Projeto denominado “Plataformas do Conhecimento” foi recebido com ressalvas pelos representantes das sociedades científicas
A Agência Brasileira da Inovação (Finep) prepara um projeto robusto que prevê aumentar o orçamento anual da pasta de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) de R$ 6 bilhões para R$ 24 bilhões, no período de 10 anos, a fim de promover o desenvolvimento de setores que podem transformar o Brasil em uma potência mundial de produção, dentre os quais saúde, energia, agricultura e biotecnologia.
Batizado de “Plataformas do Conhecimento – Como elevar o patamar e o impacto da CT&I no Brasil?”, a proposta foi apresentada por Glauco Arbix, presidente da Finep, à comunidade científica, na manhã da última quinta-feira (29/05), na sede da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Alguns cientistas criticaram a proposta, e outros foram favoráveis com ressalvas. Logo após a apresentação foi dada a palavra aos representantes das sociedades científicas presentes ao encontro, que manifestaram discordância sobretudo quanto aos seguintes pontos: a ausência de uma manifestação clara de que os recursos para a proposta não serão subtraídos dos recursos existentes para a CT&I, já considerados insuficientes pela comunidade científica; a possibilidade manifesta pelo presidente da Finep de que o Regime Diferenciado de Compras e Contratações para atividades de CT&I (RDC) seja utilizado somente para o projeto proposto; a indefinição sobre a continuidade de manutenção e incentivos às universidades e institutos de pesquisa não contemplados pelos 20 projetos a serem selecionados; e um desconforto com a exiguidade dos prazos (o primeiro edital deve ser publicado em 6 de junho, nesta semana), sem que tenha havido uma maior discussão com os representantes da ciência e tecnologia no País.
A proposta
Costurado com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a pedido da presidente Dilma Rousseff, o projeto é apresentado em um momento em que o Brasil perde posição nos rankings internacionais de competitividade e a economia doméstica sinaliza perda de dinamismo para os próximos anos. Arbix destacou que na troca de ministros da pasta, no último mês de março, Dilma pediu para o MCTI criar um plano para acelerar a participação da ciência, tecnologia e inovação no Brasil e, por tabela, o desenvolvimento nacional.
A proposta prevê aumentar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para 2% até 2020, a fim de reduzir a distância de países como China, Coreia e Estados Unidos que nos últimos anos alavancaram os dispêndios nessa área para desenvolver suas economias.
Agora, as partes envolvidas no projeto buscam apoio da comunidade científica e do próprio governo para dar uma injeção de ânimo aos recursos no orçamento do MCTI, que corriqueiramente passam por contingenciamentos. “Uma das questões que corroem a área de ciência, tecnologia e inovação é a oscilação de funding. Há necessidade de estabilidade desses recursos”, atestou o presidente da Finep.
Segundo Arbix, o projeto foi apresentado ao Ministério da Fazenda, onde já se reuniu três vezes, e deverá ser também apresentado ao colegiado do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) no próximo dia 6 de junho, e posteriormente, à Casa Civil, ainda sem data prevista.
Fontes de recursos
A intenção é colocar o plano dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na tentativa de assegurar mais recursos do Tesouro Nacional. A proposta prevê, ainda, outras fontes de recursos, como a Cide Tecnologia (Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação – Lei Nº 10.168, de 29 de dezembro de 2000 ), e pelo menos 10% dos 50% não destinados à educação e à saúde do Fundo Social (originado dos recursos do petróleo da camada pré-sal). Outra iniciativa é “recuperar” a capacidade de fomento do FNDCT às pesquisas científicas e tecnológicas.
O plano sugere também o reconhecimento da Finep como banco de fomento, a exemplo do BNDES, na tentativa de permitir o acesso às linhas de crédito do Fundo Social. O plano prevê ainda a criação de um sistema de avaliação sistemática para acompanhar as metas que seriam estabelecidas. “Precisamos de recursos bastante pesados para fazer a área de ciência, tecnologia e inovação deslanchar”.
Setores potenciais
Inicialmente, o plano propõe a criação de um programa para alavancar o desenvolvimento científico e tecnológico de “três grandes áreas” – energia, agricultura e saúde – áreas com potencial de transformar o Brasil em uma potência mundial de produção. Outros segmentos que merecem atenção especial, segundo a proposta, são Amazônia, ambiental e aeronáutica, além da robótica, microeletrônica, neuroengenharia, biotecnologia, inteligência artificial, materiais avançados, manufatura digital, redes e sistemas de computação, e satélites, dentre outros.
Para fazer frente a esses desafios, o plano prevê a implementação do chamado Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento (PNP). Na prática, representa o desenvolvimento de uma rede de pesquisa que possa reunir empresas, setor público e institutos de pesquisas, com a intenção de desenvolver produtos que possam ser levados à sociedade.
