Com a retomada de negociações entre os Estados Unidos e o Brasil para usar a base de foguetes de Alcântara, no Maranhão, com objetivo de impulsionar o programa brasileiro e permitir lançamentos estrangeiros, surgiram novas incertezas para as famílias de quilombolas que tiveram que ser transferidos da área de segurança da base para sete vilarejos construídos pelo Ministério da Aeronáutica, há 38 anos. Para os participantes da mesa-redonda “A base de lançamento de Alcântara e o direito das comunidades remanescentes de quilombo”, é preciso decidir o destino dessas dezenas de famílias que foram deslocadas, a 40 quilômetros da antiga residência, para depois seguirem no projeto. A discussão aconteceu ontem (23), durante a 70ª Reunião Anual da SBPC, no campus da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Maceió (AL).
Para tornar viável economicamente o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), o governo deve ampliar de 8,7 mil hectares para 20 mil hectares a área destinada à construção de um corredor de lançamentos de foguetes e equipamentos espaciais.
Segundo os participantes, até hoje, o que foi prometido não foi cumprido. Dentre as promessas, está o título de posse das terras por parte do Governo Federal para onde as famílias foram remanejadas.
“Essas pessoas vivem em uma expectativa que nunca chega. É preciso existir um comitê para resolver o problema dessas pessoas. E só ai decidirem o que fazer. Mas é preciso resolver para não deixar que esse sofrimento vá ao limite”, disse o coordenador da mesa, Alfredo Wagner B. de Almeida, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Leonardo dos Anjos, quilombola e representante do Movimento dos Afetados pela Base de Alcântara (Mabe), afirma que as pessoas estão sofrendo com essas incertezas. “Muitas pessoas não constroem suas casas de alvenaria porque não sabem o que vai acontecer no futuro. Se serão deslocados novamente”, disse. Segundo contou, o caso está em debate em uma câmara de conciliação, sem previsão de conclusão. Se aprovados, os planos de expansão podem dobrar o tamanho da base, que atualmente tem cerca de 8,5 mil hectares.
Mesmo assim, Anjos disse que os quilombolas não vão aceitar o avanço. “Não vamos abrir mão desses hectares, porque a gente já está produzindo muito menos que antes, e é o mínimo para sobreviver”, disse ao lembrar que já são 38 anos de incertezas e sofrimentos.
O representante do Mabe criticou ainda a falta de investimentos do País no Centro de Lançamento de Alcântara, que nunca mandou um só satélite ao espaço. “Enquanto a Rússia já enviou vários foguetes ao espaço, o Brasil quer vender nossas terras”, lamenta. Para ele, se o Brasil quer ganhar dinheiro com a base, precisa investir nela, fazê-la funcionar.
O presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), José Raimundo Coelho, que é maranhense, citou que o debate é importante e que a decisão para o futuro dos quilombolas é urgente. Ele também afirmou que o remanejamento das famílias é desnecessário. “Em outros países ninguém foi deslocado. Na China, por exemplo, quando há um lançamento, o governo manda ônibus para retirar as pessoas daquela região para evitar acidentes”, contou.
Patrícia Maria Portela Nunes, da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), disse que nesses 38 anos o projeto do CLA foi mudado várias vezes. Pactos foram feitos, mas os compromissos realizados com as comunidades têm sido quebrados.
Outra questão a ser resolvida é o acesso e conhecimento sobre os lançamentos a serem feitos na base, como levantou o pesquisador da Ufam. “O que está em jogo é a soberania do País, e este assunto vai de encontro ao tema do evento que é Ciência, Responsabilidade Social e Soberania”.
Vivian Costa – Jornal da Ciência