O lamentável e preocupante episódio que levou o professor Elisaldo Carlini, da Unifesp, a responder, em uma delegacia, por “apologia ao crime” parece ser mais um movimento da onda obscurantista que vem se ampliando no País já há algum tempo, e que desta vez atinge não apenas o cientista destacado, mas o cidadão Carlini, pessoa especial e muito querida de toda a comunidade acadêmica. Não se pode deixar de pensar, além disso, que o fato ocorre em meio ao drástico processo de desmonte da ciência e tecnologia nacional, em função dos cortes de recursos destinados para a ciência e tecnologia.
Quem se der ao trabalho de uma breve verificação bibliográfica, verá que Carlini exibe uma história maravilhosa de vida científica, repleta de contribuições importantes e, sem dúvida, pouco conhecidas pela maioria da sociedade, que pouco conhece a ciência feita no País e seus atores.
Ao longo de sua carreira, Carlini contabiliza uma produção acadêmica destacada em quantidade e qualidade, com trabalhos publicados em revistas de alto impacto, incluindo a Nature e Science. Entre suas contribuições mais importantes, estão os resultados de suas pesquisas com os canabinoides canabidiol (CBD) e Δ-9-tetraidrocanabinol (THC), constituintes majoritários isolados da Cannabis sativa, a maconha. Os produtos naturais CDB, THC e alguns derivados sintéticos são fármacos usados para a produção de medicamentos fabricados por laboratórios no exterior e usados no mundo todo para o no tratamento de epilepsia. É responsável por uma extensa relação de estudos epidemiológicos que abriram novas frentes para políticas públicas na área de saúde e consumo de drogas. Sua atuação como agente público inclui a criação do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime). Se tivesse que descrever em detalhes sua produção acadêmica, ela se estenderia por páginas e páginas.
Hoje, quando tanto se fala na necessidade de unir ciência e tecnologia, ou na chamada “pesquisa translacional”, lembra-se que o professor Elisaldo Carlini vem fazendo isso há 50 anos, com grande sucesso.
O fato infeliz, que mostra a nossa velha face colonial e conservadora, não poderia ter outra resposta da comunidade acadêmica a não ser a afetuosa manifestação de apoio ao nosso mestre, o professor Carlini.
Sobre a autora:
Vanderlan da S. Bolzani é professora titular do IQAr-Unesp e vice-presidente da SBPC e da Aciesp.