O presidente da Finep alega que há falta de capacitação profissional nacional na gestão de grandes projetos, portanto a ideia inicial é atrair cérebros do exterior. Além disso, o plano busca facilitar o regime de compras de matéria-prima para pesquisa científica e gerar consórcios, por meio de uso do Regime Diferenciado de Compras e Contratações para atividades de CT&I (RDC).
Divisão de opiniões
A apresentação do projeto “Plataformas do Conhecimento – Como elevar o patamar e o impacto da CT&I no Brasil?”, feita pelo presidente da Finep, Glauco Arbix, dividiu opiniões dos representantes das sociedades científicas presentes no encontro que aconteceu na sede da SBPC.
Ricardo Galvão, presidente da Sociedade Brasileira de Física, foi um dos mais críticos e questionou se foram avaliados os erros e acertos de projetos já existentes no Brasil antes de desenvolver a proposta. “Não se pode fazer novos programas sem olhar o que já foi feito e sem tentar resolver os problemas que existem. Eu não vi nada disso na sua apresentação. Outra questão é que o projeto será ancorado por organizações sociais. Eu tenho sete anos de experiência em administração e sei da dificuldade de trabalhar com organizações sociais, o que é chegar em junho/julho sem ter dinheiro vindo do governo”, disse.
Na opinião de Galvão, o grande problema do Brasil é o arcabouço legal. “Tem uma PEC no Senado para mudar a Lei 8666 e o governo deveria estar trabalhando fortemente para que essa lei fosse mudada”, ressalta. Para ele, o projeto apresentado é mais uma tentativa de “inventar a roda”, e finalizou dizendo que “é preciso estruturar o que já existe.”
Menos crítico, Gildo Magalhães, da Sociedade Brasileira de História da Ciência, disse que é impossível desvincular CT&I do resto do País e que o Brasil tem dois grandes problemas: Educação e infraestrutura. “Se formos pensar no que deu certo na Coreia, China e Estados Unidos, veremos que eles investiram fortemente nestas duas questões”, disse. E completa, “a questão não se resume apenas em dinheiro”.
Para Claudia Lago, da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), a proposta é interessante, mas faltou clareza de como ela se concretizará no futuro. “Achei a proposta boa, mas acho que há muitas coisas que ainda não estão claras, como por exemplo, como será feito, quem poderá participar, etc. Para isso, teremos que ver os editais”, disse. E completa, “como todos aqui, tenho uma série de dúvidas da nossa capacidade de implementação diante do cenário existente”.
A pró-reitora de Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Glaucia Pastore, gostou do projeto e da ideia de vincular o trabalho que se faz com a resolução de problemas. “Nossa pós-graduação está bem avançada e tenho certeza que temos condições de fazer isso”, disse. Mas, ressaltou que há um grande gargalo que deve ser bem trabalhado, que é a questão das parcerias com as empresas, principalmente as nacionais. “A gente tem observado que há problemas para fazer com que o empresariado enxergue oportunidades de crescimento”, lamentou. “É preciso que as empresas enxerguem e entendam este chamado. É preciso fazer com que o empresariado tenha uma visão macro”, ressaltou Pastore, que estava representando a Sociedade Brasileira de Ciência de Alimentos.
O representante da Sociedade Brasileira de Imunologia, Edécio Cunha Neto, também gostou do que foi apresentado, mas disse que entende a preocupação de alguns cientistas quanto à questão de recursos. “Já vivemos outras ocasiões, como os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), quando na época um grupo se sentiu prejudicado porque os programas drenaram dinheiro de outros projetos. Não pode cobrir uma coisa e descobrir outra”, disse. E finaliza, “embora tenha sido dito que isso não acontecerá sempre haverá uma voz preocupada. Por isso, acredito que devemos ter mais debates sobre o projeto”.
Virginia Pontual, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur), questionou o motivo das cidades não serem consideradas um problema na instância de CT&I. “Nós não fazemos cidade sem pesquisa em material de construção, pesquisa de mobilidade e transporte, pesquisa de processos construtivos, pesquisa de mudanças climáticas, pesquisa de alternativas de esgotamento e drenagem. Outro ponto que não ficou claro na explicação do professor Glauco, e estou aqui para evocar as palavras da professora Tania Bacelar, é a questão da distribuição territorial dos investimentos. Bacelar mostrou que há seis anos houve uma leve desconcentração, mas que todos os dados indicam que há uma grande tendência de concentração das distribuições de recursos nas regiões. Nós sabemos, a Anpur sabe que o Ministério das Cidades tem dificuldades, mas são questões que nós gostaríamos de ver no debate nacional de CT&I”.
