Dois posicionamentos de Conselheiros, um FAVORÁVEL e outro CONTRÁRIO à alteração do Art. 7º

Documento com a defesa da exigência dos candidatos aos cargos elegíveis na Diretoria, Conselho e Secretarias Regionais serem, obrigatoriamente, portadores do título de Doutor

Queremos nos posicionar a favor da exigência de doutorado para se candidatar à cargos de direção da SBPC. Em um primeiro momento isso pode parecer uma exigência restritiva, e até antipática. No entanto, vemos como uma questão importante para se preservar a identidade da SBPC.

Ao longo de sua existência, a SBPC vem se firmando como uma voz relevante e de elevada credibilidade, e tem cumprido papel fundamental na defesa da Ciência brasileira. Baseado na sua seriedade e no compromisso com o conhecimento científico, possui hoje poder de persuasão como poucas instituições no Brasil. Acredito ser essencial que essa representação continue sendo feita verdadeiramente por cientistas. Quantas pessoas ou setores estranhos à Ciência e à Educação gostariam de poder ter domínio dessa instituição e poder falar em nome dos cientistas? O risco disso acontecer não deve ser negligenciado. Basta olharmos ao redor para vermos exemplos de instituições que foram apossadas por pessoas que não representam seus propósitos originais. Desde partidos políticos que dizem ser o que não são, federações de indústrias presididas por não industriais, instituições que atacam o que deveriam defender – não faltam exemplos. Lembro que recentemente uma autoridade do governo lamentou, se referindo às escolas, que “infelizmente os cientistas tomaram conta dessa área”.  Por isso, a preservação da identidade da SBPC, e que os cientistas continuem tomando conta de sua representação, me parece ser de fundamental importância.

O que caracteriza formalmente hoje o cientista? Exceto por algumas raras exceções, é possuir o título de doutor. Outros possíveis critérios seriam de difícil implementação, ou mesmo completamente inadequados: Ter produção científica? Estar vinculado a instituição de pesquisa? Estar atuando em alguma área do conhecimento? Certamente nenhuma destas. É claro que o título não garante nada, mas diminui significativamente o risco de uma representação inadequada. Hoje a SBPC é fundamental para a resistência contra a investida de negação da Ciência que temos enfrentado, e a salvaguarda de termos um cientista à frente dessa instituição é vital. Nunca é demais lembrar que hoje são amplas as oportunidades para a obtenção do título de doutor por uma pessoa interessada em exercer atividade de pesquisa. Não é mais uma barreira intransponível, como já foi no passado. E a SBPC pode se orgulhar de ter contribuído muito para isso.

CONSELHEIROS QUE CONCORDAM COM A PROPOSTA:

  1. Carlos Frederico Martins Menck
  2. Dora Ventura
  3. Helena Nader
  4. José Antônio Aleixo da Silva
  5. Mario Steindel
  6. Paulo Beirão
  7. Renato Janine Ribeiro
  8. Romão da Cunha Nunes
  9. Vanderlan Bolzani
  10. Walter Colli

Documento com a defesa da não exigência dos candidatos aos cargos elegíveis na Diretoria, Conselho e Secretarias Regionais serem, obrigatoriamente, portadores do título de Doutor

O Conselho da SBPC, em sua reunião de 12/03/2020, discutiu uma proposta de alteração do Estatuto da sociedade que leva a algumas mudanças na sua formulação atual. A prerrogativa de alteração estatutária pertence ao conjunto de sócios da SBPC, e deve ser votada em uma Assembleia Geral Extraordinária, como estamos fazendo agora.

