variaram entre uma semana e dez dias, ainda assim suficientes para arrastar móveis, destruir casas e deixar centenas de pessoas desabrigadas. Parte da população buscou abrigo com familiares, em escolas ou em unidades emergenciais montadas pela Defesa Civil. Ao retornarem, muitos se depararam com lixo, destroços e até multas ambientais no valor de R$ 5 mil. Isso é o que discute reportagem da nova edição da revista Ciência & Cultura, que tem como tema “Cidades e Meio Ambiente”.
Para Jeferson Tavares, professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU/USP), a situação reflete a ausência de políticas habitacionais articuladas com o planejamento urbano e ambiental. “O Jardim Pantanal é uma ocupação histórica da várzea do Rio Tietê, fruto da falta de alternativas de moradia. O direito à habitação não é aplicado nem garantido, e isso empurra a população para áreas precárias e de risco. As soluções recentes do Estado e da Prefeitura tratam a questão como algo meramente técnico, sem enfrentar esse conflito estrutural”, avalia. Segundo ele, a região exemplifica o desencontro de políticas setoriais, como drenagem, saneamento, transporte e moradia, que não se integram e acabam por agravar os impactos das chuvas.
O cenário é agravado pela falta de manutenção do próprio rio. O trecho do Tietê que corta o Jardim Pantanal ficou dez anos sem limpeza, até que, em março deste ano, o Governo do Estado retirou mais de 150 carcaças de veículos que bloqueavam o fluxo da água. Já a obra de drenagem sob responsabilidade da Prefeitura de São Paulo deveria ter sido concluída em setembro de 2023, mas sofreu atraso de um ano e meio. Apenas em fevereiro de 2025 teve início a construção do pôlder, estrutura projetada para reduzir as enchentes nas áreas ribeirinhas. Para Tavares, a falta de continuidade é um entrave histórico: “Projetos estruturantes de drenagem existem há décadas, mas não foram priorizados. Eles não avançam porque seus benefícios recaem sobre uma camada da população com pouco peso político, ao contrário do impacto que teriam em regiões mais visíveis para o poder público”, explica.
Diante das enchentes recorrentes, a Prefeitura e o Governo do Estado lançaram em maio o projeto Renova Pantanal, que prevê a demolição de mais de 4.300 imóveis considerados irregulares e um investimento estimado em R$ 700 milhões. O plano seria iniciado em julho, com a construção de um muro de contenção de 4,2 km de extensão e um metro de altura, mas ainda não saiu do papel. Outras fases preveem a remoção de milhares de famílias até 2029. A proposta, entretanto, gera controvérsia. “As remoções ou o aluguel social são tratadas como soluções definitivas, mas houve consulta à população? Há décadas o campo do planejamento urbano e regional apresenta alternativas mais adequadas e menos traumáticas. O que se vê é a ausência de diálogo e de políticas públicas consistentes”, critica Jeferson Tavares.
Leia a reportagem completa:
https://revistacienciaecultura.org.br/?p=8976
Ciência & Cultura