Ingrid Dragan Taricano, representante da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL), achou a ideia muito boa e responde a uma série de coisas como novos fármacos e medicamentos. “Nós precisamos parar de comprar remédio para quem faz diálise, devemos parar de importar insulina. Volto a citar o Instituto Royal porque era o único que tinha capacidade de fazer testes pré-clínicos e fazia. Temos pessoal capaz para fazer, temos laboratórios/centros novos, emergentes, sem prática, mas podemos juntar tudo isso. E acho que a plataforma vem para isso. A coisa mais bonita que você disse aí foi “agilizar as compras”, finalizou Taricano.
Hernán Chaimovich Guralnik, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), ressaltou o impacto da ciência brasileira. “Um dos gráficos que você mostrou é a falta do impacto da ciência brasileira nos últimos 20 anos. Acho difícil colocar a culpa somente na lei de importação. Nesse período a única área que subiu foi à física e isso aconteceu porque temos muitos bons físicos e que trabalham em projetos grandes. Em média, a ciência brasileira não evoluiu nada em qualidade, apesar do seu crescimento. Não se pode generalizar e colocar a culpa na importação. Nós temos a possibilidade de dar um grande salto necessário. Os problemas são do Brasil, mas com um projeto deste, com sorte podemos mudar. Nós dependemos de duas instituições centrais para que exista um fundo estrutural de investimento: universidades e institutos. Perguntas: O que eu ganho como universidade ou instituto? Tenho que criar uma outra estrutura com as condições que eu não tenho? Vamos importar cientistas? Temos que pagar bem? Como que vamos formar gestores? Gerir R$ 100 mil por ano é uma coisa e o aporte que você está propondo é outra história, e nem estou falando do ponto de vista contábil. Isso precisa de uma gestor de programa com estrutura que nós nem sabemos formular. As entidades, que nem sei o que vão ganhar, não sabem gestão de projetos, e nem imaginam como é gerir um projeto desta magnitude”, questionou o representante da ABC.
SBPC manifesta preocupação
A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena B. Nader, afirmou que a comunidade científica não é contrária ao aumento de investimentos, no entanto apresentou alguns questionamentos sobre a viabilidade da proposta. “O Brasil precisa deste projeto como de outros que não vemos contemplados na proposta. Entendemos que propostas como esta devem somar ao que já temos, às estruturas já instaladas, às universidades e institutos de pesquisa. Tenho andado pelo País inteiro visitando universidades, em contato permanente com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), e conheço o quadro que vivemos. Vemos na proposta das plataformas do conhecimento que 20 projetos ficarão no “top de linha”, mas o que vai acontecer com o restante? Lembro que em fevereiro de 2013 o CCT discutiu muito os laboratórios nacionais, nos envolvemos a fundo nas propostas e discussões, foi muito trabalho, e parece que tudo desapareceu. Os EUA e a China têm grandes laboratórios nacionais, mas onde estão os nossos?”.
Nader manifestou estranheza quanto à afirmação do presidente da Finep de “que não temos capacitação profissional para gerir grandes projetos e que devemos trazer do exterior.” Para a presidente da SBPC a importação de gestores deve ser melhor considerada. Também questionou o uso do RDC para as Plataformas do Conhecimento, enquanto as universidades e instituições de pesquisa que não terão projetos contemplados, poderão ficar de fora.
Salientou que é preciso definir onde ficarão as demais instituições já consolidadas no País. “Precisa ficar claro onde ficarão os demais, as universidades que não serão incluídas no programa, e temos que lembrar que essa universidade formou todos nós. Não pode ser deixada de lado, caso contrário não vai formar recursos humanos, nem para o programa Inova, nem para as plataformas.”
Segue a relação das entidades participantes:
Academia Brasileira de Ciências (ABC)
Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF)
Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC)
Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED)
Associação Brasileira de Engenharia de Produção (ABEPRO)
Associação Brasileira de Linguística (Abralin)
Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)
Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei)
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP)
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (Anpoll)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Anpur)
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE)
Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE)
Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQUSP)
Sociedade Botânica do Brasil (SBB)
Sociedade Brasileira de Biologia Celular (SBBC)
Sociedade Brasileira de Bioquímica e Biologia (SBBq)
Sociedade Brasileira de Ciência de Alimentos (SBCTA)
Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL)
Sociedade Brasileira de Computação (SBC)
Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica (SBEB)
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom)
Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica (SBFTE)
Sociedade Brasileira de Física (SBF)
Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC)
Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI)
Sociedade Brasileira de Microeletrônica (SBmicro)
Sociedade Brasileira de Microscopia e Microanálise (SBMM)
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
Sociedade Brasileira de Protozoologia (SBPZ)
Sociedade Brasileira de Toxinologia (SBTx)
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
(Ascom SBPC)