Em uma única proposta de alteração estatutária não houve consenso no Conselho da SBPC: a proposta de que candidatos a quaisquer cargos eletivos da SBPC deverão ser necessariamente portadores do título de doutor [Art. 32]. No entendimento de um conjunto de 11 conselheiros da SBPC, que votaram contra a inclusão dessa exigência no Estatuto, tal restrição levaria a uma profunda mudança na proposta política e conceitual da SBPC e teria ainda outras implicações.  Para esclarecimento: cargos eletivos na SBPC significam diretores, conselheiros e secretários regionais, bem como secretários adjuntos e conselheiros regionais, se tais cargos existirem no regimento da secretaria regional. Apresentamos a seguir as razões pelas quais somos contrários à introdução dessa restrição no Estatuto da SBPC.

1. Propor uma alteração de Estatuto que introduza uma cláusula de titulação como doutor para ser candidato a qualquer cargo eletivo é, a nosso ver, propor o estabelecimento de sociedade com espírito bem diferentedaquela que, em conexão grande com s sociedade brasileira, escreveu memoráveis páginas de história da ciência, da democracia e da construção da nação. Ao analisarmos os 14 objetivos da SBPC, que constam em seu Estatuto no Art. II, não encontramos justificativas que recomendem a adoção desta restrição, uma vez que todos eles podem ser cumpridos por uma entidade que possua sócios que sejam cientistas, professores ou amigos da ciência, que atuem em conjunto.

Sempre entendemos que a SBPC é uma sociedade aberta, de cientistas e amigos da ciência que se reúnem em torno de objetivos e princípios comuns de defesa e promoção da ciência, da educação, da democracia, princípios que a própria SBPC contribuiu para fixar na Constituição de 1988. Consideramos que a SBPC é diferente de uma sociedade científica especializada que deve zelar pelo progresso de uma área específica do conhecimento, ou de uma Academia de Ciências, cujo corpo social é determinado pelos próprios acadêmicos, que elegem e podem ser eleitos, e que incorporam novos membros. É muito importante que sociedades especializadas e academias existam e prosperem, mas, preservadas as semelhanças, elas têm natureza e objetivos diferentes da SBPC.

Não havia este requisito da titulação quando a Sociedade foi fundada em 1948 e nem em todas as versões do Estatuto subsequentes. Jorge Americano, seu primeiro presidente, um jurista, não era portador do título de doutor e nem Anísio Teixeira, presidente alguns anos depois, ou Darci Ribeiro, conselheiro na época da redação do regimento em 1982.  Mais recentemente houve também presidentes e conselheiros que não possuem o título formal de doutor.

2. Consideramos que a restrição proposta é questionável também porque cria no corpo social da SBPC duas classes diferentes de sócios: os de 1ª classe – portadores do título de doutor, sócios ao quais é estatutariamente reconhecido o direito de votar e ser votado e os de 2ª classe – sem título de doutor –  ao quais não é reconhecido o direito a serem votados. Em ambos os casos os associados têm as mesmas obrigações,  devem pagar regularmente sua anuidade, zelar, defender e obedecer aos mesmos princípios e objetivos determinados no Estatuto. Cerca de 52% dos sócios atuais da SBPC não têm o título de doutor. Esta restrição, se aprovada, estabeleceria que mais da metade deles não poderia ser votada para exercer qualquer cargo eletivo na sociedade. Isso estabeleceria uma limitação do exercício de direito político, e que lhes é garantido desde a fundação da SBPC.

3. Em uma época na qual a interação entre a ciência, a comunidade científica e a sociedade adquire ainda mais importância, uma restrição deste tipo pode ser contraproducente politicamente para o fortalecimento da SBPC e para um maior enraizamento seu com a sociedade brasileira.

Essa restrição impediria que muitos profissionais liberais, artistas, empresários, juristas, lideranças de destaque outros setores sociais, e que poderiam contribuir eventualmente, e muito, para o próprio Conselho da SBPC, não poderiam fazê-lo. Apenas a título de exemplo, mencionamos profissionais diversos com relação estreita com a ciência e com grande experiência em suas áreas, que poderiam contribuir positivamente para o fortalecimento e ampliação do papel da SBPC em defesa da ciência, da educação e do desenvolvimento do país: Drauzio Varella (médico), João Moreira Salles (cineasta, empresário e criador do Instituto Serrapilheira) e ex-ministros de CT&I como Celso Pansera ou Ronaldo Sardenberg. Poderíamos citar muitos outros juristas, médicos, engenheiros, artistas, economistas, administradores, empresários voltados para a inovação, etc, que se interessam pela C&T e com contribuições significativas em suas áreas de atuação. Muitas vezes eles não têm a titulação de doutor como requisito importante em suas profissões, ao contrário do que ocorre com as carreiras científicas.

