Violência nas periferias abala a saúde mental dos moradores

Agressões geram estresse, ansiedade, depressão e tentativas de suicídio, relatam entrevistados de pesquisa realizada no complexo da Maré que, na opinião de especialistas, reflete de certa forma o cenário brasileiro
Operação Policial 06.09.2019 Foto © Douglas Lopes.
Operação policial na Maré. (Foto: Douglas Lopes/Redes da Maré)

Um em cada três moradores do Complexo da Maré, conjunto formado por 16 favelas no Rio de Janeiro, afirma ter sua saúde mental afetada pela violência ao redor. É o que revela a pesquisa “Construindo Pontes”, realizada pela organização inglesa People’s Palace Projects e pela Redes da Maré. O estudo mostra que pessoas em situações de violência são mais vulneráveis ao sofrimento mental.

Foram ouvidos 1.411 moradores acima de 18 anos entre 2018 e 2020. Os problemas mais comuns são episódios depressivos (26,6%) e ansiedade (25,5%). Entre as pessoas que estiveram em meio aos tiroteios, 12% relatam pensamentos suicidas e 30% pensaram mais sobre a morte. Entre os entrevistados, 63% disseram sentir medo de serem alvejados por um tiro onde moram e 71% indicaram um temor ainda maior com a possibilidade de que alguém próximo seja a vítima.

Outra situação relatada por boa parte dos moradores foram as invasões domiciliares. Ao todo, 13% relataram que tiveram sua casa invadida nos meses que sucederam a pesquisa, percentual que aponta para um total de 6.210 domicílios que passaram por invasões, muitas vezes acompanhadas de violência verbal, extorsão e perdas materiais. Em 47% destes casos, a violência se repetiu.

A saúde mental é um problema global, mas, no Complexo da Maré, a situação é ainda pior: “é um problema muito grande, muito sério, por causa dessas violências físicas, por causa desses medos, por causa dessas experiências traumáticas vividas pelos moradores”, alerta o diretor teatral e principal pesquisador de Construindo Pontes, Paul Heritage. Ele lembra que as dores e os sintomas de saúde mental não são evidentes como os de uma perna quebrada: “Eles não se tratam com um remédio como os que usamos para dores de cabeça”.

Para a psicóloga e psicoterapeuta Laís Barreto o estudo realizado na Maré é fundamental para que sociedade perceba que as pessoas em situações de violência — independentemente da região — ficam mais vulneráveis ao sofrimento/adoecimento mental.

Ações

Diante do cenário apresentado pela pesquisa, a Redes da Maré e a People’s Palace Projects desenvolveram ações que buscam combater os principais transtornos psicológicos causados pela violência nas favelas. Uma destas ações é o Guia de Saúde Mental da Maré, publicação que reúne orientações básicas aos moradores sobre o tema.

Os efeitos da exposição à violência na saúde mental das vítimas é o tema de uma das reportagens da nova edição do Jornal da Ciência nº 795, lançado essa semana. Com o tema central “Violências”, o especial traz entrevistas com cientistas, pesquisadores e especialistas — no caso Maré também foram entrevistados moradores da comunidade — que ajudam a entender o cenário em que o Brasil se encontra atualmente. A publicação está disponível para download gratuito no site do Jornal da Ciência Online. Baixe o seu exemplar e confira.

Vivian Costa – Jornal da Ciência