É preciso trabalhar a igualdade de gênero desde a infância para que os meninos não sejam futuros agressores. Esta foi a síntese da sessão especial intitulada “Violência contra as mulheres: como proteger as Janainas?”, realizada nessa segunda-feira, 13 de março, durante a Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento acontece até esta terça-feira na Universidade Federal do Piauí (UFPI) e depois, na quarta-feira, dia 15, se encerra com uma sessão especial em Campo Maior.
A atividade contou com a participação da Eugênia Nogueira Villa, delegada da Polícia Civil de Teresina (PI), Tatiane Seixas, presidente da União Brasileira de Mulheres (UBM) no Piauí, Mariane Pisani, professora adjunta da UFPI, e Denise Motta Dau, secretária nacional de Enfrentamento a Violência Contra as Mulheres.
Segundo a coordenadora da atividade, Olívia Perez, professora da UFPI e representante da SBPC no Piauí, o debate foi motivado pelo brutal assassinato da estudante de jornalismo Janaína Bezerra, ocorrido dentro da própria Universidade, durante uma festa na madrugada do dia 27 de janeiro deste ano.
“A ideia dessa atividade foi pensar que o feminicídio e a violência contra as mulheres é um problema comum de todo País”, comentou Perez. Ela disse ainda que a sessão especial foi uma boa oportunidade para lembrar o crime e ampliar a discussão sobre um assunto tão latente e que faz o Brasil conviver com tantos casos assombrosos de feminicídio.
Para a delegada Eugênia Villa, o melhor enfrentamento do problema é a prevenção. “Infelizmente nós (o Estado do Piauí) somos precursores em feminicídio. Eu nunca acredito nas informações de redução. Quando isso acontece, acredito que a polícia está errando, pode não estar tipificando corretamente”, afirmou.
Segundo a delegada, existem barreiras sociais que prejudicam a prevenção dos feminicídios, como por exemplo, a não denúncia. “Existe uma captura da liberdade da mulher por forças sociais, religiosas, políticas, medicinais, organizacionais, que não deixam que as mulheres denunciem as violências sofridas. Tanto que vimos aqui no Piauí que muitas mulheres que foram assassinadas nunca foram previamente a uma delegacia denunciar. Nós sabemos que antes da mulher ser assassinada a família e os vizinhos, por exemplo, sabiam das agressões.”
Para a delegada, para vencer essas barreiras que silenciam a mulher é preciso fomentar debates sociais (nas escolas, igrejas, instituições, empresas, entre outros lugares) sobre fatores de risco que condicionam meninas e mulheres a vivenciarem caladas cenários de violência. “Nós precisamos ter o apoio dessas forças sociais, porque sozinhas nós não vamos conseguir avançar. E normalmente se aposta tudo na polícia. Mas a polícia sozinha não vai resolver o problema. Acreditamos em uma consciência coletiva sobre responsabilidade social para vencer os cenários de violência contra mulheres”, comenta.
Na opinião de Villa, outro fator para mudar o cenário atual é a universalização das políticas de proteção à mulher. “Nós temos uma política somente para acidentes de carro, mas não temos uma lei à proteção nacional da mulher. Precisamos de uma lei nacional que preconize a violência contra a mulher, já que a Lei Maria da Penha preconiza apenas a violência doméstica. Não existe uma lei contra a violência de gênero. Nós só temos a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – instrumento internacional de direitos humanos adotados pela Comissão Interamericana de Mulheres da Organização dos Estados Americanos em uma conferência realizada em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994). Nós precisamos de uma lei que preconize todas as violências em uma só para que a gente possa proteger todas as mulheres, inclusive aquelas que estão fora do ambiente doméstico”, pontuou.
Tatiane Seixas acredita que o primeiro passo para mudança é que a sociedade reconheça que a violência não é um problema somente das mulheres. “Em 2022, ao menos uma mulher foi vítima de violência a cada quatro horas no Brasil. Foram 2.423 casos registrados no ano passado, sendo 495 terminando em morte, segundo dados do boletim Elas Vivem, divulgado pela Rede de Observatórios da Segurança. Isso é um problema da sociedade”, lamentou.
Seixas comentou ainda que ao falar de políticas públicas direcionadas às mulheres, o tema violência seja sempre central. “Há 15 dias, a ministra da Mulher, Cida Gonçalves, esteve no Estado e em várias reuniões o único assunto tratado foi sobre políticas públicas contra a violência. Ela não conseguiu tratar de outros temas, como uma universidade mais inclusiva, um mercado de trabalho mais justo, entre outros assuntos. Tudo isso porque é um tema latente, já que as mulheres lutam constantemente para chegarem vivas no final do dia”, lamentou.
Ações em curso
Mariane Pisani, professora da UFPI, citou que após o assassinato em janeiro da estudante Janaina diversas ações estão sendo articuladas para enfrentar a violência contra as mulheres na instituição. “Após o crime, os alunos entregaram uma carta com reinvindicações para o reitor com uma série de ações para aumentar a segurança na Universidade, como, por exemplo, a criação de uma ouvidoria para denúncias de casos de assédios, além de ter sido criado um Grupo de Trabalho de combate à violência de gênero composto por professores da instituição”, explicou.
Segundo Pisani, o GT atuará sobre três eixos: prevenção, informação e erradicação da violência sexual na Universidade Federal do Piauí. “Somos educadores e, por isso, temos de pensar na prevenção. O protocolo é o final e por isso, queremos primeiro criar uma normativa. Para isso, estamos estudando normas e protocolos já existentes, como o da Universidade Federal de Santa Maria. Temos pensado que mais que se inspirar e copiar, é preciso entender o que acontece aqui na UFPI. E, um dos casos, é trabalhar a cultura do silenciamento existente e enfrentado por estudantes, e até por professoras, que são desestimuladas a não levaram as reclamações a diante. Precisamos mudar isso”, ressaltou.
No âmbito nacional, Denise Mota Dau citou que em 8 de março, Dia Internacional da Mulheres, o governo divulgou 29 ações com políticas transversais. Segundo ela, essas ações foram fruto de quase 60 dias de pactuação com os diversos Ministérios do Governo Federal, bancos públicos e outros órgãos, como a Controladoria Geral da União, a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), de políticas públicas para as mulheres.
Dentre as ações, Dau destacou a ampliação da Casa da Mulher Brasileira, que é um centro de atendimento humanizado e especializado no atendimento à mulher em situação de violência doméstica, reunindo em um mesmo espaço o Juizado Especial voltado para o atendimento a mulher; Núcleo Especializado da Promotoria, Núcleo Especializado da Defensoria Pública, Delegacia Especializada no Atendimento a Mulher, Alojamento de passagem, Brinquedoteca, Apoio psicossocial, e Capacitação para a sua autonomia econômica.
“Também acredito que a mudança cultural deve ser iniciada na escola. Acredito que precisamos trabalhar projetos concretos e implementar a Lei Maria da Penha das escolas até as universidades. É preciso mudar a mentalidade para que os meninos não sejam futuros agressores e que as meninas não se submetam a situações de violência. Precisamos mudar, enfrentar essa chaga/pandemia que estamos vivendo no Brasil. Será um trabalho árduo, mas é fundamental para que isso avance senão essa realidade não irá mudar. Mas, claro, que enquanto isso não acontece, os serviços existentes estão salvando vidas”, salientou.
Veja aqui o debate na íntegra.
Vivian Costa – Jornal da Ciência