Violência de gênero afasta as mulheres da política, analisam deputadas

Em debate coordenado pela historiadora Céli Pinto durante a Jornada da SBPC no Dia Internacional das Mulheres, deputadas federais analisam a presença feminina no parlamento a partir de suas experiências pessoais e alertam para a fragilidade da democracia brasileira em assegurar os direitos das mulheres

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A jornada de emancipação plena da mulher na sociedade passa, inevitavelmente, pela política. Muitos ganhos foram obtidos nas últimas décadas com o avanço democrático e a representação das mulheres tem crescido tanto em números quanto em influência nos parlamentos. Mas, no caso brasileiro, a atuação política das mulheres segue muito aquém do retrato real da sociedade. Dentre 187 países analisados pela União Interparlamentar (UIP), o Brasil ocupa a 145ª posição no ranking de equidade de gênero na política.

Para jogar luz sobre os desafios a serem enfrentados neste campo, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência — SBPC realizou nessa terça-feira, 8, a mesa-redonda “O caminho na política: a mulher no Parlamento”, na Jornada da SBPC no Dia Internacional das Mulheres. Coordenada pela historiadora e professora emérita da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Céli Pinto, a mesa contou com depoimentos das deputadas Jandira Feghali (PCdoB/RJ) e Maria do Rosário (PT/RS). As parlamentares Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM/TO) e Luiza Erundina (PSOL/SP) justificaram a ausência por conta da convocação de sessão na Câmara dos Deputados.

“Como nós sabemos, a data de 8 de março é intimamente ligada às questões políticas”, destacou Céli Pinto. “Faz 90 anos que temos o direito de votar e sermos votadas. Entretanto, este direito não se traduz numa presença muito grande e expressiva de mulheres nas Câmaras de Vereadores, nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional”, alertou em seguida. Compreender essa baixa representatividade feminina tem sido objeto de estudo de muitos acadêmicos, inclusive da própria Céli Pinto, autora de uma vasta produção sobre o feminismo e a política. “Nós, estudiosas e estudiosos desse tema, ficamos sempre atrás das causas, tentando ver porque essa questão acontece. Acontece no mundo, mas acontece principalmente no Brasil.”

A ainda curta experiência democrática brasileira somada a uma cultura que normaliza a violência política de gênero estão entre os fatores apontados pelas parlamentares para a baixa ocupação pelas mulheres de cargos eletivos. “Confesso que, tanto na Assembleia Legislativa quanto aqui na Câmara Federal, percebi desde o início que esse lugar nunca é um lugar para as mulheres. A minha primeira violência política foi terem negado minha licença-maternidade. Foi como se me dissessem: ‘seu lugar não é aqui’. Já havia a Constituinte e a licença-maternidade já era assegurada às mulheres que pagavam a previdência social brasileira”, contou Jandira Feghali, em seu sétimo mandato como deputada federal. “Foi a primeira violência de gênero e foi institucional.”

Este episódio, inicialmente dramático, levou a uma conquista histórica para todas as mulheres na vida política. “A minha licença-maternidade foi a primeira do parlamento brasileiro. Porque lutei por ela, nós lutamos por ela, e ela saiu. Ela gerou uma jurisprudência para a Câmara Federal, para as Assembleias Legislativas e para as Câmaras de Vereadores. Todas as licenças aconteceram a partir de uma luta que fizemos em 1992; minha filha nasceu em fevereiro de 93”, rememora a parlamentar.

Apesar dos inúmeros desafios, histórias como a da deputada Feghali revelam a capacidade de superação, através da política, destes entraves e a conquista de direitos. “Ser feminista é justamente lutar pela igualdade de direitos. Dizer ‘não somos inferiores, não somos incapazes’”, resume.

A violência política de gênero, no entanto, ainda oprime as mulheres que decidem seguir a carreira política. Um dos crimes mais trágicos da política brasileira recente foi o assassinato da deputada estadual pelo PSOL do Rio de Janeiro Marielle Franco, ainda sem esclarecimento. Também deixaram marcas indeléveis na política nacional os ataques verbais misóginos do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, contra a deputada Maria do Rosário, em 2014.

Oito anos após o infame episódio, a deputada denuncia que a violência política segue viva dentro do Congresso Nacional. “A democracia brasileira está ferida porque a violência política de gênero continua sendo terrível no nosso dia a dia. Alguém acha que o mandato exercido por uma mulher no Brasil é igual? Que tem condições de ser exercido com a mesma paz na defesa das ideias, do que o exercido pelos homens?”, provocou Rosário. “O Brasil de hoje só aprofundou a misoginia”, alertando que o cerceamento da atuação política das mulheres atinge parlamentares tanto de esquerda quanto de direita.

Discutir o papel da mulher na sociedade tem ligação íntima com a própria manifestação da democracia. A deputada Rosário lembra que as mulheres sempre estiveram na defesa dos direitos democráticos e, ainda que em pequeno número, foram fundamentais na Assembleia Constituinte de 1988 no que ficou conhecido com “lobby do batom”. “Só que, de lá pra cá, a nossa democracia não conseguiu, no sistema político e eleitoral, e tão pouco culturalmente, romper a barreira tão fortemente estabelecida do patriarcado no Brasil.”

A parlamentar destaca que há uma correlação clara entre a sub-representação política das mulheres e o fato do Brasil ser o país com o maior número de feminicídios no mundo e onde a violência doméstica faz parte do cotidiano de milhares de brasileiras. “Por isso, hoje, na democracia brasileira, nós temos mais do que uma luta como feministas. Nós precisamos afirmar a democracia, afirmando a nossa própria presença. Nós precisamos dizer que todas as mulheres devem estar com suas ideias, seja qual for o espectro político-ideológico, representadas no Congresso Nacional.”

Para a professora Céli Pinto, abrir espaços para estas discussões, como a SBPC faz ao realizar a Jornada no Dia Internacional das Mulheres, também é fundamental para que o País siga num caminho de fortalecimento democrático. “Nós nunca podemos perder o pé na realidade, do que está acontecendo conosco no Brasil, do que está acontecendo com as mulheres no Brasil, do que está acontecendo com a democracia brasileira”, alerta a acadêmica. “Nós temos que retomar este País para reconstruí-lo”, complementou, reafirmando que a SBPC tem sido um “baluarte da defesa da ciência, da verdade, da democracia, da igualdade e da liberdade” e fundamental na luta para o desenvolvimento do Brasil.

Mariana Mazza – Especial para o Jornal da Ciência