Observe-se que não estamos propondo nomes específicos nem que nas próximas eleições sejam apresentados candidatos como os aqui mencionados ou dessas áreas. Estamos apenas apontando que a restrição proposta limita possibilidades interessantes de interação da SBPC com diversos outros setores sociais importantes para o desenvolvimento científico. Achamos importante resguardar o direito de que sócios da SBPC, que sejam amigos da ciência e não necessariamente cientistas profissionais, possam eventualmente disputar alguma posição eletiva na SBPC.

É importante notar que as escolhas dos candidatos para cargos eletivos na SBPC são feitas pelo Conselho ou eles são indicados por um determinado número de sócios, para serem, em seguida, submetidos à votação pelo conjunto de sócios. Todas as escolhas destas últimas décadas do Conselho da SBPC ou provenientes da indicação de sócios têm sido judiciosas e levam em conta a qualificação dos candidatos. Nas últimas diretorias por exemplo, todos os diretores têm sido pessoas com doutorado e com carreiras científicas significativas em suas áreas. E esta indicação dos candidatos passa ainda, evidentemente, pela eleição (ou não) desses candidatos por todos os sócios. Não achamos que temores quanto à eventual eleição de pessoas sem qualificação ou representatividade na comunidade científica sejam justificados.

4. Sociedades científicas similares à SBPC, algumas das quais inspiraram sua criação, não têm esta restrição em seus Estatutos, como é o caso da poderosa American Association for the Advancement of Science (AAAS), fundada em 1848, que é a maior sociedade científica de caráter geral no mundo e à qual está ligada a revista Science. O mesmo ocorre com a Britisch Science Association (BSA), fundada em 1831 como British Association for the Advancement of Science, com a Association Française pour l’Avancement des Sciences (AFAS), de 1872,  ou ainda com a mais recente Asociación Española para el Avance de la Ciencia (AEAC). Essas sociedades científicas abrangentes, com características e estruturas similares à SBPC, não têm esta restrição em suas regras estatutárias, e nem por isto perderam as suas características de sociedades científicas influentes em seus países. Esses países têm uma proporção muito maior de doutores e sistemas de ciência e tecnologia bem mais desenvolvidos do que o Brasil. Em nosso país, atualmente, segundo dados da OCDE (Education at a Glance, 2019), a proporção de doutores em sua população é de apenas 0,2%, enquanto atinge 1,1% na média da OCDE.

Estas são as razões que apresentamos aos sócios da SBPC em defesa de nossa posição contrária à exigência do título de doutor para ser candidato a todo e qualquer cargo eletivo da SBPC. Nossa posição é que esta restrição não seja incluída no Estatuto da SBPC.  A questão será agora deliberada pela Assembleia Geral Extraordinária, que esperamos, manterá a versão do Estatuto em que se preserva o direito do sócio de votar e ser votado independentemente de sua titulação. É importante que você não deixe de votar e exercer o seu direito de opinar nas regras estatutárias que presidem a SBPC.

CONSELHEIROS QUE CONCORDAM COM A PROPOSTA:

  1. Alfredo Wagner
  2. Carlos Alexandre Netto
  3. Cynthia Martins
  4. Débora Foguel
  5. Ennio Candotti
  6. Ildeu Moreira
  7. Luiz Bevilacqua
  8. Maíra Baumgarten
  9. Marco A. Raupp
  10. Rute Andrade
  11. Sergio Lucena