A internet e as redes sociais, que prometiam ser a vanguarda da sociedade da informação, um espaço aberto e livre, têm se transformado em uma nova realidade na esfera pública: um ambiente onde informações fragmentadas, descontextualizadas e manipuladas se tornaram o novo normal, concentradas nas mãos de meia dúzia de bilionários que controlam mais dinheiro que muitos países e mais poder que governos, determinando quem pode e quem não pode participar, sem direito à defesa.
Essa distorção da informação não apenas enfraquece a confiança no conhecimento verdadeiro, mas também promove uma campanha insidiosa contra a reflexão crítica e o pensamento informado com impactos severos em quase todos os campos da vida contemporânea, das eleições à saúde pública, das mudanças climáticas à educação.
O impacto das fake news tem colocado a própria democracia em risco, ao evidenciar uma mentalidade conservadora de retorno a um passado idealizado que nunca existiu. Este Jornal da Ciência Especial pretende lançar luz sobre esses desafios e provocar uma reflexão sobre o futuro da informação e do pensamento crítico em nossa era digital.
As reportagens e entrevistas desta edição trazem cientistas e pesquisadores da comunicação e da mídia discutindo o efeito das fake news e da desinformação na polarização política e no enfraquecimento das instituições democráticas.
Na página 8, refletimos como a tecnologia das redes sociais potencializou uma antiga tendência de teatralização da política que, na sociedade atual, faz aflorar paixões negativas que se refletem em escolhas pouco racionais na hora do voto.
No campo da saúde, que tem um longo histórico de viralização de notícias falsas, as redes sociais propiciam a combinação de negacionismo e hesitação vacinal, muitas vezes fatal. O mesmo está se revelando em relação à crise climática, com lobbies poderosos espalhando meias verdades e completas mentiras que, além de atrasar decisões e medidas importantes para a mitigação dos efeitos da emergência climática, alimentam hostilidades contra cientistas e pesquisadores.
Em entrevista exclusiva, o jornalista Eugenio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e superintendente de Comunicação Social da instituição, avalia que se trata de um fenômeno que sobrevoa as legislações nacionais e suas jurisdições e que a única saída para controlar o poder quase sem limites das “big techs” e o fluxo de desinformação nas redes é a regulação e acordos em organismos multilaterais.
Esperamos que o conteúdo desta edição estimule mais que a reflexão, a ação no sentido de defender os valores mais preciosos da nossa sociedade.
Boa leitura!
Renato Janine Ribeiro
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
Paulo Artaxo
Vice-presidente da SBPC e coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável (CEAS) da USP
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