A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizou nessa segunda-feira, 24 de julho, uma sessão especial em homenagem aos 75 anos de sua fundação e sua trajetória de lutas no País. O atual presidente da entidade, Renato Janine Ribeiro, e três presidentes de honra – Ennio Candotti, Helena Nader e Ildeu de Castro Moreira – participaram do painel contando momentos marcantes de suas histórias com a SBPC e de suas gestões.
A atividade integra a programação da 75ª Reunião Anual da SBPC, que acontece esta semana no campus Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba.
O historiador do Centro de Memória Amélia Império Hamburger (CMAIH), da SBPC, Bruno Roma, abriu a mesa com uma apresentação sobre o passado, o presente e o futuro da Sociedade. Roma trouxe uma análise do Estatuto da SBPC, observando seus objetivos ali descritos, as normas com relação aos sócios e a representatividade regional da entidade.
Conforme contou o historiador da SBPC, o primeiro estatuto marca a data oficial da fundação da entidade, em 8 de julho de 1948. Mas o documento foi evoluindo ao longo das décadas.
No total, o estatuto da SBPC já passou por nove reformulações. “As duas maiores transformações foram em 1978 e em 2008, quando os objetivos da entidade sofreram reformulações mais importantes. O de 1978, posterior ao momento mais turbulento da ditadura, passa a integrar expressões como ‘liberdade de opinião’, ‘cultura’, ‘difusão da ciência’ em seus objetivos. Trinta anos depois, em 2008, destacam-se novas ideias como ‘educacional e cultural’, ‘qualidade da educação’, etc., refletindo o contexto nacional daquele período.”
O físico Ennio Candotti era secretário regional da SBPC no Rio de Janeiro em 1978 e participou das discussões para a reforma estatutária. “A mudança de estatuto em 78 foi uma revolução, numa reunião que durou até 6h da manhã. E o que estava em jogo era a representação nacional da SBPC”, recordou.
Presidente da SBPC de 1989 a 1993 e de 2003 a 2007, Candotti liderou a participação da SBPC nas manifestações pelo impeachment de Fernando Collor de Mello. Na época, foi lançado um abaixo-assinado que reuniu milhares de assinaturas de cientistas de todo o Brasil – as assinaturas eram reunidas fisicamente, com papel e caneta, e os papeis circulavam por todo o Brasil. Esses documentos estão preservados no CMAIH-SBPC.
Os anos de Candotti à frente da entidade também foram marcados por um grande movimento de regionalização. Em seu segundo mandato, no início dos anos 2000, a SBPC realizou 19 Reuniões Regionais em quatro anos, levando ciência a lugares do País distantes dos grandes centros, como Altamira (PA), Cruzeiro do Sul (AC) e Tabatinga (AM). Além dos eventos, foi durante suas gestões que foi feita a divisão dos conselhos regionais da SBPC, “para representar a realidade nacional”, disse.
Terceira mulher a assumir a Presidência da SBPC, Helena Bonciani Nader foi também a que esteve por mais tempo seguido ocupando a liderança da entidade, de 2011 a 2017. Nader gosta lembrar que sua relação com essa Sociedade começou em 1969, quando ela era ainda uma estudante de graduação. “E, desde então, nunca me afastei da SBPC”, contou.
Sob sua liderança, a SBPC participou da elaboração e aprovação do Novo Código Florestal. Outra longa luta foi pelo Marco Legal da CT&I, sancionado em 2016. Nader diz que sua preocupação agora – e que deve ser uma questão importante para os próximos 75 anos da SBPC – é com o constante afastamento dos jovens da ciência.
“Eu sei que a queda de interesse dos jovens na ciência é algo mundial, mas eu quero saber do Brasil. Saber que é algo mundial não é justificativa para não fazermos nada aqui”, alertou a atual presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Uma das últimas grandes ações de Nader à frente da SBPC foi orquestrar a realização da 1ª Marcha pela Ciência no Brasil, em abril de 2017, movimento iniciado nos Estados Unidos, em protesto contra uma onda de negacionismo que se formava, e que aqui teve como foco os cortes no orçamento da ciência: “Ciência não é gasto, é investimento!”, foi a frase que marcou seus discursos.
Ildeu de Castro Moreira não imaginava o que vinha pela frente quando assumiu o primeiro de seus dois mandatos na SBPC, em julho de 2017. Naquele momento, a ciência brasileira, que já atravessava um período de queda de investimentos, viu a crise sair totalmente do controle quando Jair Bolsonaro, um presidente anti-ciência, assumiu o poder e, pouco mais de um ano após sua posse, a pandemia de coronavírus assolou o País e o mundo.
“Buscamos articulações com entidades da sociedade civil e parlamentares para resistir e reagir a esse tsunami de ataques”, conta o presidente de honra da entidade. Em sua gestão, a SBPC realizou novas edições da Marcha pela Ciência, pelas ruas do País, no Congresso Nacional e, por fim, quando o distanciamento social se impôs, a mobilização assumiu um formato virtual e tomou as redes sociais.
Ainda na sua gestão, a SBPC se juntou a outras oito entidades científicas e acadêmicas para lançar, em maio de 2019, a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento – a ICTP,br -, movimento organizado para atuar permanentemente junto a parlamentares no Congresso Nacional e, também, em Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. “O Brasil fala muito dos presidentes da República, mas precisamos prestar atenção também no Congresso, onde as leis são elaboradas e votadas”, recomendou.
Consciente do cenário de terra arrasada por que passava o Brasil, Renato Janine Ribeiro candidatou-se e foi eleito presidente da SBPC em 2021, definindo como áreas prioritárias de sua gestão a defesa da ciência, da pesquisa, da educação e da tecnologia, bem como a saúde, o meio ambiente, a cultura e a inclusão social.
Janine Ribeiro deu continuidade às manifestações em defesa da vida, das vacinas, contra o negacionismo científico e as ameaças à democracia. A SBPC manifestou-se aberta e corajosamente contra o governo que perseguiu professores e pesquisadores, promoveu um desmatamento descontrolado das florestas no País, e colocou em risco o regime democrático do País.
Agora, em um momento de reconstrução e definição de novos horizontes, a SBPC participa de mobilizações para políticas públicas de longo prazo que garantam o progresso da ciência, e de iniciativas pelo fortalecimento dos valores democráticos – um exemplo é a proposta de criação de um dia de defesa da democracia, a ser celebrado em 31 de outubro, com ações educativas.
“Hoje a SBPC coloca para si e para a sociedade questões como ‘Ciência para quê? E Ciência para quem?’ E o que esperamos do futuro é que nesta Reunião de Curitiba estejam presentes crianças que, daqui a 75 anos, possam estar liderando a SBPC e comemorando a ciência brasileira e um século e meio de nossa entidade. Viva a SBPC!”, concluiu.
Daniela Klebis e Rafael Revadam – Jornal da Ciência