O País vive hoje uma crise grave nos aspectos econômico, social e político. A ciência brasileira faz parte deste contexto e atravessa um momento difícil. Temos desafios a enfrentar, sendo que o mais imediato deles se refere ao corte acentuado de recursos ocorrido nos últimos anos e acentuado em 2018.
A ciência brasileira cresceu muito nas últimas duas décadas: o Brasil ocupa o 13º lugar na produção científica mundial. Para isto foi decisivo o crescimento da pós-graduação, com 20.000 doutores formados em 2017, bem como a expansão de universidades públicas e instituições científicas pelo país. Tal cenário decorreu de investimentos públicos continuados do governo federal, bem como das fundações estaduais de amparo à pesquisa. Certamente há ainda muito a ser feito, como aprimorar a qualidade da pesquisa produzida e a sua inserção internacional e fazer com que ela tenha impacto significativo na gestão pública e junto ao sistema produtivo, uma vez que o índice brasileiro de inovação é extremamente baixo.
O retorno, em termos econômicos, que os investimentos em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) já proporcionaram ao país é significativo. As pesquisas em universidades e na EMBRAPA propiciaram aumentos de produtividade na agricultura e reduções nos custos, o que tornou o Brasil um dos líderes mundiais de produção agrícola. A interação entre a Petrobras e laboratórios de universidades brasileiras possibilitou a exploração de petróleo em águas profundas e o êxito do Pré-Sal, que já abarca metade da produção brasileira. O Brasil não teria empresas de forte protagonismo internacional, como a EMBRAER, se não tivesse instituições públicas formando profissionais inovadores. Bilhões de reais são gerados ou economizados a cada ano por estas iniciativas, em valores muito maiores do que o total de recursos investidos em CT&I. A ciência desenvolvida nas instituições brasileiras tem auxiliado as políticas públicas em áreas sociais, como a saúde, onde contribuiu para o aumento da expectativa de vida dos brasileiros e para o enfrentamento de epidemias emergentes. A descoberta da ligação entre o vírus Zika e a microcefalia foi possível graças ao trabalho pioneiro de pesquisadores brasileiros.
O contingenciamento de recursos para CT&I em 2017, que se propagou para 2018, produziu uma redução drástica nas verbas para esta área. Nos últimos meses, as entidades científicas dirigiram-se às autoridades governamentais e aos parlamentares alertando sobre os riscos destes cortes, que ameaçam a sobrevivência do sistema nacional de CT&I e comprometem a possibilidade de recuperação econômica. Infelizmente tais esforços tiveram pouco êxito. O orçamento destinado a custeio e investimento no MCTIC é de apenas R$ 4,1 bilhões para este ano, bem menor do que o aprovado para 2017 e cerca de um terço do que se tinha oito anos atrás. Estes cortes afetam direta e profundamente as agências de fomento, como CNPq e FINEP, e o apoio a projetos de pesquisa e de infraestrutura para os pesquisadores e para as instituições de ensino e pesquisa. Essa redução se estendeu para outras áreas de governo e se propagou, em um efeito cascata, para os órgãos estaduais ligados à pesquisa. Além disso, a Emenda Constitucional 95 (a Lei do Teto), que congela os gastos públicos por 20 anos, transforma o cenário para a ciência em uma tragédia anunciada. É alto o risco de laboratórios de pesquisa serem fechados, de pesquisadores deixarem o país e de jovens estudantes desistirem das carreiras científicas e tecnológica.
A justificativa apresentada para tais cortes baseia-se na crise econômica e fiscal. No entanto, o Orçamento Geral da União teve um aumento de 1,7% entre 2017 e 2018 e não redução, como ocorreu com a CT&I. Por outro lado, o investimento em CT&I é essencial para garantir o aumento do PIB em períodos de recessão econômica, como se observa nas políticas adotadas por países que se destacam no cenário mundial. Ciência não é gasto, é investimento!
Outro desafio importante é a melhoria da qualidade da educação básica, em particular da formação em ciências no Ensino Médio. Necessitamos de uma verdadeira revolução educacional, que deve ter a participação ativa dos setores envolvidos – universidades, entidades científicas, gestores e professores da educação básica – e da sociedade como um todo. A diminuição significativa da burocracia excessiva, que gera um desperdício grande de tempo e de recursos e é ortogonal à inovação, é outro desafio importante a ser enfrentado.
O desafio mais geral para este ano de eleições será a contribuição dos pesquisadores brasileiros e de suas entidades para a formulação de propostas que ajudem a descortinar horizontes para a construção de um projeto de nação desenvolvida, democrática e soberana. Não faltam questões importantes para serem consideradas, como o uso adequado e sustentável de nossas imensas riquezas naturais e a redução de desigualdades sociais e regionais. A SBPC está realizando seminários pelo país para discutir propostas para políticas públicas de CT&I, educação, direitos humanos, desenvolvimento sustentável, etc. Os resultados serão apresentados aos candidatos ao Executivo e ao Legislativo e amplamente divulgados; espera-se que este processo contribua para que os brasileiros possam escolher dirigentes e representantes que possuam maior sensibilidade e competência sobre tais questões.
Em 2018, a SBPC comemora seus 70 anos e faz isto, dentro de sua tradição democrática, discutindo com a comunidade científica, e com outros setores da sociedade, ideias e propostas que contribuam para o desenvolvimento sustentável do país, nas suas dimensões econômica, social e ambiental.
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