Pandemia ressalta necessidade de reduzir as desigualdades sociais e econômicas, afirmam pesquisadores

O assunto foi discutido no painel "Saúde e educação no município: uma plataforma em defesa da vida", realizado pela SBPC durante a Marcha Virtual pela Vida, nessa terça-feira, 9 de junho

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Para promover saúde e educação como uma plataforma em defesa da vida, especialmente nesse contexto de pandemia de coronavírus, é preciso criar estratégias intersetoriais, além de políticas públicas e sociais que visem reduzir as desigualdades social e econômica existentes no Brasil. A opinião é partilhada pelos participantes do painel “Saúde e educação no município: uma plataforma em defesa da vida”, realizado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), como parte das atividades da Marcha Virtual pela Vida, promovida nesta terça-feira, 9 de junho.

“O Brasil é hoje o epicentro da pandemia da covid-19 na América Latina, com a maior taxa de transmissão da doença, o segundo maior número de casos no mundo e a maior taxa diária de mortes, mesmo sem considerar a subnotificação. Por isso, esse debate é uma ótima oportunidade para discutirmos assuntos que promovam uma vida digna para todos”, disse Luciano Mendes, secretário regional da SBPC em Minas Gerais (SBPC-MG) e moderador do debate.

Para Alzira de Oliveira Jorge, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e diretora do Hospital Risoleta Tolentino Neves, em Belo Horizonte, cabe ao Estado criar políticas públicas e sociais para promover a redução da desigualdade em todos os níveis. “Vivemos em um país de enormes discrepâncias e o Estado não pode abrir mão de sua responsabilidade”, afirmou.

Atuando há 30 anos na medicina, Jorge defende que além de propiciar políticas públicas e sociais, é preciso também reverter o quadro de subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS). “Nós (Brasil) gastamos 4% do PIB (Produto Interno Bruto) com saúde, metade do que investem outros países que têm saúde universal. Nós temos um per capita de investimento muito baixo para um país que tem a pretensão de ter um sistema de saúde universal. O Brasil gasta cerca de US$ 1,3 mil a US$ 1,4 mil por pessoa por ano, contra US$ 3 mil a US$ 4 mil de outros países com o mesmo tipo de sistema. Isso mostra que o SUS precisa ser fortalecido com mais recursos para dar conta de atender aos mais de 200 milhões de brasileiros”, comenta. A defesa do SUS está entres os seis pilares base da Marcha Virtual pela Vida.

Hisham Mohamed Hamida, secretário de Saúde de Goianésia (GO) e diretor do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), acrescenta que que além de mais recursos, é preciso implementar uma intersetorização de todas as áreas para melhor atender os seus três princípios do sistema: universalização, equidade e integralidade. Segundo ele, existe um grande foco para a universalização do SUS, mas é preciso reduzir as desigualdades, além de oferecer uma integração de todas as ações, incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação. “Temos de reconhecer as diferenças, para unir e ampliar as ações. Podemos aproveitar o momento para realizar mudanças para o que queremos para o futuro”, explicou.

Wagner Sousa, agente comunitário no Rio de Janeiro, também reforçou que é preciso reduzir as desigualdades sociais e econômicas existentes, mas ele não acredita que essa mudança será promovida pelo Estado. Sousa acredita que, diante do cenário político atual, as soluções devem partir do micro, ou seja, de atores atuantes na comunidade, como Ongs, associações, escolas, movimentos sociais e até mesmo da própria população. “Por conta da desigualdade e da ausência de políticas públicas, as favelas estão se reinventando e são essas pessoas que estão promovendo a mudança local. Basta olharmos o exemplo do presidente da República, que vem remando contra a maré diante de todas as orientações e recomendações”, comentou.

Sousa alertou que a expansão da pandemia do novo coronavírus pelas favelas, periferias e interiores do Brasil escancarou a perversa desigualdade social e econômica entre as classes sociais, o que representa uma barreira às recomendações de higiene básica, distanciamento físico e permanência em casa. “Como falar para as pessoas manterem o isolamento social, sendo que muitos moram em lugares pequenos. Higienização das mãos e mesmo a recomendação para não sair de casa são medidas que esbarram em realidades brasileiras, ou na ausência de direitos básicos, como saúde, emprego e moradia. Muitas nem água têm”, afirmou. Para ele, as desigualdades existentes só aumentam o desafio para prevenção e controle da covid-19 e, por isso, acredita que as ações exigem estratégias adaptadas a contextos diferentes nas favelas.

Marileide Lopes dos Santos, diretora da Escola Municipal Vila Fazendinha, em Belo Horizonte, também concordou sobre a necessidade da criação de grupos intersetoriais para uma integração entre a saúde e a educação. “Essa integração será necessária para levar saúde para dentro das escolas. Principalmente dentro daquelas que estão nas periferias e que precisam lidar com várias questões, dentre elas as psicológicas, que acabam prejudicando o processo de aprendizado do aluno. Por isso, acredito que é preciso ampliar o diálogo com os agentes do PSE (Programa Saúde na Escola), porque eles podem contribuir para o desenvolvimento desse processo”, disse.

Pensando no ‘pós-pandemia’, Santos afirmou que já está atenta às questões emocionais, tanto dos alunos quanto dos trabalhadores, uma vez, que já tem registrado o adoecimento de alguns, inclusive do corpo docente. “Essa situação tende a se agravar, e precisamos estar atentos.”

Educação

Marcelo Ferreira da Costa, dirigente municipal de Educação de Goiânia e vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), acredita que apesar das dificuldades enfrentadas por conta da pandemia, algumas lições boas podem ser tiradas da situação. “Já vínhamos defendendo a história do território educacional, e que se tem de trabalhar em conjunto para formar cidadãos do futuro, com as melhores habilidades possíveis. E percebo que isso está acontecendo. Outro ponto positivo é aproximação dos pais no processo do aprendizado.”

Quanto às tecnologias inseridas no aprendizado por causa da pandemia, Costa defendeu a necessidade de ressaltar o papel do professor. “Tenho certeza que as tecnologias ficarão na educação, mas nenhuma dessas modalidades ou complementos substituirão o professor, que é o único capaz de oferecer uma educação de qualidade.”

A Marcha Virtual pela Vida foi promovida pela Frente pela Vida, que é um movimento conduzido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho Nacional de Saúde (CNS), a o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e a Rede Unida.

O painel “Saúde e educação no município: uma plataforma em defesa da vida” está disponível no canal da SBPC no YouTube.

Vivian Costa – Jornal da Ciência